Fernando Alcoforado*
No decorrer da década de 1990, o tema
da reforma do Estado adquiriu centralidade na
agenda pública brasileira. A partir da
presidência de Fernando Collor, desencadearam-se as primeiras medidas para
reduzir o papel Estado e realizar a ruptura com o seu passado intervencionista,
típico do modelo da industrialização substitutiva de importações e do desenvolvimentismo
existente no Brasil desde o governo de Getúlio Vargas na década de 1930 até os
governos militares de 1964 a 1985.
Esse esforço reformista foi aprofundado no
primeiro governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, que se propôs a
tarefa de sepultar a Era Vargas e superar os entraves representados pela sobrevivência
da antiga ordem.
Com a instalação do governo Fernando
Henrique Cardoso, a reforma do Estado e da
Administração Pública no Brasil ganhou
destaque na agenda nacional a partir da criação do Ministério da Administração
Federal e Reforma do Estado (MARE) cuja proposta considerou a necessidade de o
Estado limitar sua atuação a funções menos abrangente como executor ou
prestador direto de serviços de acordo com a ideologia neoliberal.
Nesta nova perspectiva, o Estado teria
por função basicamente a formulação de políticas públicas, regulação e
coordenação. As agências reguladoras como a ANP (Agência Nacional de Petróleo,
Gás Natural e Biocombustíveis), ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica),
ANAC (Agência Nacional de Aeronáutica Civil) e outras que surgiram no Brasil
resultaram deste processo.
A proposta de reforma do Estado do
governo Fernando Henrique Cardoso não eliminou os pontos de estrangulamento da
administração pública brasileira, bem como os vícios do passado. A principal
falha da reforma do Estado e da Administração Pública posta em prática no
governo de Fernando Henrique Cardoso residiu no fato de vinculá-la à inserção
subordinada do Brasil ao processo de globalização e ao modelo neoliberal e não
a uma estratégia de desenvolvimento nacional. Outra deficiência importantíssima
na reforma do Estado e da Administração Pública realizada na década de 1990
decorre do fato de não ter proposto estratégias que possibilitassem na prática
o aumento da eficiência (capacidade de alcançar os objetivos e as metas
programadas com o mínimo de recursos disponíveis e tempo) e da eficácia
(capacidade de alcançar o efeito esperado ou desejado através da realização de
uma ação) do aparelho do Estado no Brasil com a realização de uma profunda
reestruturação organizacional.
A reestruturação organizacional se
impõe no Brasil porque o Estado é ineficiente e
ineficaz devido à falta de integração
dos governos federal, estadual e municipal na
promoção do desenvolvimento nacional,
regional e local. Esta é uma das principais
causas do descalabro administrativo do
setor público no Brasil gerador de desperdícios, atrasos na execução de obras e
corrupção desenfreada. “Associe-se a esse fato a existência de estruturas
organizacionais inadequadas em cada um dos níveis federal, estadual e municipal
que inviabilizam o esforço integrativo nessas instâncias de governo. A falta de
integração das diversas instâncias do Estado é, portanto, total, fazendo com
que a ação do poder público se torne caótica no seu conjunto, gerando, em consequência,
deseconomias de toda ordem” (ALCOFORADO, Fernando. De Collor a FHC- O Brasil
e a nova (des)ordem mundial, Editora Nobel, São Paulo, 1998).
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As estruturas organizacionais do
governo em todos os seus níveis no Brasil estão
ultrapassadas. É inadmissível que
estruturas do governo federal, estadual e municipal
possuam órgãos desnecessários e com
excesso de pessoal e superponham esforços como ainda ocorre hoje em muitos
setores, exaurindo os parcos recursos colocados à sua disposição. Para
solucionar esse problema, seria necessário fazer com que os governos federal e
estaduais assumissem apenas funções normativas e de planejamento global, regional
e setorial em bases integradas, enquanto as prefeituras municipais, órgãos de desenvolvimento
regional e empresas estatais fariam a parte executiva também de forma articulada.
Competiria, portanto, às prefeituras
municipais, aos organismos de desenvolvimento
regional e às empresas estatais a
grande responsabilidade de executar todos os planos de desenvolvimento global,
regional, estadual, municipal e setorial elaborados em conjunto pelas diversas
instâncias de governo após auscultar os parlamentos nos seus níveis federal,
estadual e municipal, bem como a Sociedade Civil. Esse modelo de gestão integrada
do setor público no Brasil se contraporia ao que prevalece na atualidade, no qual
os governos federal, estadual e municipal são autônomos nas suas deliberações e
ações, e politicamente reativos à ideia de integração.
Repensar a reforma do Estado requer
também uma ruptura com o paradigma ainda
dominante que privilegia o papel da
tecnocracia na gestão governamental em detrimento da manifestação de setores da
Sociedade Civil. Não basta maior concentração do poder técnico, como ocorre na
atualidade. É preciso levar em conta a dimensão política da reforma do Estado,
contemplando a participação de setores da Sociedade Civil através de audiências
públicas, plebiscitos e referendos nas tomadas de decisão sobre as questões
mais relevantes. A ênfase na política requer, fundamentalmente, o fortalecimento
das conexões do Estado com a sociedade e com as instituições representativas,
expandindo também os procedimentos de cobrança e de prestação de contas, os
meios de controle social externo, a transparência e a publicização dos atos do governo.
Diferentemente da reforma do Estado e
da Administração Pública posta em prática no
governo de Fernando Henrique Cardoso
que teve como principal objetivo a inserção do Brasil ao processo de
globalização com base modelo neoliberal, e que foi mantida pelos governos Lula
e Dilma Roussef, urge a realização de uma nova reforma no Brasil que contribua
para promover o desenvolvimento do País em novas bases diametralmente oposta ao
que prevalece no momento. Conclui-se, portanto, que os modelos atuais de gestão
dos municípios, dos estados da federação e do Brasil estão inteiramente ultrapassados
porque os governos federal, estaduais e municipais agem de forma isolada e
desarticulada entre si. A principal consequência deste modelo de gestão é a
falta de coordenação nas ações governamentais em todos os níveis com muitas
sobreposições e desperdícios de recursos de toda ordem.
Conclui-se, também, que, no plano nacional,
o Brasil deveria ser administrado com
estruturas do governo federal
implantadas por região através das quais coordenaria as
ações dos estados da federação no
planejamento regional e nas ações a serem
executadas com a participação dos
Setores Produtivos e da Sociedade Civil. A mesma
filosofia deveria ser considerada no
plano estadual em que cada estado da federação
teria estruturas por região através
das quais coordenaria as ações dos municípios no
planejamento de cada região e nas
ações a serem executadas. Para realizar uma mudança desta magnitude nos modelos
de gestão dos governos federal, estaduais e
municipais, é necessário, entretanto,
realizar uma reforma da Constituição em grande
profundidade.
Uma constatação inequívoca é a de que
as diversas regiões do estado da Bahia crescem de forma desordenada, sem
planejamento e sem coordenação institucional. A falta de integração entre os
municípios é indiscutível não existindo entre as cidades que dela fazem parte
compartilhamento na gestão municipal. Cada prefeitura atua
desarticuladamente das demais gerando
deseconomias de toda ordem. No caso
específico do estado da Bahia, a RMS
(Região Metropolitana de Salvador), por
exemplo, seria uma das regiões em que
o governo do estado coordenaria as ações dos
seus municípios no seu planejamento e
nas ações a serem executadas. A RMS, com
3.866.004 habitantes, é a região
metropolitana mais populosa do Nordeste brasileiro e a quinta do Brasil. A RMS
compreende os municípios de Camaçari, Candeias, Dias d´Ávila, Itaparica, Lauro
de Freitas, Madre de Deus, Mata de São João, Pojuca, Salvador, São Francisco do
Conde, São Sebastião do Passé, Simões Filho e Vera Cruz. A Região Metropolitana
de Salvador não dispõe de instrumentos comuns de gestão para resolver os
problemas que afetam os seus habitantes como, por exemplo, o sistema econômico,
o sistema de transporte e a disposição final de resíduos sólidos e líquidos,
entre outros. A gestão de Salvador, por exemplo, deveria ser considerada no
contexto da gestão da RMS que deveria ser compartilhada por todos os municípios
dele integrantes. A gestão da RMS só será eficaz se for constituída uma organização
em rede da qual participem todos os municípios dela integrantes e
associações representativas dos vários segmentos da comunidade.
*Fernando
Alcoforado, 73, engenheiro
e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela
Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de
planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e
planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora
Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem
Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora
Nobel, São Paulo, 2000). Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da
Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,
http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e
Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento
do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA,
Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social
Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. MüllerAktiengesellschaft
& Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e
CatástrofePlanetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia
Sustentável- Para o progresso do Brasil ecombate ao aquecimento global (Viena-
Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e Os Fatores
Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV,
Curitiba, 2012), entre outros.
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