História
Publicado por Victor Dirami
“A
beleza está em todos os lugares.”
O naufrágio mais famoso
da história está prestes a completar 100 anos. Tanto tempo se passou e a
polêmica e interesse pelo Titanic só faz aumentar ao longo dos anos. É hora de
regressar ao transatlântico e relembrar os fatos, as lendas e os personagens da
tragédia do maior navio do mundo.
10 de abril de 1912, milhares de pessoas se
aglomeram no porto de Southampton, na Inglaterra, para dar adeus aos seus
familiares ou amigos, ou apenas para ver partir o maior objeto móvel já
construído pelo homem - o Titanic. Ninguém poderia imaginar que o maior transatlântico
do mundo nunca mais voltaria daquela viagem inaugural, nem que as vidas
daquelas 2.240 pessoas a bordo estariam marcadas para sempre após aquela
trágica viagem que nunca teria fim. É hora de regressar ao velho Titanic.
Construído por três anos, de 1909 até ser
finalizado em 1912, nos estaleiros da Harland and Wolff, em Belfast, Irlanda, o
Titanic desde o começo foi concebido para ser o maior navio de passageiros até
então construído e rivalizar com os poderosos navios Lusitânia e Mauritânia, da
companhia rival Cunard Line. O Titanic e seus irmãos Olympic e
Gigantic (depois Britannic, último a ser construído), pertenciam a classe Olympic da
companhia White Star Linee estavam destinados a ser os maiores e
mais luxuosos transatlânticos do mundo. O destino foi implacável com quase
todos os três navios, além do naufrágio catastrófico do Titanic, seu irmão
caçula e menor dos três, Britannic, também naufragou torpedeado por um
submarino alemão durante a I Guerra Mundial. Apenas o Olympic não teve destino parecido
ao dos irmãos, quase idêntico ao Titanic, mas um pouco menos gigantesco,
subsistiu a todos os outros e se tornou um grande mito da história dos mares,
tendo sito desativado apenas nos anos 30.
Os números do Titanic impressionam pela
monumentalidade. Seu comprimento era de 269, 10 metros, sua largura de 28 m,
com tonelagem bruta de 46.328 toneladas, e altura de 18 m da linha d'água até o
deque de botes. O Titanic também estava dotado dos equipamentos mais modernos e
poderosos propulsores da época. Havia 29 caldeiras alimentadas por 159 fornos
de carvão a combustão, que tornavam possível a velocidade máxima de 23 nós (43
km/h), incrível para a época. Apenas três das quatro chaminés de 19 m de altura
eram funcionais, a quarta era usada apenas para ventilação e foi adicionada
para dar uma aparência mais impressionante ao navio. Numa época ainda bem
distante da aviação comercial, o transatlântico podia transportar mais de 3.500
pessoas, entre passageiros e tripulação. De alguma forma, parecia totalmente
crível que o divulgassem como inafundável.
Houveram muitos navios maiores e mais
luxuosos depois do Titanic, mas ele ainda permanece no imaginário popular como
um palácio flutuante; mas, de fato, na sua época superou todos com seu luxo,
requinte e opulência soberbas. A seção da primeira classe podia desfrutar de
piscina coberta, academia de ginástica, uma quadra de squash, banhos turcos,
banhos elétricos e o Café Verandah. As salas comuns da primeira classe
resplandeciam toda a suntuosidade do Titanic; a decoração sofisticada em estilo
eclético incluía painéis de madeira adornados, móveis refinados, lustres de
cristal, pisos caros e muitos quadros e pinturas elegantes. As cabines chamavam
atenção pelo conforto e decoração esplendorosa. A famosíssima grande escadaria
da primeira classe reluzia iluminada por uma abóbada de cristal e ferro. A
segunda classe também dispunha de biblioteca, salão de beleza e Fumoir, igual a
primeira classe. O Café Parisien oferecia alta gastronomia num ambiente
extremamente chique aos passageiros da primeira classe, e não haveria
semelhante no Olympic até 1913. Até as instalações da terceira classe gozavam
de uma boa infraestrutura. O Titanic desfrutava dos mais modernos recursos
tecnológicos da época, como elevadores elétricos e rádios Marconi, manejado por
dois operadores que se revezavam em turnos e podiam transmitir constantemente
as mensagens dos passageiros e manter contato com a terra, fato que permitiu a
salvação dos sobreviventes durante o naufrágio do navio. Tudo isso, iluminado
pela eletricidade que abrangia todo o navio e representava o signo do progresso
no novo século. Em suma, era um navio moderno.
Entre os passageiros, principalmente na
primeira classe, estavam figurões da alta sociedade inglesa e norte-americana;
gente muito importante, entre nobres, industriais, artistas ou apenas
socialites. Mas, a maioria esmagadora eram de gente pobre, imigrantes
italianos, franceses ou ingleses, das mais variadas nacionalidades que buscavam
iniciar uma nova vida na promissora América. Infelizmente, a maioria deles não
sobreviveria ao naufrágio.
A viagem que durou apenas quatro dias, se
sucedeu com fausto para os ricos, como deveria ser, e promissora e feliz para
aqueles que carregavam a esperança de um futuro melhor no outro lado do
Atlântico. Após a partida em Southampton, o Titanic fez duas paradas para a
entrada de mais passageiros em Cherbourg, França, e Queenstown (hoje Cobh), na
Irlanda. Durante o dia, desenrolavam-se os encontros sociais da primeira classe
em passeios pelo convés, excursões pelo navio, e almoços nos elegantes
restaurantes. Pela noite, as senhoras estreavam suas vestimentas da última moda
nos chiques jantares oferecidos pelo capitão Smith na primeira classe, e os
senhores gastavam o tempo em reuniões formais no Fumoir. A estratificação das
classes do navio era rigidamente seguida, os ambientes não eram comuns a todas
as classes e havia até partes do convés para cada uma delas. Até o naufrágio do
Titanic, a separação de classes era então aceitável, mas viria a ser um dos
principais fatores para a perda de tantas vidas, principalmente as da terceira
classe, a mais numerosa e menos assistida durante o naufrágio.
Todos conhecem os fatos que levaram ao
naufrágio do Titanic na noite do dia 14 de abril de 1912. A colisão com o
Iceberg às 23:40 da noite, os primeiros sinais de socorro em CQD e logo depois
SOS que entraram para a história, e os botes que começaram a descer às 00:31,
dando início ao pânico e terror que permeou as últimas horas e minutos de vida
do navio e de seus passageiros, o que pode ser chamado de corrida pela
sobrevivência. Às 2:05 foi arriado o último bote salva-vidas: o desmontável D
com 44 pessoas a bordo (para se ter ideia, os bote salva-vidas do Titanic
tinham capacidade para 65 pessoas, embora alguns tenham sido lançados ao mar
com menos da metade da capacidade total de passageiros, como foi o caso do bote
nº 1, baixado com apenas 12 pessoas abordo). Ainda assim, no navio haviam
centenas de pessoas lutando por suas vidas. Às 2:10 foi enviado o último sinal
de rádio pelos telegrafistas. Às 2:18 as luzes do navio piscaram pela última
vez e se apagaram para sempre. Às 2:20 o Titanic mergulha pelas profundezas do
oceano, arrastando consigo centenas de almas, cujos últimos momentos são
tenebrosos demais para sequer imaginarmos.
Agora, milhares de vidas estavam lançadas ao
mar para a morte. O silêncio que antes imperava, dava lugar aos gritos de
pânico e socorro. Em pouco tempo, praticamente todos morreram de hipotermia,
nas águas congelantes do Atlântico Norte. Enquanto isso, os passageiros dentro
dos botes assistiam passivamente aos momentos de terror profundo. Dentre vinte
botes salva-vidas, apenas dois regressaram em busca de possíveis sobreviventes,
o nº 4, e o nº 14; apenas dois. Contudo, naquele momento quase todos já haviam
morrido. Não mais que dez pessoas foram resgatadas com vida da água; dez,
dentre mais de 1.500 pessoas. Como disse a personagem Rose, interpretada pela
atriz Gloria Stuart, em determinado momento do filme Titanic de
James Cameron - "E para aquelas 706 pessoas nos botes salva-vidas,
só restava esperar. Esperar pela morte ou por uma absolvição que jamais
viria."
Às 4:10 da manhã de 15 de abril de 1912, o
navio Carpathia chegou ao local do naufrágio para resgatar os sobreviventes do
Titanic. Ele era o navio mais próximo no momento da colisão com o iceberg, e
apesar de ter vindo em velocidade máxima ao seu encontro, só conseguiu chegar
duas horas após o naufrágio. O Carpathia rumou com os 706 sobreviventes para
Nova York, onde chegou em 17 de abril de 1912. O número de mortos ainda é
questionado, numa quantia que varia entre 1.500 almas.
Apesar das condições catastróficas do
naufrágio do Titanic, a maioria dos fatos e lendas que subsistem até hoje,
comprovam que a maioria dos passageiros manteve a decência e compostura. Seja
entre os passageiros ou a tripulação, há histórias que nos asseguram da bondade
e solidariedade de alguns em prol de muitos. Os dois operadores do telégrafo,
Harold Bride e Jack Philips enviaram sinais de rádio até quando puderam, na
esperança de um resgate rápido, um deles não sobreviveu. Os músicos da
orquestra tocaram fielmente até o momento do naufrágio, todos morreram. O
Capitão Smith e o arquiteto naval do Titanic, Thomas Andrews, mantiveram a
honra e afundaram junto com o navio. Margareth Brown entrou para a história
como A inafundável Molly Brown, ela era uma dama da alta sociedade
norte-americana e passageira da primeira classe, que durante o naufrágio ajudou
muitos outros passageiros a embarcar em botes salva-vidas antes de ser
convencida a embarcar no bote de nº 6; após o naufrágio, quando milhares de
pessoas estavam jogadas à própria sorte no mar gélido, ela também protestou
sozinha, contra a vontade de todos, para que o bote voltasse ao local dos
destroços para tentar salvar mais vidas, tournou-se uma heroína. Outros
ficariam marcados para sempre, como Sir Bruce Ismay; o presidente da White
Star Line sobreviveu ao naufrágio garantindo seu lugar num dos últimos
botes salva-vidas baixados. Visto como frio e egoísta pela sociedade da época,
caiu em ruína.
Na manhã seguinte a do naufrágio, os
primitivos jornais e agências de notícias já davam destaque à catástrofe do
Titanic. Mas, curiosamente, a maioria embarcou numa onda de positivismo que
afirmava que ninguém teria morrido no naufrágio, ou até mesmo que o Titanic
seria rebocado e cumpriria viagem até Nova York. Muitas pessoas, crendo nas
parcas notícias dos meios de comunicação da época, esperaram piamente o Titanic
no porto de Nova York, na data marcada para a sua chegada; gente que esperava
parentes e amigos, mas só encontraram os poucos sobreviventes trazidos pelo
Carpathia. O choque do naufrágio ainda não havia sido despertado.
O Titanic foi um símbolo da Belle
Époque e da modernidade do novíssimo século XX. Numa época em que o
futuro parecia haver finalmente chegado e as invenções tecnológicas ditavam o
ritmo de uma nova era traduzida pelo estilo Art Noveau. A
eletricidade, o telégrafo sem fio, o cinema, a bicicleta, o automóvel e o avião
inspiravam o surgimento de um novo mundo, em que a realidade era outra e o
passado romântico do século XIX havia enfim ficado para trás. O Titanic
inserido neste contexto, representava os avanços da ciência e o poder do homem
que acabara criando o maior objeto móvel até então construído. Essa força,
poder e segurança do homem eram afirmados no Titanic - que se dizia inafundável
- e também acabaram caindo por terra quando o navio naufragou. A partir daí se
perguntaram se essa segurança era tão real, e se esse poder era tão verdadeiro
como parecia ser. Talvez, o Titanic tenha representado uma ruptura ideológica
antes mesmo da que viria com a I Guerra Mundial, que pôs fim aquela sociedade
que por pouco tempo pareceu perfeita.
100 anos depois ele ressurge das profundezas,
aonde está sepultado a 4.000 metros de profundidade. Com o naufrágio prestes a
completar seu centenário, a inauguração de um museu em Belfast, e o
relançamento em 3D do histórico filme de 1997, a lenda dos mares volta a ser
posta em questão. Mesmo após tantos anos, especialistas e pesquisadores
investigam alguns dos mais de 5.000 objetos recuperados do navio, desde sua
redescoberta em 1985. Outros põem em questão o naufrágio, seus destroços e vão
ainda mais a fundo: mapeando cada minuto da tragédia e os destroços do navio
fantasmagórico no fundo do mar. Levando em consideração as condições horrorosas
a que foi submetido em seu naufrágio, alguns ambientes ainda demonstram um
ótimo estado de conservação. Talvez, por pouco tempo, é certo que um dia tudo
desaparecerá, mas a lenda, esta, ficará para sempre gravada na história da
humanidade.
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