segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

A FALÊNCIA DOS MODELOS DE GESTÃO PÚBLICA NO BRASIL


                                                                                                        Fernando Alcoforado*


  
No decorrer da década de 1990, o tema da reforma do Estado adquiriu centralidade na
agenda pública brasileira. A partir da presidência de Fernando Collor, desencadearam-se as primeiras medidas para reduzir o papel Estado e realizar a ruptura com o seu passado intervencionista, típico do modelo da industrialização substitutiva de importações e do desenvolvimentismo existente no Brasil desde o governo de Getúlio Vargas na década de 1930 até os governos militares de 1964 a 1985.
Esse esforço reformista foi aprofundado no primeiro governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, que se propôs a tarefa de sepultar a Era Vargas e superar os entraves representados pela sobrevivência da antiga ordem.
Com a instalação do governo Fernando Henrique Cardoso, a reforma do Estado e da
Administração Pública no Brasil ganhou destaque na agenda nacional a partir da criação do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE) cuja proposta considerou a necessidade de o Estado limitar sua atuação a funções menos abrangente como executor ou prestador direto de serviços de acordo com a ideologia neoliberal.
Nesta nova perspectiva, o Estado teria por função basicamente a formulação de políticas públicas, regulação e coordenação. As agências reguladoras como a ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), ANAC (Agência Nacional de Aeronáutica Civil) e outras que surgiram no Brasil resultaram deste processo.
A proposta de reforma do Estado do governo Fernando Henrique Cardoso não eliminou os pontos de estrangulamento da administração pública brasileira, bem como os vícios do passado. A principal falha da reforma do Estado e da Administração Pública posta em prática no governo de Fernando Henrique Cardoso residiu no fato de vinculá-la à inserção subordinada do Brasil ao processo de globalização e ao modelo neoliberal e não a uma estratégia de desenvolvimento nacional. Outra deficiência importantíssima na reforma do Estado e da Administração Pública realizada na década de 1990 decorre do fato de não ter proposto estratégias que possibilitassem na prática o aumento da eficiência (capacidade de alcançar os objetivos e as metas programadas com o mínimo de recursos disponíveis e tempo) e da eficácia (capacidade de alcançar o efeito esperado ou desejado através da realização de uma ação) do aparelho do Estado no Brasil com a realização de uma profunda reestruturação organizacional.
A reestruturação organizacional se impõe no Brasil porque o Estado é ineficiente e
ineficaz devido à falta de integração dos governos federal, estadual e municipal na
promoção do desenvolvimento nacional, regional e local. Esta é uma das principais
causas do descalabro administrativo do setor público no Brasil gerador de desperdícios, atrasos na execução de obras e corrupção desenfreada. “Associe-se a esse fato a existência de estruturas organizacionais inadequadas em cada um dos níveis federal, estadual e municipal que inviabilizam o esforço integrativo nessas instâncias de governo. A falta de integração das diversas instâncias do Estado é, portanto, total, fazendo com que a ação do poder público se torne caótica no seu conjunto, gerando, em consequência, deseconomias de toda ordem” (ALCOFORADO, Fernando. De Collor a FHC- O Brasil e a nova (des)ordem mundial, Editora Nobel, São Paulo, 1998).
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As estruturas organizacionais do governo em todos os seus níveis no Brasil estão
ultrapassadas. É inadmissível que estruturas do governo federal, estadual e municipal
possuam órgãos desnecessários e com excesso de pessoal e superponham esforços como ainda ocorre hoje em muitos setores, exaurindo os parcos recursos colocados à sua disposição. Para solucionar esse problema, seria necessário fazer com que os governos federal e estaduais assumissem apenas funções normativas e de planejamento global, regional e setorial em bases integradas, enquanto as prefeituras municipais, órgãos de desenvolvimento regional e empresas estatais fariam a parte executiva também de forma articulada.
Competiria, portanto, às prefeituras municipais, aos organismos de desenvolvimento
regional e às empresas estatais a grande responsabilidade de executar todos os planos de desenvolvimento global, regional, estadual, municipal e setorial elaborados em conjunto pelas diversas instâncias de governo após auscultar os parlamentos nos seus níveis federal, estadual e municipal, bem como a Sociedade Civil. Esse modelo de gestão integrada do setor público no Brasil se contraporia ao que prevalece na atualidade, no qual os governos federal, estadual e municipal são autônomos nas suas deliberações e ações, e politicamente reativos à ideia de integração.
Repensar a reforma do Estado requer também uma ruptura com o paradigma ainda
dominante que privilegia o papel da tecnocracia na gestão governamental em detrimento da manifestação de setores da Sociedade Civil. Não basta maior concentração do poder técnico, como ocorre na atualidade. É preciso levar em conta a dimensão política da reforma do Estado, contemplando a participação de setores da Sociedade Civil através de audiências públicas, plebiscitos e referendos nas tomadas de decisão sobre as questões mais relevantes. A ênfase na política requer, fundamentalmente, o fortalecimento das conexões do Estado com a sociedade e com as instituições representativas, expandindo também os procedimentos de cobrança e de prestação de contas, os meios de controle social externo, a transparência e a publicização dos atos do governo.
Diferentemente da reforma do Estado e da Administração Pública posta em prática no
governo de Fernando Henrique Cardoso que teve como principal objetivo a inserção do Brasil ao processo de globalização com base modelo neoliberal, e que foi mantida pelos governos Lula e Dilma Roussef, urge a realização de uma nova reforma no Brasil que contribua para promover o desenvolvimento do País em novas bases diametralmente oposta ao que prevalece no momento. Conclui-se, portanto, que os modelos atuais de gestão dos municípios, dos estados da federação e do Brasil estão inteiramente ultrapassados porque os governos federal, estaduais e municipais agem de forma isolada e desarticulada entre si. A principal consequência deste modelo de gestão é a falta de coordenação nas ações governamentais em todos os níveis com muitas sobreposições e desperdícios de recursos de toda ordem.
Conclui-se, também, que, no plano nacional, o Brasil deveria ser administrado com
estruturas do governo federal implantadas por região através das quais coordenaria as
ações dos estados da federação no planejamento regional e nas ações a serem
executadas com a participação dos Setores Produtivos e da Sociedade Civil. A mesma
filosofia deveria ser considerada no plano estadual em que cada estado da federação
teria estruturas por região através das quais coordenaria as ações dos municípios no
planejamento de cada região e nas ações a serem executadas. Para realizar uma mudança desta magnitude nos modelos de gestão dos governos federal, estaduais e
municipais, é necessário, entretanto, realizar uma reforma da Constituição em grande
profundidade.
Uma constatação inequívoca é a de que as diversas regiões do estado da Bahia crescem de forma desordenada, sem planejamento e sem coordenação institucional. A falta de integração entre os municípios é indiscutível não existindo entre as cidades que dela fazem parte compartilhamento na gestão municipal. Cada prefeitura atua
desarticuladamente das demais gerando deseconomias de toda ordem. No caso
específico do estado da Bahia, a RMS (Região Metropolitana de Salvador), por
exemplo, seria uma das regiões em que o governo do estado coordenaria as ações dos
seus municípios no seu planejamento e nas ações a serem executadas. A RMS, com
3.866.004 habitantes, é a região metropolitana mais populosa do Nordeste brasileiro e a quinta do Brasil. A RMS compreende os municípios de Camaçari, Candeias, Dias d´Ávila, Itaparica, Lauro de Freitas, Madre de Deus, Mata de São João, Pojuca, Salvador, São Francisco do Conde, São Sebastião do Passé, Simões Filho e Vera Cruz. A Região Metropolitana de Salvador não dispõe de instrumentos comuns de gestão para resolver os problemas que afetam os seus habitantes como, por exemplo, o sistema econômico, o sistema de transporte e a disposição final de resíduos sólidos e líquidos, entre outros. A gestão de Salvador, por exemplo, deveria ser considerada no contexto da gestão da RMS que deveria ser compartilhada por todos os municípios dele integrantes. A gestão da RMS só será eficaz se for constituída uma organização em rede da qual participem todos os municípios dela integrantes e associações representativas dos vários segmentos da comunidade.

*Fernando Alcoforado, 73, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000). Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona, http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. MüllerAktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e CatástrofePlanetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil ecombate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), entre outros.

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