Literatura
Publicado por Marcelo
Vinicius
Marcelo
Vinicius está sempre aprendendo, mas é um fotógrafo e escritor de olhar
inquieto, apaixonado pelo novo e inconformado com o senso comum. É amante da
arte, seja a fotografia, o cinema ou a literatura. Participou do conceituado
jornal da região, o Jornal Grande Bahia, fez parte do projeto "Sala de
Cinema" e do grupo de pesquisa em Psicologia Social na Universidade
Estadual de Feira de Santana (UEFS), na qual faz graduação em Psicologia, é
integrante do grupo de estudo em Filosofia da Arte de Arthur Danto e do grupo
de estudo em Filosofia Contemporânea na UEFS.
O texto literário
expressa um sentido de procura, um desejo de existir, de manifestar-se ao mundo
e conseguir nele um espaço. Percebe-se com frequência essas características em
autores como João Guimarães Rosa, Joaquim Maria Machado de Assis, José de
Alencar, Clarice Lispector, José Saramago, João Cabral de Melo Neto, Lima
Barreto, Franz Kafka, Fiódor Dostoievski, entre outros expoentes fundamentais
na expressão literária.
Li o livro intitulado
“As Virgens Suicidas” de Jeffrey Eugenides. A obra começa e se estende por uma
trama muitíssimo interessante, ao contar uma história que no período de um ano,
cinco jovens irmãs cometem suicídio. Um grupo de meninos vizinhos, obcecados
pelas mortes, chega à meia-idade com um museu de evidências, que vão de diários
a roupas das garotas. Mas, mesmo depois de vinte anos, estes homens ainda
encontram dificuldades para compreender aquelas almas femininas. Este livro
inspirou o filme homônimo em 1999, o primeiro filme dirigido por Sofia Coppola,
filha do cineasta Francis Ford Coppola.
No entanto, não nos prenderemos na história
em si, que por sinal procura entender a alma humana de uma maneira distinta,
mas sim na trama, no jogo de segredos que o livro oferece, pois contrário de um
filme de mistério esse livro não tem solução evidente, não há uma razão pela
qual as meninas se mataram. Este livro admite que não há razões óbvias para as
mortes das meninas ou pelo menos não são tão óbvias quanto achávamos que fossem,
apesar de algumas explicações psicanalíticas. É isso que faz este trabalho
literário, como outros dessa mesma natureza, ser interessante.
Esses livros demonstram o quanto são
atraentes e muito importantes às obras que não se tem explicações lógicas, pelo
menos não são tão óbvias sobre uma determinada questão. Livros não precisam ser
óbvios. Eles precisam ser coadjuvantes, mas não a ponto de oferecerem uma
solução pronta para o leitor. Livros têm que fazer o leitor pensar e não só
fazê-lo “viajar”, mas viver realmente o fato e por ser um fato vivido é o
próprio leitor que chegará a uma conclusão sobre o que foi experienciado. Cada
caso é um caso.
Um dos papéis da literatura é levar o leitor
para uma vida que ele jamais viveu (ou se viveu, apresentá-la com outro
aspecto) e assim fazê-lo mais conhecedor, pois só vivendo, experienciando, as
coisas é que podemos nos desenvolver.
A pessoa que lê livros desse estilo, além de
melhorar o seu cognitivo, pois ela procura desvendar os mistérios e sua
inteligência e sua sensibilidade estão sendo desenvolvidas na trama, acaba
também tendo várias “vidas” e como são vidas, só quem viveu pode concluir algo
mais concreto sobre o acontecimento. Não há ninguém, nenhum tipo de autor, como
nos livros de auto-ajuda, resolvendo os seus problemas. A literatura não é um
padre, não está lá para ditar sua vida. Até porque a vida é mais complexa que
tais autoajudas.
A boa literatura tem como filosofia a ideia
de que existem algumas coisas que você tem que fazer por si mesmo. Se eu bebo a
sua sede continua, se eu como a sua fome continua. Ninguém pode matar a sua
sede e sua fome se não você mesmo.
Tudo o que você não desenvolveu, não viveu,
será perdido. Você não pode desfrutar, confiar naquilo que não se desenvolveu
em seu ser naturalmente. A verdade não pode ser dada, ela não é transferível. E
é nisso que a literatura dessa natureza procura trabalhar, ao oferecer ao
leitor uma vida intrigante para que possa resolvê-la de acordo com a sua
capacidade, em vez de dar algo pronto.
A literatura de qualidade faz o leitor viver
situações com problemas contidas na manipulação da trama e consequentemente ele
cresce através da procura de soluções e de alternativas, favorecendo a
concentração, a atenção, o engajamento, o conhecimento crítico-reflexivo e a
imaginação. Como decorrência disto o leitor aprende a pensar, estimulando sua
inteligência.
Para que o livro seja significativo para o
leitor é preciso que tenha pontos de contato com a realidade, por isso as obras
de autores como Machado de Assis, Franz Kafka, Clarice Lispector, Fiódor
Dostoievski, Jeffrey Eugenides etc. são ótimas. Já que a vida real não permite
ensaios, você pode "ensaiá-los" nessas obras, tendo mais bagagem para
viver melhor, uma vez que elas têm algo a dizer sobre a vida.
Saindo de Jeffrey, um autor do nosso tempo,
ainda em crescimento, mas mostrando bons frutos, iremos para os clássicos, como
o Kafka e o seu livro “O processo”, o qual Albert Camus, outro grande nome da
literatura, afirmava que “a arte de Kafka consiste em obrigar o leitor a reler.
Seus desenlaces, ou suas faltas de desenlace, sugerem explicações, mas que não
são reveladas com clareza e exigem, para nos parecerem fundadas, que a história
seja relida sob um novo ângulo.” O crítico Erich Heller, por sua vez, é categórico:
“Existe apenas um meio de evitar o trabalho de interpretar 'O processo': não
ler o livro”, pois “a compulsão para interpretar é insuportável e tão grande
como, para a maioria dos leitores, a dificuldade de abandonar a leitura:
trata-se de pressões idênticas”.
Também as obras de Dostoievski, apesar de
tantas interpretações, exigem do leitor praticamente tanta garra e tanta
erudição quanto demonstra ter o próprio autor, ou seja, exige um conhecimento
amplo da história do pensamento filosófico, além de atos de investigação, de
montagem, uma ação, portanto, interativa, mas não de puro entretenimento.
Esses livros podem ser chamados de
“literatura exigente”, no sentido de que são livros que não dão moleza ao
leitor, de certa forma. O termo “literatura exigente” é usado pela Leyla
Perrone-Moisés, uma das mais destacadas críticas literárias do Brasil, para
falar não só de trabalhos como os de Kafka etc., mas, especificamente, para
oferecer destaque a uma corrente da prosa brasileira atual, responsável por
obras de gênero “inclassificável”, misto de ficção, diário ensaio, crônica e
poesia. Entre os autores, estão Nuno Ramos, Evando Nascimento, André Queiroz e
Carlos de Brito e Mello.
Eu busquei esse termo, “literatura exigente”,
com um sentido de uma ideia de literatura que exige do leitor, que são obras
mais do que puro entretenimento, pois a tal leitura amplia horizontes e o leva
a refletir sobre temas que em outras circunstâncias ele nem imaginaria.
Então leia livros dessa natureza e permita-se
viver livremente e desfrutar de todas as experiências necessárias ao
conhecimento. Lembre-se de que todos os ensinamentos são para esclarecê-lo como
tal fato acontece, para falar a respeito do processo, mas ninguém pode fazer
por você. Por isso, as obras literárias fazem o leitor ‘experienciar’ –
experimentar - e isso é importantíssimo, já que é um método de reflexão
crítica, caso contrário, é necessário desconfiar de uma sabedoria que não é
fruto da reflexão e da maturidade obtida pelos próprios esforços.
Livros assim não subestimam o leitor, pelo
contrário, sabe que ele é inteligente e por isso oferecem uma temática astuta
ou difícil de ser resolvida, assim como são certas questões na vida.
O livro de qualidade diferencia-se de outros
livros. Ele lhe conduz a examinar e a superar seus sistemas de crença e
preconceitos resultantes de um condicionamento que limita a nossa capacidade de
aproveitar a vida da melhor forma possível. Você simplesmente não é só um
leitor depois de sua leitura, você é outra pessoa.
Como disse Alexander Soljenitsyne: "uma
literatura que não respire o ar da sociedade que lhe é contemporânea, que não
ouse comunicar à sociedade os seus próprios sofrimentos e as suas próprias
aspirações, que não seja capaz de perceber a tempo os perigos morais e sociais
que lhe dizem respeito, não merece o nome de literatura: quando muito pode
aspirar a ser cosmética."
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