terça-feira, 4 de dezembro de 2012

ENSAIO: CARLOTA JOAQUINA – A RAINHA PERVERSA

                                                                                             LAURO BARRETO FONTES*


                 Carlota Joaquina de Borbom, filha do rei da Espanha, Carlos IV, nasceu em 1775 e morreu em 1830, no Palácio de Queluz, em Portugal. Num arranjo político, habilmente arquitetado por D. Maria I, rainha de Portugal, casou-se aos dez anos de idade, com o príncipe D. João VI. Mas só se conheceram quando ambos atingiram a plena puberdade. Do casamento nasceram: D. José, o herdeiro presuntivo da coroa, os infantes D. Pedro e D. Miguel; D. Maria Tereza, princesa da Beira, e as infantas D. Maria Izabel, D. Maria Francesca, D. Izabel Maria e o caçula D. José. A união de D. João com D. Carlota foi um desastre, ambos não se amavam, odiavam-se, viviam em palácios separados e distantes um do outro. Carlota cobriu de opróbrio Portugal e o Brasil, e o gemebundo e guloso esposo.  D. Carlota marcou profundamente a sua época com os seus desatinos, sua devassidão, suas paixões criminosas e o seu ilimitado desregramento. A estorvar-lhe os passos e as suas ambições desmesuradas havia por perto, num determinado período, a presença vigilante e decidida de D. Maria I. Infortunadamente a Rainha enlouqueceu, atingida por duas desgraças: a morte do marido, que ela amava com ternura, e a do filho primogênito D. José. Esses fatos ocorreram num período extremamente grave, quando a França de Napoleão e a Inglaterra disputavam a aliança com Portugal. Entrementes D. Maria, por autonomásia a Louca, foi considerada incapaz. D. João, como seu sucessor natural, assumiu a regência  e reposicionou-se decididamente ao lado da Inglaterra, sua antiga aliada.
                Enquanto ocorriam os entendimentos diplomáticos, D. Carlota recebia na intimidade de sua alcova o galante e destemido General Junot, emissário de Bonaparte. D. João não se intimida ante as ameaças de Napoleão e fica ao lado da Inglaterra. Napoleão invade Portugal.
                Dias antes, em 29 de novembro de 1807, a Corte Portuguesa fugiu para o Brasil.
                Em março de 1816 morre D. Maria I, aos oitenta anos de idade. Foi sepultada  no Convento da Ajuda. Ao retornar a Portugal, forçado pela revolução de 1820, D. João não quis deixar a mãe em terras brasileiras e levou de volta a Portugal o corpo embalsamado da inditosa rainha.
                A coroação de D. João e D. Carlota, em 1816, foi a solenidade mais bela e mais ruidosa que o Rio de Janeiro assistiu. Entretanto D. Carlota não correspondeu às expectativas e às carinhosas manifestações dos brasileiros.
                A respeito escreveu o historiador Paulo Setubal em Nos Bastidores da História:
                “Ainda não se sentou em trono senhora tão desbragada de vida como a mulher de D. João VI. A reputação que ela deixou, largamente comprovada por depoimentos sérios, é mais do que comprometedora; é tremendamente negra. Como política, ferreteada por ambições desesperadoras, não fez outra coisa senão conspirar. Conspirou várias vezes, tenebrosamente, contra o marido, conspirou, às escancaras, com odienta tenacidade, contra o filho D. Pedro I.”
                Por mais esforços de alguns historiadores em apresentar D. João VI de alta personalidade e de grande tino na administração dos negócios, ele não passava, na realidade, de um joguete nas mãos de Carlota, um “Zé-banana” como lhe chamavam, chistosamente, um glutão que devorava diariamente seus seis franguinhos. Dizem que uma das suas primeiras providências ao chegar ao Rio de Janeiro foi a de mandar fazer um levantamento dos frangos existentes nos galinheiros da cidade e, por portaria, considerá-los propriedade do governo imperial.
                A sedução de D. Carlota não tem outra explicação senão o poder.  Além dos defeitos morais, era feia, horrenda, olhos pequenos, nariz deformado e vermelho, maus dentes, pele áspera, braços ossudos e cabeludos, uma megera. D. João dividiu o seu leito, para satisfação dos seus desejos, com a escrava alforriada de nome Francisca, uma mulata bonita, inteligente, ambiciosa e ardilosa. D. Carlota perseguiu Francisca de todos os modos.
                Carlota Joaquina tinha “instintos eróticos no sangue”, os desejos sexuais incendiavam-lhe a mente pervertida. Longa é a lista de seus amantes. Entre eles destacamos Manoel Francisco Rodrigo Sabatini oficial da guarda de D. Maria I, o fidalgo Marquês de Marialva, o galante general Junot, Embaixador de Napoleão em Lisboa, e, descendo muito mais baixo, João dos Santos, o cocheiro da Quita do Ramalhão. Faustino da Fonseca, no seu livro El Rei D. Miguel – recolheu a seguinte moda popular:
Miguel não é filho,
De El Rei D. João!
É filho de João dos Santos
Da Quinta do Ramalhão.
                A mais grave das aventuras de D Carlota nos é transmitida pelos cronistas da época: - D. Carlota se apaixonou  loucamente por João Fernando Carneiro, um jovem elegante de trinta anos e bem conceituado na  sociedade. Fez-se sua amante e por sua influência ele foi nomeado diretor do recém-criado Banco do Brasil. D. Gertrudes Pedra, ao tomar conhecimento do esposo adúltero enfureceu-se. Ferida no seu amor próprio atacou D. Carlota com baixos impropérios. Carlota soube de tudo, não reagiu, calou-se. Como uma víbora traiçoeira, recolheu-se para desferir sobre a vítima o golpe mortal. Algum tempo depois D. Gertudes, na volta de um passeio pela cidade, na porta de sua residência foi atingida por um tiro certeiro no coração. D. João soube do ocorrido e designou o honrado desembargador Albano Fragoso para proceder uma investigação rigorosa e rápida. O criminoso foi identificado e preso, confessou o crime e denunciou o mandante
                Depois de tudo deslindado, o desembargador procurou D. João.
                - E então? - indagou o rei.
                - Como amigo de V. Majestade eu não sei quem mandou matar, mas sei como magistrado.
                - Ordeno que fale como amigo e como magistrado – declarou D. João.
                - Quem matou D. Gertrudes foi o mulato “Corte-Orelha” a mando de sua majestade Carlota Joaquina.
                D. João sem controlar as lágrimas, disse pesaroso:
                - Convém, meu bom e fiel amigo, pelo bem do Brasil que esse processo desapareça para sempre.
                Tomou a papelada e a destruiu.
d. Carlota sempre foi detratora do Brasil, “terra dos mosquitos e carrapatos” como se referia ao país que a acolheu carinhosamente. Tudo fez para conservar o Brasil como colônia. Seu maior desejo era retornar a Portugal. No dia do seu regresso gritava sem cessar:
                - Vou ficar cega quando chegar a Lisboa! Vivi treze anos no escuro, só vendo negros.
                Ao chegar a Lisboa arremessou no Tejo os sapatos que levava nos pés, e dizia:
                - não quero pisar em terras de branco com os mesmos sapatos que pisei a terra dos negros.
NR/ *Este ensaio faz parte do livro Baú do Turco, o último do autor, Lauro Barreto Fontes, que, juntamente com os seus conterrâneos sergipanos, Junot Silveira e José Calazans, reconhecido nacionalmente como o maior pesquisador da Campanha de Canudos, eram festejados no meio cultural de Salvador, cidade que escolheram para morar.   
          

Nenhum comentário:

Postar um comentário