ESTA É UMA HOMENAGEM DESTE BLOG A UM GRANDE JORNALISTA
FRITZ, O AMIGO DE TIMMENDORFERSTRAND
SÉRGIO FLEURY
De médico e louco todos
nós temos um pouco, diz o ditado. Médico ele já era, formado pela
UERJ com opção pela Psiquiatria, profissão que não chegou a exercer e
que abandonou para ser jornalista. Louco
alguns pensavam que era,
pelo jeito vibrante de ver e dizer as coisas. Na verdade, ele era um
grande boa praça, um amigo, uma figuraça que conquistava as pessoas
pela maneira simples, inteligente e direta de se
comunicar com a vida.
Por onde passou usou seu
jeito informal de ver os problemas que, de uma forma incomum, rápida
e precisa, procurava resolvê-los. Era um descomplicador de coisas,
inclusive da própria história iniciada há 68
anos na cidade de
Timmendorferstrand província de Sleswig Holstein, Norte da Alemanha, um
“balneário ipanemense”, como sempre comparou.
Ele nasceu Fritz Carl,
nome herdado do pai alemão que não chegou a conhecer porque morreu em
sua motocicleta com side car na explosão de uma bomba durante a
guerra na Polônia, no dia 11 de setembro de
1944, quatro meses antes
do seu nascimento (10 de janeiro de 1945). Sua mãe Elza, italiana,
já tinha fugido para o Norte da Alemanha, como fizeram todas as
mulheres grávidas naquela época de guerra.
Certamente essa aventura
foi a primeira de suas muitas estórias de vida!
Com dois anos de idade
veio para a América Latina com a mãe, direto para Assunção, Paraguai.
Ao Brasil, chegou com sete anos (1952) indo morar no bairro
paulista de Higienópolis, mais precisamente à Rua São Vicente de Paula,
152. Mas não parou ali: veio para o Rio de Janeiro, foi para Lima
(Peru), La Paz (Bolívia), Santiago (Chile) e Buenos Aires (Argentina),
acompanhando a mãe e o padrasto italiano Otello, que na verdade o
criou e se meteu a montar fábricas e hidroelétricas pelo
continente latinoamericano. Dessas andanças latinas pegou o hábito de
entremear expressões em espanhol – um dos cinco idiomas que dominava
- no meio de suas animadas conversas.
De volta ao Rio, foi morar
na Tijuca, anos 60/70, época em que o bairro ainda era
aprazível. Foi na então bucólica Avenida Paulo de Frontin, repleta de
flamboyants, que passeava com a namorada Liège,
depois sua mulher por mais
de 50 anos, e com a qual teve dois filhos, Ana e Pedro (de quem teve
um casal de netos, Gabriela-Gabi e André).
A troca da Psiquiatria
pelo jornalismo no ano de 1967/68 lhe rendeu um comentário que fez
parte do seu folclore: “se continuasse médico e fosse para uma cidadezinha
do interior, abrisse um consultório,
colocasse o diploma na
parede e na porta o nome Dr. Fritz, ficaria rico e famoso. Iam me confundir
com o médium”. Como jornalista, começou
repórter estagiário do Correio da Manhã época em que viveu uma de
suas ótimas histórias. Um dia entrou no elevador da Revista
Manchete, na Glória, junto com o dono Adolpho Bloch que, pensando falar
com um dos seus jornalistas gritou: - o senhor está demitido por
não usar gravata. Fritz com seu ar debochado retrucou: ora, isso é
impossível, eu não sou seu funcionário! E saiu
gargalhando “a la
Fritz”... Ao naturalizar-se
brasileiro, em 1970, de Fritz Carl, registrado na rebuscada certidão de
nascimento alemã, passou a chamar-se Federico Carlo Utzeri. Mas ele já
era mesmo o Fritz Utzeri, nome com o qual se firmou nas funções de
repórter especial do JORNAL DO BRASIL e
de seu correspondente nas
cidades de Nova Iorque (82/85) e Paris (85/89). De Paris voltou para o JB,
mas foi logo convocado para ser o editor de Ciência e Tecnologia da TV
Globo, onde mesmo depois de sair matou as saudades do
telejornalismo ao participar da edição especial do programa Globo Repórter
sobre o Caso Riocentro, assunto por ele apurado junto ao falecido
repórter Heraldo Dias e que rendeu à equipe
do JB o Prêmio Esso de
Jornalismo. Com o companheiro ainda ajudou a desvendar o caso do desaparecimento e assassinato do deputado Rubens Paiva. No período 1991/95
trabalhou, como Diretor de Comunicação na multinacional de telecomunicações
Alcatel, mas a vida na Ponte-Aérea o deixava longe da
família e dos seus brinquedinhos: as coleções de trens
elétricos, de livros – era um leitor voraz - de antigos LPs e CDs, de carros em
miniatura e os de verdade, como um MG 1966, original, que
conservou por anos na garagem junto a um Karmhan-Ghia e a um Alfa
Romeo ‘Spider”. Trabalhou, também, como
Diretor de Comunicação da Fundação Roberto Marinho e Diretor
de Redação do JB na fase semifinal da
edição impressa. Escreveu
os +livros “Aurora” (ficção) e “Dancing Brasil” (crônicas) e
editou o seu blog “Montbläat”. Nos últimos três anos lutou bravamente
contra um raro linfoma (câncer nos gânglios) que nem um transplante de
medula e remédios experimentais lhe deram a confortável
sobrevida sem dor. Até nesse período muito
difícil sua fome de informação aliada à memória privilegiada fazia
com que esse germano-ítalo-carioca sempre tivesse um “causo”
a contar. Era imbatível em Cultura geral ou na do tipo inútil, do
gênero “você sabia”? Pudera: para quem nasceu
em Timmendorferstrand nada lhe era impossível, inclusive
“desaparecer“ nesta manhã deixando uma profunda saudade em todos
nós. Esse era o nosso amigo Fritz.
O REPORTER RIU POR ÚLTIMO
ELIO GASPARI
Fritz Utzeri morreu no dia
em que a Comissão da Verdade expôs farsa do desaparecimento do
ex-deputado Rubens Paiva. A História, essa trapaceira, fez mais uma.
Foi-se o repórter Fritz Utzeri que, em
outubro de 1978 publicou,
junto com Heraldo Dias, uma reportagem de três páginas no caderno
especial do "Jornal do Brasil" intitulada "Quem matou Rubens
Paiva?". Fritz foi-se no dia em que a Comissão da Verdade endossou a
exposição da farsa do desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva.
Quando Fritz e Heraldo
publicaram a reportagem, o Exército informava que Paiva havia
sido preso no dia 20 de janeiro de 1971 e, dois dias depois, saiu
numa diligência, num Volkswagen, escoltado por um capitão e dois
sargentos. Estavam na avenida Edson
Passos, próxima ao Alto da Boa Vista, e foram interceptados por
dois veículos onde havia seis ou oito "elementos
desconhecidos, possivelmente terroristas, empreendendo fuga para local
ignorado". Rubens Paiva era um homem
alto, corpulento. O coração da
reportagem levava a uma
pergunta lógica: como uma pessoa desse tamanho sai do banco de
trás de um Fusca, onde está sob a vigilância de dois sargentos pára-quedistas,
atravessa um fogo cruzado e vai-se
embora? Uma sindicância do 1º
Exército encaminhada ao Superior Tribunal Militar fora uma farsa. Desde
1989, com a publicação do livro "A Hora do Lobo, a Hora do
Carneiro", do tenente-médico Amilcar Lobo,
do DOI, sabe-se que ele
examinou Rubens Paiva numa cela, nas primeiras horas do dia 21,
diagnosticou-lhe uma hemorragia interna e recomendou sua imediata
internação. Na manhã seguinte, soube
que ele morrera. Fritz Utzeri riu por último porque a exposição do caso
pela Comissão da Verdade deu-lhe uma nova dimensão. Ficando-se
apenas na cena do desaparecimento de Rubens Paiva, de quem foi
a produção da mentira? Do encarregado da sindicância? Dos oficiais
que estavam no DOI naqueles dias? Do capitão e dos sargentos da
escolta? O silêncio dos comandantes
militares em torno dos crimes praticados com pleno conhecimento dos
presidentes da República e dos hierarcas da época tem feito com que
aquilo que foi uma política de Estado deslize exclusivamente
para os ombros de oficiais que eram capitães, majores ou, quando muito,
coronéis. Todos muito elogiados e frequentemente
condecorados com a Medalha do Pacificador. Os documentos oficiais da
farsa do assassinato de Rubens Paiva arrolam seis oficiais e
dois sargentos. Pelo menos dois militares daquele DOI estão vivos,
um dos quais (major à época) na condição de general reformado. Pelo andar da carruagem,
será possível chegar a uma situação na qual os oito militares serão
catapultados à condição de autores de uma farsa destinada a encobrir um
assassinato.
Passados mais de 30 anos,
a política de acobertamento de crimes do Estado joga sobre os
ombros dos subalternos toda a responsabilidade pelo cumprimento de
diretrizes de seus superiores. Enquanto houver um
comandante militar dizendo que "sempre respeitamos os direitos
humanos", esse deslizamento será inevitável. "Sempre", não.
Seguindo-se semelhante doutrina cria-se uma situação na qual primeiro
torturaram-se os presos e, depois, torturam-se os torturadores para
preservar os mandantes.
A FÚRIA DA BONDADE
Anna Maria Ribeiro
Era assim meu amigo Fritz.
Os mais desavisados nele só perceberiam a fúria que se manifestava
contra tudo que não fosse correto, moral e ético. Por que ele era
assim: correto, moral e ético. E ao ver tantos desmandos que por hoje
grassam não se continha e deblaterava desagradando alguns que só
percebiam nisto um exagero. Mas não era exagero, não! Era dor! Dor
do justo ao se defrontar com o incorreto, com o mal feito. Não
posso, nesta saudade tão doída e tão triste falar do extraordinário
jornalista que foi. Outros o farão bem melhor do que eu. Para mim a falta do
homem está pesando mais. Muito mais. Mas posso falar da bondade.
Por que desta eu preciso e precisarei sempre lembrar para ir em frente.
A bondade era imensa. Maior que a fúria. Muito maior. E se
expressava com o carinho de ações e não de falas. Os que conseguiram
ultrapassar a barreira da fúria sabem disso. Viveram isto. Foram
mergulhados por ele neste lago manso de águas calmas e doces, da cor do
afeto. Eu sou uma entre esses privilegiados e agradeço à vida este
presente tão rico em beleza, inteligência e cultura. E agora me sobra
a saudade das muitas conversas quando tanto aprendi. Esta
saudade está aqui e vai ficar. Olho pela janela e vejo que o mundo lá fora
parece não ter mudado. Engano dessa gente que passa. Mudou muito.
Morreu um homem bom.
ALMIR AGUIAR
Presidente do Sindicato
dos Bancários do Município do Rio de Janeiro enviou a seguinte mensagem
à presidenta do Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro, Suzana
Blass: “O Sindicato dos Bancários
do Município do Rio de Janeiro associa-se ao sentimento de perda da
imprensa brasileira e carioca, pela morte do bravo companheiro e
admirável jornalista Fritz Utzeri. A História do Brasil deve
a ele a matéria corajosa e investigativa do antigo Jornal do Brasil,
que derrubou a mentira da ditadura militar sobre o episódio da bomba
do Atentado ao Rio Centro, tramado pelos próprios militares, contra
milhares de jovens ali reunidos para um show de música popular. A partir do seu texto, a
opinião pública tomou conhecimento de mais um dos muitos golpes da
ditadura militar contra a democracia e passou a entender o total
envolvimento dos órgãos de segurança da época com tal episódio. Sentimo-nos igualmente de
luto e nos solidarizamos com os
jornalistas do Rio de
Janeiro, com os quais historicamente temos marchado juntos desde os
anos 1940, a partir da campanha do “Petróleo É Nosso”, pelas
liberdades públicas, contra o golpe militar de 64, contra as torturas
praticadas pela ditadura, pelas Diretas Já, entre outras lutas. Em nome dos 30 mil bancários
que temos a honra de representar, pedimos que aceitem nosso sincero
pesar.
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