Política brasileira
Josias de Souza
Conforme previsto, surgiu na Câmara uma trama para colocar nos
trilhos um projeto sobre caixa dois. O pretexto declarado é criminalizar a
prática. O objetivo inconfessado é anistiar a bandalheira pretérita, concedendo
perdão preventivo para a turma que conspira para “estancar a sangria” da Lava
Jato. O interesse real não é restabelecer a moralidade, mas assegurar que a
imoralidade permaneça impune.
A
proposta de passar uma borracha na depravação entrou e saiu da pauta da sessão
noturna da Câmara, nesta segunda-feira, sem que ninguém pudesse apalpá-la. Além
de invisível, o projeto é órfão. Não há vestígio dos pais da manobra. Eles
parecem ter vergonha de si mesmos. E não lhes faltam motivos.
A
votação foi abortada por conta do alarido produzido por meia dúzia de
insatisfeitos. O barulho deixou claro que o comportamento de alto risco dos
vivaldinos expõe todo o Legislativo à auto desmoralização. Muitos já
suspeitavam que este é um dos piores Parlamentos da história republicana. Mas
não se imaginava que os deputados colocariam fogo às vestes.
Para apagar as digitais, os líderes escondidos
atrás da manobra ressuscitaram um projeto de 2007, de autoria do ex-deputado
Regis de Oliveira. Sugere mudanças à legislação eleitoral. Quase uma década
depois, recebeu um enxerto sobre a criminalização do caixa dois. Decano da
Câmara, o deputado Miro Teixeira (Rede-RJ) disse que a manobra é
antirregimental.
Miro
foi ao microfone para perguntar ao colega Beto Mansur (PRB-SP), que presidia a
sessão, quem havia requerido o desengavetamento do projeto. Indagou também se o
requerimento encontava-se sobre a mesa. Não obteve resposta. Seguiu-se o bafafá
que levaria Mansur a retirar o projeto da pauta.
Irônico,
Miro realçou o que chamou de “coincidência incrível.” O projeto escalou a pauta
de votações num instante em que “o presidente da República (Michel Temer) está
no exterior, o presidente da Casa (Rodrigo Maia) está respondendo pela
Presidência da República, o primeiro vice-presidente da Câmara (Waldir
Maranhão) não está presidindo a sessão. E o deputado Beto Mansur
(primeiro-secretário), que tem casca grossa nas costas, recebeu a incumbência
de ali estar. Não o invejo.”
Encerrada a sessão, o repórter procurou Beto
Mansur, que travou com o blog o seguinte
diálogo:
— O projeto de 2007 foi pautado por requerimento de
quem? Ninguém quer ser
pai dessa criança. Não sei.
— Há um requerimento? Esse projeto foi colocado na pauta. Não
sou eu que faço a pauta.
— Mas para colocar na pauta, alguém tem que pedir,
não? Decisão de
líderes. Foi colocado na pauta. O que aconteceu é que me pediram para tocar a
sessão, porque eu sei como se faz. Só isso.
— O projeto vai voltar em outra sessão? Desconheço o texto. Mas acho que houve
uma reação do plenário a esse projeto. Tive que cancelar [a votação] porque não
tinha acordo para poder continuar votando. Mas não conheço o texto. Quem
conhece são os líderes lá.
— De que partido? É de todo mundo.
De
acordo com Beto Mansur, caberá a Rodrigo Maia decidir quando a proposta
retornará ao plenário. O deputado cuidou de tomar distância da iniciativa. “Em
cima de mim não vão jogar essa proposta. Primeiro porque não preciso de nenhuma
anistia. Segundo porque nem conheço o texto.”
Além
de Miro Teixeira, cerraram fileiras contra a anistia os deputados Alessandro
Molon (Rede-RJ), Joaquim Passarinho (PSD-PA), Espiridião Amin (PP-SC), Ivan
Valente (PSOL-SP), Rogério Rosso (PSD-DF), Laerte Bessa (PR-DF) e Jorge Sola
(PT-BA). Os demais silenciaram. O interesse pela causa é pluripartidário, vai
do PT ao PSDB, passando pelo PMDB, PP, PR e uma fila de etcéteras. Nos
subterrâneos, diz-se que os maiores interessados são PSDB, PT e PP.
Os
deputados parecem mesmo empenhados em testar até onde podem ir no seu
desprezo pela opinião pública. Depois de pegar dinheiro sujo por baixo da mesa,
os idealizadores da anistia decidiram tratar a plateia como idiota. Ainda não
se deram conta de que roleta russa também pode levar ao suicídio.
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