Quando escrevia em O Cruzeiro, Millôr Fernandes, que à época se alcunhava Vão Gogo, registrou que só o primeiro homem foi original; o resto, plágio. Antes dele, um cínico popular, parafraseando Lavoisier, disse que, na natureza nada se cria, tudo se copia. Parece que ambos tinham razão.
Como não interessa ofender os fãs de Roberto Carlos e de outros sacerdotes da emoção, que às vezes não resistem à tentação de um plágio não se vai falar de música popular, nem de erudita. Vale, contudo lembrar o fato de Otto Maria Carpeaux, conhecedor também desta arte, achar estranho que um gigante da música clássica como Haendel fosse às vezes plagiário Deixo de lado igualmente as piratarias industriais: assunto para um tratado enciclopédico.
Causam assombro no mundo as falsificações de pintura. Artistas talentosos, dominando técnicas só alcançadas em anos de aprendizagem e prática, dedicam-se, com fervor religioso, à fraudulenta arte. Alguns, mais refinados, imitam o estilo, a justaposição das cores, os tons dominantes, e compõem o resto com toques de imaginação. Contam que Matisse, ao visitar milionário americano, colecionador obstinado de suas obras, percorreu os vários salões da mansão do gringo repetindo com assombro: Que monstro! Que monstro! Referia-se ao autor das belas falsificações ali penduradas, cujos originais nunca pintou, nem concebeu, nem antes viu, embora fossem como seus. Van Gogh e Gaugin conviveram, brigaram e se copiaram bastante, cada um no seu estilo, é verdade.
Vê-se, portanto, que não basta talento para ser original. Precisa-se de algo mais: a centelha do gênio ou o estalo que acometeu Vieira. Estes criam, os talentosos copiam, e nós aplaudimos uns e criticamos outros, sem diferençar bem estes daqueles. Samuel Johnson (1709-1784), famoso pela irreverência, ao ler um manuscrito apresentado a ele pelo autor, comentou: É bom e original; mas a parte boa não é original, e a original não é boa.
Érico Veríssimo, que além de reverenciado escritor era homem honesto, admitia ter sofrido influência de Huxley, de quem traduziu diversos livros. Dá para notar que O resto é silêncio, dele, tem pinceladas de O contraponto, de Huxley. Trata-se, no caso, de influência, apenas. Assim é que O coronel de José Cândido de Carvalho tem notável semelhança com o Prefeito de Dias Gomes: influência ou simples coincidência. Ambos tinham voo próprio.
Uma ocasião, Mário Quintana queixou-se a Vianna Moog por este ter inserido num trecho de Um rio imita o Reno citação sua, sem a indispensável referência. “A gente só rouba dos ricos”, respondeu-lhe Moog, sem se alterar.
Dizem que Humberto Eco andou às voltas com o provável autor de O nome da rosa, um armênio ou turco, que lhe moveu ação judicial. Realmente o nosso Eco, respeitabilíssimo em semiótica, que não sei bem o que seja, nunca mais escreveu um policial daquele calibre: com início, meio e fim. Dá pra desconfiar.
No O reino deste mundo, do cubano Alejo Carpentier, topei período lapidar. Nele é descrita a ação de um escravo caribenho que pretendia violentar Mademoiselle Floridor, solteirona já de alguma idade, que ainda “exibia , sob a túnica ornada de lacinhos, um par de seios em nada maltratados pelo irreparável ultraja dos anos”. Anos depois encontrei o “irreparável ultraje dos anos” em criação de Racine, poeta trágico Frances do século XVII.
O ”infinito enquanto dure”, que fecha o Soneto de fidelidade de Vinícius, é de autoria de Henri Joseph de Régnier, poeta francês da belle époque, primeira década do século XX. Devemos admitir, contudo, que a inspiração do nosso poetinha, colocando o “Que não seja imortal, posto que é chama” em cima do “ infinito enquanto dure”, lhe redime a cópia.
Notável é saber que Camões (1524-1580), de quem todos conhecem o belo soneto: “Alma minha gentil, que te partiste/ Tão cedo desta vida, descontente,/ Repousa lá no Céu eternamente/ E viva eu cá na terra sempre triste, inspirou-se no do italiano Francesco Petrarca (1304-1374): “Alma minha gentil que agora parte/ Tão cedo deste mundo a outra vida/ Terá certo no céu grata acolhida/ Indo habitar sua mais beata parte”.
Segundo o escritor Frances Jules Renard (1864-1910): “Para ser original, basta imitar os autores já fora de moda”.
No século XX, Brecht foi buscar em Chaplin, e nunca confessou, a ideia da genial peça O senhor Puntila e seu criado Matti. Copiou bem. Paulo Coelho tenta às vezes copiar a Bíblia. Muito mal.
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