quarta-feira, 28 de setembro de 2016

AS FRAGILIDADES DA PROPOSTA DE REFORMA DO ENSINO MÉDIO NO BRASIL DO GOVERNO TEMER

Política



Um livro de Fernando Alcoforado

Colaboração de Fernando Alcoforado*

A atual estrutura do sistema de educação no Brasil consiste na educação básica (educação infantil, ensino fundamental e ensino médio) e na educação superior. Os municípios têm a função de atuar na educação infantil e no ensino fundamental e os Estados e o Distrito Federal são responsáveis pelo ensino fundamental e ensino médio. O governo federal, por sua vez, presta assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como organiza o sistema de educação superior no país.




A educação infantil, primeira etapa da educação básica, é realizada em creches, para crianças com até três anos de idade, e nas pré-escolas, para crianças de 4 a 6 anos. O ensino fundamental, com duração mínima de 9 anos, é obrigatório e gratuito na escola pública, devendo o Poder Público garantir sua oferta para todos, inclusive aos que não tiveram acesso na idade própria para o mesmo. O ensino médio, etapa que finaliza a educação básica, tem duração mínima de três anos e oferece uma formação geral ao educando, podendo incluir programas de preparação geral para o trabalho e, de forma facultativa, a habilitação profissional.
Além do ensino regular, a educação formal possui as seguintes modalidades específicas: a educação especial, para os portadores de necessidades especiais; a educação de jovens e adultos, para aqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria para os mesmos. A educação profissional está integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, às ciências e à tecnologia, com o objetivo de conduzir ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva. O ensino de nível técnico é ministrado de forma independente do ensino médio regular. Este, entretanto, é requisito para a obtenção do diploma de técnico.
A educação superior abrange os cursos de graduação nas diferentes áreas profissionais, que são disponíveis aos candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados dentro do número de vagas em processos seletivos específicos. A pós-graduação também faz parte do nível superior de educação e compreende programas de especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado.
O Ministério da Educação anunciou recentemente uma série de mudanças no ensino médio brasileiro para entrar em funcionamento no país a partir de 2018. As principais medidas propostas pelo Ministério da Educação de mudança no ensino médio do Brasil são as seguintes: 1) flexibilização do currículo escolar; 2) ampliação da carga horária dos alunos de 800 para até 1.400 horas anuais; 3) inserção do ensino técnico no ensino médio; 4) o aluno de escola pública deixaria de ter a obrigação de fazer cursos de Artes e Educação Física; 5) cai a obrigatoriedade do ensino de Espanhol no currículo; 6) deixa de ser obrigatório o ensino de Sociologia e Filosofia. A mudança proposta pelo governo Michel Temer teria por objetivo reduzir a evasão escolar e preparar os jovens para o mercado de trabalho. As mudanças valeriam para escolas públicas e particulares.
Com essa mudança a obrigação atual de estudar 13 disciplinas durante três anos cairia para o prazo de um ano e meio. Depois, disso, os jovens escolhem os conhecimentos específicos de cinco áreas: ciências humanas, ciências da natureza, linguagens, matemática e formação técnica profissional. Essas mudanças propostas pelo governo Temer ganharam força recentemente depois que o Brasil registrou uma estagnação no Índice de Desenvolvimento de Educação Básica (IDEB) desde 2011 e o alarmante número de evasão escolar que atinge 1,7 milhão de jovens entre 15 e 17 anos que nem estudam nem trabalham. Todas as mudanças dependerão ainda dos governos estaduais, que terão a autonomia em definir seus currículos.
Um ponto questionável na proposta de mudanças no ensino médio do Brasil reside no fato de que as escolas não serão obrigadas a oferecer as cinco áreas acima descritas de formação. Na prática, isso vai limitar as possibilidades de escolha dos alunos. As mudanças podem resultar, também, em demissões de professores já que algumas disciplinas como educação física, espanhol, artes, filosofia e sociologia serão opcionais no novo modelo. Um dos pontos mais polêmicos é tirar a obrigatoriedade sobre certas matérias, como, por exemplo, tirar Educação Física, Artes, Filosofia e Sociologia do currículo obrigatório fazendo com que o ensino médio seja mais técnico. É questionável o fato de as mudanças propostas no ensino médio não considerarem a valorização de professores ou emprego de tecnologia (computadores) em salas de aula a exemplo das nações mais desenvolvidas.
A mudança proposta pelo governo de excluir Filosofia e Sociologia é lamentável porque todos nós sabemos que um dos problemas cruciais da juventude brasileira é a deficiência na sua formação de cidadão. Filosofia deve ser utilizada na discussão sobre a ética na política. Sociologia é fundamental para os jovens adquirirem o conhecimento de como se produzem pobreza e riqueza numa sociedade capitalista. Junto com Artes e Educação Física, Filosofia e Sociologia são disciplinas que importam para a vida das pessoas. O aumento da carga horária, entretanto, pode ser visto como uma proposta merecedora de aplausos, mas o governo não deixa claro de onde tiraria recursos para completar essa grade curricular, principalmente num momento em que propõe o teto para gastos no orçamento do setor público.
É lamentável que a mudança proposta pelo governo Temer não tenha sido o resultado de um amplo debate com o Congresso Nacional ou com a sociedade brasileira. O projeto do governo não parte de discussões, não parte de escuta nem da comunidade escolar e nem acadêmica. É um projeto frágil que vai esbarrar em resistências do próprio corpo docente. A justificativa, segundo o ministro da Educação, Mendonça Filho, para as medidas do governo Michel Temer é a de que ele está com pressa para alterar a situação de falência do ensino médio do país pelo fato de o jovem de hoje ter menos conhecimento de matemática e português do que o do fim da década de 1990, termos 1,7 milhão de jovens entre 15 e 25 anos que não estudam e nem trabalham e só 18% dos jovens ingressam no estudo superior.
É questionável, também, pretender solucionar os problemas do ensino médio sem promover mudanças também na educação básica como um todo (educação infantil, ensino fundamental e ensino médio). A reforma deveria ser feita, portanto, nas etapas anteriores do ensino médio que apresentam imensas fragilidades. O Ensino Médio não é o gargalo da educação. É preciso observar que os alunos saem do ensino fundamental muito velhos por causa da repetência de ano, e normalmente com a proficiência, especialmente em leitura e matemática, muito baixa. Ao chegarem no Ensino Médio, os alunos não conseguem ir adiante e desistem.
É questionável, também, o fato de o governo federal não promover a reforma da educação do Brasil como um todo, incluindo o ensino superior, que impede o desenvolvimento do País por apresentar grandes fragilidades. O fato de o governo brasileiro alocar mais dinheiro público nas universidades do que no ensino fundamental e médio é uma distorção que tende a reforçar a desigualdade da renda nacional. Ainda na repartição dos recursos, as verbas destinadas ao ensino médio superam as do ensino fundamental e os efeitos disso aparecem nos números do IBGE. Enquanto que a população na escola com 10 anos ou mais é de 94,6%, ou quase universal, a quantidade de pessoas fora da escola entre 4 e 7 anos é grande (- 31%), ou 4,1 milhões de pessoas.
No Brasil, 38% da população concluem o ensino fundamental, contra 45% do México e 56% da Argentina. Na Coréia do Sul, 83% da população concluem a educação básica. Censo do IBGE mostra que apenas 5,8 milhões de pessoas acima de 25 anos, ou 6,8% têm curso superior no Brasil. Na qualificação superior, há uma hipertrofia em alguns cursos, como o de Direito (11,7% do total), em detrimento de outros que estão na base da tecnologia da informação e da vanguarda da pesquisa tecnológica, como biologia e bioquímica (2%), computação (2,1%) e matemática (2,3%). Estes números mostram que o Brasil precisa dar um salto de qualidade em educação. A proposta do governo Temer de mudanças no ensino médio é insuficiente para solucionar os gigantescos problemas da educação no Brasil.

*Fernando Alcoforado, 76, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de
Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015) e As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016). Possui blog na Internet (http://fernando.alcoforado.zip.net).




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