Ciência/Tecnologia
Jim
Al-Khalili
Físico teórico, especial para a BBC
A lâmpada foi responsável pelo nascimento de uma das teorias mais
importantes da ciência
Apesar
das complexidades da vida diária, as regras do nosso universo parecem
reconfortantemente simples: a água de um rio sempre flui montanha abaixo, a
pedra que você joga das margens sempre cai seguindo a mesma curva previsível.
Mas
quando os cientistas se debruçaram para pesquisar sobre os minúsculos blocos
elementares da matéria, toda a certeza se dissipou: eles encontraram o estranho
mundo da mecânica quântica.
Se
olharmos profundamente tudo que nos cerca, encontramos um universo
completamente diferente do nosso.
Parafraseando
um dos fundadores da mecânica quântica, "o que chamamos de real é formado
por coisas que não podemos considerar reais".
Há
cerca de cem anos, vários dos maiores cientistas da história entraram nesse
mundo estranho e descobriram que nesse reino diminuto os objetos podem estar em
dois lugares ao mesmo tempo e que o destino é ditado pelo acaso - trata-se de
uma dimensão na qual a realidade desafia o senso comum.
E
eles então se depararam com uma possibilidade aterrorizante: a de que tudo que
pensávamos e sabíamos sobre o mundo poderia estar completamente errado.
E
a história de nossa caminhada ao delírio científico começou com um objeto muito
improvável.
Berlim, 1890
Na Alemanha do século 19, várias empresas de engenharia compraram
patente da lâmpada elétrica
A
Alemanha era um novo país, recentemente unificado e ansioso pela
industrialização.
Várias
empresas de engenharia foram fundadas e foram gastos milhões na compra da
patente europeia da nova invenção de Thomas Edison: a lâmpada elétrica, a
epítome da tecnologia moderna e um grande símbolo otimista de progresso.
As
companhias de engenharia sabiam que poderiam ganhar fortunas se encarregando de
iluminar as ruas do novo império alemão.
O
que não se conseguiu prever então foi que isso iniciaria uma revolução
científica. Ainda que pareça estranho, esse simples objeto foi responsável pelo
nascimento de uma das teorias mais importantes de toda a ciência: a mecânica
quântica.
Como?
O
foco de luz apresentava um problema estranho. Os engenheiros sabiam que se os
filamentos esquentavam com a eletricidade, eles brilhavam. Mas não sabiam por
quê.
Algo
tão básico como a relação entre a temperatura do filamento e a cor da luz que produzia
era um mistério total, que eles obviamente desejavam resolver.
Com
a ajuda do Estado alemão, os pesquisadores teriam como viabilizar isso. Em
1887, o governo investiu milhões em um novo instituto de pesquisa técnica em
Berlim, o Physikalisch-Technische Reichsanstalt, ou PTR.
Em
1900, contrataram um cientista brilhante, ainda que um pouco purista, para
desenvolver pesquisas no local: Max Planck.
O trabalho de Max Planck em mecânica quântica lhe rendeu o Nobel
de Física em 1918
Ele
se propôs a resolver o problema aparentemente simples da mudança de cor do
filamento com a temperatura.
Para
fazer isso, Planck e sua equipe fizeram um tubo especial que podiam esquentar a
temperaturas muito precisas junto com um dispositivo que media a cor ou a
frequência da luz que produzia.
Na
medida em que a temperatura aumentava, as cores mudavam: a 841°C, a luz era
vermelha alaranjada. A 2000°C, mais brilhante e branca.
Foi
então que comprovaram que, para chegar a essa tonalidade, precisavam de 40
quilowatts.
Mas
algo chamou a atenção: aquela luz era mais que branca, era branca avermelhada,
quase não tinha azul.
Com surgimento das lâmpadas,
cientistas se perguntaram por que a luz emitida não era mais azul, como nas
velas
Por
que era tão difícil chegar ao azul? E mais adiante do azul no espectro, a
chamada luz ultravioleta quase não se produz.
Nem
sequer uma estrela como o Sol, que arde a 5000°C, produz tanta luz ultravioleta
como se pode imaginar diante de sua temperatura.
A catástrofe e o efeito
Essa
extraordinária falta de sentido deixou os cientistas do final do século 19 tão
perplexos que eles a batizaram com um nome um tanto dramático: a catástrofe
ultravioleta.
Planck
então deu o primeiro passo para resolvê-la: encontrou um vínculo matemático
preciso entre a cor e a luz, sua frequência e sua energia, ainda que não tenha
compreendido a relação entre elas. Mas foi outra estranha anomalia que se
tornou o pulo do gato para a descoberta.
No
final do século 19, os cientistas estavam estudando as então recém-descobertas
ondas de rádio e a maneira como faziam as transmissões.
Para
tanto, construíram aparelhos com discos giratórios que podiam gerar alta
voltagem, o que produzia faíscas entre as duas esferas de metal.
"Por que iluminar esferas feitas de
metal faziam com que as faíscas fossem mais rápidas?", se perguntavam os
cientistas
Ao
fazer isso, eles descobriram algo inesperado relacionado à luz.
Se
dirigiam uma luz poderosa para iluminar as esferas, as faíscas saíam com mais
facilidade. Isso indicava que havia uma conexão misteriosa e inexplicável entre
a luz e a eletricidade.
Mais
que isso, a conexão era com a luz azul e ultravioleta, não com a vermelha.
Esse
novo quebra-cabeça foi batizado de efeito fotoelétrico, que, com a catástrofe
ultravioleta, se converteu em um sério problema para os físicos, pois ninguém
podia resolver as questões mesmo com as técnicas mais avançadas da ciência da
época.
Quantum
Por
que a luz vermelha intensa não conseguia produzir o que a frágil ultravioleta
alcançava em segundos?
Para
resolver o problema, alguém teria que pensar o impensável - e em 1905, alguém
fez exatamente isso.
E
esse alguém foi Albert Einstein. O que ele sugeriu foi revolucionário.
Não foi pela Teoria da Relatividade que Einstein recebeu o Nobel,
mas "especialmente por sua descoberta da lei do efeito fotoelétrico”
Ele argumentou que era preciso esquecer que a luz
era uma onda e pensá-la como um fluxo de partículas. O termo que usou para
denominar essas partículas de luz foi "quanto" - do latim quantum, que significa quantidade.
Apesar
de a palavra ser nova, a ideia de que a luz poderia ser um quantum era mais que
excêntrica. E foi justamente seguindo essa linha de raciocínio que Einstein
chegou à sua conclusão lógica que acabou solucionando todos os problemas com a
luz.
Grandes traços
De
acordo com a proposta de Einstein, cada partícula de luz vermelha tem pouca
energia porque sua frequência é baixa - o contrário do que ocorre com a luz
ultravioleta.
Era
por isso que, no efeito fotoelétrico, a ultravioleta era a que tinha forças
para mudar o que ocorria com a eletricidade.
E
era por isso que na catástrofe ultravioleta a lâmpada não brilhava com luz azul
nem ultravioleta, pois isso requeria muito mais energia.
A luz ultravioleta iluminou a revolução na física
"Esse
momento, no começo do século 20, marcou uma revolução genuína, pois demonstrou
que a Física tinha que ser abordada de maneira completamente nova", diz o
historiador da ciência e físico Graham Farmelo.
"Foi
aí que a Física moderna realmente começou."
Um legado difícil de resolver
Foi
assim que uma simples pergunta - "como funcionam as lâmpadas de luz?"
- levou cientistas até as profundidades do funcionamento escondido da matéria,
a explorar os componentes subatômicos do nosso mundo e a descobrir fenômenos
até então inéditos.
Foi
assim que se abriram as portas da física quântica.
Cientistas
chegaram a propor teorias tão estranhas que um deles, o brilhante Neils Bohr,
chegou a dizer que se alguém não se sentia confuso com a mecânica quântica era
porque não a havia entendido.
E
foi assim que ele e seus colegas que criaram a mecânica quântica - uma teoria
maluca da luz que acolhe a contradição, não importando se é quase impossível de
entender.
Uma
ciência que argumentava coisas tão inusitadas como que não é possível saber
onde está um elétron até que se consiga tirar suas medidas - e não apenas que
não se sabe onde o elétron está, mas que ele está em todas as partes ao mesmo
tempo.
Bohr e Einstein discutiram durante anos sobre a mecânica quântica
Mas
Albert Einstein, que abriu as portas deste mundo, pouco depois se sentiu
incomodado com o caminho que ele havia tomado.
Einstein
odiava a ideia de que a natureza, no seu nível mais fundamental, estava
governada pelo acaso. Tampouco gostava da ideia de que o saber tinha um limite.
Estava
convencido de que tinha que haver uma teoria subjacente menor e até chegou a
propô-la.
Durante
anos Einstein e Bohr discutiram apaixonadamente sobre a mecânica quântica
implicar na renúncia da realidade ou não. E morreram deixando essa
interrogação.
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