Publicado por Bianca
Vale
“É estudante
de Arquitetura e Urbanismo, Bianca é apaixonada por Design, Van Gogh, histórias
bem contadas e gentileza. A verdade é que gosta de ler qualquer coisa que
esteja escrita em algum lugar, de Paulo Leminski a bula de remédio. Tem mania
de fazer listas. Pensa em um milhão de coisas ao mesmo tempo e resolveu começar
a escrever para dividir tanta inquietude com outras pessoas. Facebook, blog.”
Lugar discreto, sombrio
e regido unicamente pela fé. Essa é a primeira associação feita na maioria das
vezes à arquitetura religiosa. Agora acrescente a isso uma dose de lendas,
arquitetos obcecados e ousados e decoração assustadora e verá realmente como se
forma uma igreja incomum.
© Catedral
de São Basílio, Moscovo (Wikicommons, Joaquim Alves Gaspar).
Os edifícios ligados à função religiosa
variam em sua concepção e forma, de uma maneira geral, segundo alguns valores
comuns, como economia, cultura sociedade e política. Porém, algumas obras vão
além e se destacam das demais, ora pelo esplendor arquitetônico, ora pela
estranheza e singularidade.
A arquitetura das igrejas, além de ser
resultado da gama de fatores já citados, está impregnada de significados
simbólicos que visam uma representação da espiritualidade humana. Mas ao
mergulhar-se nas histórias das construções dos edifícios religiosos é possível
encontrar, além de fé, histórias que envolvem lendas, arquitetos obcecados e
alguma decoração assustadora.
© Catedral
de São Basílio, Moscovo (Wikicommons, Alexander Evstyugov-Babaev).
Exemplo singular é a Catedral de São
Basílio, um dos símbolos da cidade de Moscou. Construída há mais de 450
anos sob as ordens do czar Ivan, o Terrível, a igreja já foi chamada de
“mistura de Disneylândia com Igreja Ortodoxa” por causa de suas cúpulas
coloridas construídas em forma de uma fogueira ascendendo ao céu. Existe uma
lenda que diz que após a construção o czar Ivan ordenou que os olhos do
arquiteto Postnik Yakovlev fossem arrancados para evitar que ele construísse
algo mais majestoso que a catedral. Lendas à parte, a catedral, pertencente à
Igreja Ortodoxa Russa, resistiu a um ataque de Napoleão, que tentou fazê-la
explodir, e a planos comunistas de demolição. O desenho arquitetônico foi
idealizado para que a catedral fosse uma figuração da Nova Jerusalém, o reino
celestial descrito no Livro das Revelações de São João. Em contraste com seu
exterior extravagante, o interior se apresenta bastante modesto. Complexa,
intrigante, exagerada, bela... São apenas alguns dos adjetivos usualmente
associados à obra mas, se não há um consenso sobre o seu aspecto formal, é
inegável que ela é uma forte imagem, talvez um dos maiores símbolos associados
a Moscou.
© A
Sagrada Família, Barcelona (Wikicommons, Montse Poch).
© A Sagrada Família, Barcelona (Wikicommons,
Bernard Gagnon).
Ainda mais monumental que a catedral de
Moscou, em Barcelona, Espanha, encontra-se talvez um dos mais famosos
exemplares da arquitetura religiosa, o Templo Expiatório da Sagrada
Família, considerado a obra prima de Antônio Gaudí. Se a igreja espanhola é
formalmente diferente da catedral russa, talvez sua história seja igualmente
complexa. O projeto foi iniciado em 1882 e assumido por Gaudí, que o reformulou
no ano seguinte e que continuou pelos seus últimos 40 anos se dedicando à
construção. Mas a Guerra Civil Espanhola interrompeu as obras em 1929 e a
previsão é de que a catedral seja concluída até 2026, ano do centenário da
morte de Gaudí. Um dos monumentos mais importantes da Espanha, a catedral
merece classificações que variam de genial a produto da obsessão do arquiteto
catalão.
©
Notre Dame Du Haut, Ronchamp (Wikicommons).
De encontro ao rebuscamento e extravagância
da catedral russa e da catedral catalã, na cidade de Ronchamp, França,
localiza-se um exemplar da arquitetura religiosa projetada por Le Corbusier, um
dos arquitetos mais extraordinários do século XX: a Capela Notre-Dame
du Haut (Nossa Senhora das Alturas). Quando convidado a projetar a
igreja, o arquiteto obteve carta branca para criar. O cônego responsável
indagou-o: “Não sei se estás acostumado a projetar igrejas, mas se vais
construir uma, então as condições oferecidas em Ronchamp são ideais. Não é uma
causa perdida: estarás livre para criar o que quiseres” - e assim Le Corbusier
fez. O arquiteto desenhou a capela de modo que ela se tornasse um marco na
paisagem, mas que mantivesse um diálogo com o espaço circundante. Assim, é possível
visualizá-la de qualquer lado que se chegue. Notre-Dame du Haut possui uma
sinuosa cobertura de concreto e paredes brancas com aberturas estratégicas que
criam efeitos de luz e sombra que estimulam a experiência do visitante. A
arquitetura de Le Corbusier para Ronchamp consegue algo que se aproxima da
experimentação do sagrado. Mas se a igreja francesa não chama atenção pelo
exagero, a sua construção não deixou de ser controversa: chegou a ser chamada
de ‘garagem eclesiástica’ e ‘amontoado de concreto’ por romper com padrões
arquitetônicos (e religiosos) tradicionais.
© Catedral
de Brasília, Brasília (Wikicommons, Agência Brasil).
© Catedral
de Brasília, Brasília (Wikicommons, Eduardo Deboni).
Seguindo ainda a tríade ousadia estrutural -
simplicidade - concreto se encaixam duas igrejas do arquiteto brasileiro Oscar
Niemeyer. A primeira é a Catedral de Brasília, considerada uns dos
ícones do modernismo brasileiro, inaugurada em maio de 1970. Sua cobertura é
recoberta por vitrais projetados por Marianne Peretti, intercalados entre seus
16 pilares de concreto, que proporcionam um efeito de luz que a distancia das
tradicionais catedrais escuras. Além das quatro esculturas em sua praça de
acesso (os quatro evangelistas) e das três em seu interior (três anjos
suspensos), outro elemento que a torna peculiar é a presença de um campanário
anexo, diferente das torres sineiras tradicionais.
© Igreja da Pampulha, Belo
Horizonte (Wikicommons, Bernardo Gouvêa).
© Igreja
da Pampulha, Belo Horizonte (Wikicommons, Sarah and Iain).
A segunda faz parte do Complexo da Pampulha
localizado na cidade de Belo Horizonte - é a Igreja de São Francisco de
Assis, ou simplesmente Igreja da Pampulha. Inaugurada em 1943, a Igreja
representa um ícone da arquitetura que recorre à plasticidade do concreto
armado. Com sua abóboda em forma de parábola, que é ao mesmo tempo estrutura e
fechamento, com painéis de Cândido Portinari, jardins de Burle Marx e Alfredo
Ceschiatti, encanta arquitetos e amantes da arte de todo o mundo. Mas se hoje a
igreja é um dos cartões-postais de Belo Horizonte, no início chocou a sociedade
tradicional da época, o que gerou a proibição durante quatorze anos de
realização de cultos em seu interior.
© Capela
dos Ossos, Évora (Wikicommons, Nuno Sequeira André).
© Capela
dos Ossos, Évora (Wikicommons, Nuno Sequeira André).
Se algumas igrejas chocaram pela aparente
ousadia de romper com padrões arquitetônicos tradicionais e se apresentarem à
frente de seu tempo, outras geram comoção pela estranheza de alguns de seus “elementos”.
Esse é o caso da Capela dos Ossos situada em Évora, Portugal.
A capela, construída no século XVII, possui suas paredes e pilares recobertos
com ossos, iniciativa de três monges para demonstrar a transitoriedade da vida.
A mensagem é reforçada pelas pinturas com temas de morte e com a célebre
inscrição na sua entrada "Nós, ossos que aqui estamos, pelos vossos
esperamos".
A capela de Santa de Cruz, no Arizona, EUA, a
Igreja luterana em Reykjavik, na Islândia, a capela de St Michael de Ainguilhe,
em Puy Velay, França, a catedral católica ucraniana de São José, em Chicago, a
catedral de Nossa Senhora de Las Lajas, na Colômbia, a igreja do Jubileu em
Roma, e as aqui já citadas são apenas alguns exemplos de que a arquitetura
religiosa pode render muitas histórias que vão além da fé.
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