quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

MORREU FRITZ UTZERI O FUNDADOR DO BLOG MONTBLAAT



ESTA É UMA HOMENAGEM DESTE BLOG A UM GRANDE JORNALISTA


FRITZ, O AMIGO DE TIMMENDORFERSTRAND

SÉRGIO FLEURY

De médico e louco todos nós temos um pouco, diz o ditado. Médico ele já era, formado pela UERJ com opção pela Psiquiatria, profissão que não chegou a exercer e que abandonou para ser jornalista. Louco
alguns pensavam que era, pelo jeito vibrante de ver e dizer as coisas. Na verdade, ele era um grande boa praça, um amigo, uma figuraça que conquistava as pessoas pela maneira simples, inteligente e direta de se
comunicar com a vida.

Por onde passou usou seu jeito informal de ver os problemas que, de uma forma incomum, rápida e precisa, procurava resolvê-los. Era um descomplicador de coisas, inclusive da própria história iniciada há 68
anos na cidade de Timmendorferstrand província de Sleswig Holstein, Norte da Alemanha, um “balneário ipanemense”, como sempre comparou.
Ele nasceu Fritz Carl, nome herdado do pai alemão que não chegou a conhecer porque morreu em sua motocicleta com side car na explosão de uma bomba durante a guerra na Polônia, no dia 11 de setembro de
1944, quatro meses antes do seu nascimento (10 de janeiro de 1945). Sua mãe Elza, italiana, já tinha fugido para o Norte da Alemanha, como fizeram todas as mulheres grávidas naquela época de guerra.
Certamente essa aventura foi a primeira de suas muitas estórias de vida!
Com dois anos de idade veio para a América Latina com a mãe, direto para Assunção, Paraguai. Ao Brasil, chegou com sete anos (1952) indo morar no bairro paulista de Higienópolis, mais precisamente à Rua São Vicente de Paula, 152. Mas não parou ali: veio para o Rio de Janeiro, foi para Lima (Peru), La Paz (Bolívia), Santiago (Chile) e Buenos Aires (Argentina), acompanhando a mãe e o padrasto italiano Otello, que na verdade o criou e se meteu a montar fábricas e hidroelétricas pelo continente latinoamericano. Dessas andanças latinas pegou o hábito de entremear expressões em espanhol – um dos cinco idiomas que dominava - no meio de suas animadas conversas.
De volta ao Rio, foi morar na Tijuca, anos 60/70, época em que o bairro ainda era aprazível. Foi na então bucólica Avenida Paulo de Frontin, repleta de flamboyants, que passeava com a namorada Liège,
depois sua mulher por mais de 50 anos, e com a qual teve dois filhos, Ana e Pedro (de quem teve um casal de netos, Gabriela-Gabi e André).
A troca da Psiquiatria pelo jornalismo no ano de 1967/68 lhe rendeu um comentário que fez parte do seu folclore: “se continuasse médico e fosse para uma cidadezinha do interior, abrisse um consultório,
colocasse o diploma na parede e na porta o nome Dr. Fritz, ficaria rico e famoso. Iam me confundir com o médium”. Como jornalista, começou repórter estagiário do Correio da Manhã época em que viveu uma de suas ótimas histórias. Um dia entrou no elevador da Revista Manchete, na Glória, junto com o dono Adolpho Bloch que, pensando falar com um dos seus jornalistas gritou: - o senhor está demitido por não usar gravata. Fritz com seu ar debochado retrucou: ora, isso é impossível, eu não sou seu funcionário! E saiu
gargalhando “a la Fritz”... Ao naturalizar-se brasileiro, em 1970, de Fritz Carl, registrado na rebuscada certidão de nascimento alemã, passou a chamar-se Federico Carlo Utzeri. Mas ele já era mesmo o Fritz Utzeri, nome com o qual se firmou nas funções de repórter especial do JORNAL DO BRASIL e
de seu correspondente nas cidades de Nova Iorque (82/85) e Paris (85/89). De Paris voltou para o JB, mas foi logo convocado para ser o editor de Ciência e Tecnologia da TV Globo, onde mesmo depois de sair matou as saudades do telejornalismo ao participar da edição especial do programa Globo Repórter sobre o Caso Riocentro, assunto por ele apurado junto ao falecido repórter Heraldo Dias e que rendeu à equipe
do JB o Prêmio Esso de Jornalismo. Com o companheiro ainda ajudou a desvendar o caso do desaparecimento e assassinato do deputado Rubens Paiva. No período 1991/95 trabalhou, como Diretor de Comunicação na multinacional de telecomunicações Alcatel, mas a vida na Ponte-Aérea o deixava longe da família e dos seus brinquedinhos: as coleções de trens elétricos, de livros – era um leitor voraz - de antigos LPs e CDs, de carros em miniatura e os de verdade, como um MG 1966, original, que conservou por anos na garagem junto a um Karmhan-Ghia e a um Alfa Romeo ‘Spider”. Trabalhou, também, como Diretor de Comunicação da Fundação Roberto Marinho e Diretor de Redação do JB na fase semifinal da
edição impressa. Escreveu os +livros “Aurora” (ficção) e “Dancing Brasil” (crônicas) e editou o seu blog “Montbläat”. Nos últimos três anos lutou bravamente contra um raro linfoma (câncer nos gânglios) que nem um transplante de medula e remédios experimentais lhe deram a confortável sobrevida sem dor. Até nesse período muito difícil sua fome de informação aliada à memória privilegiada fazia com que esse germano-ítalo-carioca sempre tivesse um “causo” a contar. Era imbatível em Cultura geral ou na do tipo inútil, do gênero “você sabia”? Pudera: para quem nasceu em Timmendorferstrand nada lhe era impossível, inclusive “desaparecer“ nesta manhã deixando uma profunda saudade em todos nós. Esse era o nosso amigo Fritz.

O REPORTER RIU POR ÚLTIMO

ELIO GASPARI

Fritz Utzeri morreu no dia em que a Comissão da Verdade expôs farsa do desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva. A História, essa trapaceira, fez mais uma. Foi-se o repórter Fritz Utzeri que, em
outubro de 1978 publicou, junto com Heraldo Dias, uma reportagem de três páginas no caderno especial do "Jornal do Brasil" intitulada "Quem matou Rubens Paiva?". Fritz foi-se no dia em que a Comissão da Verdade endossou a exposição da farsa do desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva.
Quando Fritz e Heraldo publicaram a reportagem, o Exército informava que Paiva havia sido preso no dia 20 de janeiro de 1971 e, dois dias depois, saiu numa diligência, num Volkswagen, escoltado por um capitão e dois sargentos. Estavam na avenida Edson Passos, próxima ao Alto da Boa Vista, e foram interceptados por dois veículos onde havia seis ou oito "elementos desconhecidos, possivelmente terroristas, empreendendo fuga para local ignorado". Rubens Paiva era um homem alto, corpulento. O coração da
reportagem levava a uma pergunta lógica: como uma pessoa desse tamanho sai do banco de trás de um Fusca, onde está sob a vigilância de dois sargentos pára-quedistas, atravessa um fogo cruzado e vai-se
embora? Uma sindicância do 1º Exército encaminhada ao Superior Tribunal Militar fora uma farsa. Desde 1989, com a publicação do livro "A Hora do Lobo, a Hora do Carneiro", do tenente-médico Amilcar Lobo,
do DOI, sabe-se que ele examinou Rubens Paiva numa cela, nas primeiras horas do dia 21, diagnosticou-lhe uma hemorragia interna e recomendou sua imediata internação. Na manhã seguinte, soube que ele morrera. Fritz Utzeri riu por último porque a exposição do caso pela Comissão da Verdade deu-lhe uma nova dimensão. Ficando-se apenas na cena do desaparecimento de Rubens Paiva, de quem foi a produção da mentira? Do encarregado da sindicância? Dos oficiais que estavam no DOI naqueles dias? Do capitão e dos sargentos da escolta? O silêncio dos comandantes militares em torno dos crimes praticados com pleno conhecimento dos presidentes da República e dos hierarcas da época tem feito com que aquilo que foi uma política de Estado deslize exclusivamente para os ombros de oficiais que eram capitães, majores ou, quando muito, coronéis. Todos muito elogiados e frequentemente condecorados com a Medalha do Pacificador. Os documentos oficiais da farsa do assassinato de Rubens Paiva arrolam seis oficiais e dois sargentos. Pelo menos dois militares daquele DOI estão vivos, um dos quais (major à época) na condição de general reformado. Pelo andar da carruagem, será possível chegar a uma situação na qual os oito militares serão catapultados à condição de autores de uma farsa destinada a encobrir um assassinato.
Passados mais de 30 anos, a política de acobertamento de crimes do Estado joga sobre os ombros dos subalternos toda a responsabilidade pelo cumprimento de diretrizes de seus superiores. Enquanto houver um comandante militar dizendo que "sempre respeitamos os direitos humanos", esse deslizamento será inevitável. "Sempre", não. Seguindo-se semelhante doutrina cria-se uma situação na qual primeiro torturaram-se os presos e, depois, torturam-se os torturadores para preservar os mandantes.

A FÚRIA DA BONDADE

Anna Maria Ribeiro

Era assim meu amigo Fritz. Os mais desavisados nele só perceberiam a fúria que se manifestava contra tudo que não fosse correto, moral e ético. Por que ele era assim: correto, moral e ético. E ao ver tantos desmandos que por hoje grassam não se continha e deblaterava desagradando alguns que só percebiam nisto um exagero. Mas não era exagero, não! Era dor! Dor do justo ao se defrontar com o incorreto, com o mal feito. Não posso, nesta saudade tão doída e tão triste falar do extraordinário jornalista que foi. Outros o farão bem melhor do que eu. Para mim a falta do homem está pesando mais. Muito mais. Mas posso falar da bondade. Por que desta eu preciso e precisarei sempre lembrar para ir em frente. A bondade era imensa. Maior que a fúria. Muito maior. E se expressava com o carinho de ações e não de falas. Os que conseguiram ultrapassar a barreira da fúria sabem disso. Viveram isto. Foram mergulhados por ele neste lago manso de águas calmas e doces, da cor do afeto. Eu sou uma entre esses privilegiados e agradeço à vida este presente tão rico em beleza, inteligência e cultura. E agora me sobra a saudade das muitas conversas quando tanto aprendi. Esta saudade está aqui e vai ficar. Olho pela janela e vejo que o mundo lá fora parece não ter mudado. Engano dessa gente que passa. Mudou muito. Morreu um homem bom.

ALMIR AGUIAR

Presidente do Sindicato dos Bancários do Município do Rio de Janeiro enviou a seguinte mensagem à presidenta do Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro, Suzana Blass: “O Sindicato dos Bancários do Município do Rio de Janeiro associa-se ao sentimento de perda da imprensa brasileira e carioca, pela morte do bravo companheiro e admirável jornalista Fritz Utzeri. A História do Brasil deve a ele a matéria corajosa e investigativa do antigo Jornal do Brasil, que derrubou a mentira da ditadura militar sobre o episódio da bomba do Atentado ao Rio Centro, tramado pelos próprios militares, contra milhares de jovens ali reunidos para um show de música popular. A partir do seu texto, a opinião pública tomou conhecimento de mais um dos muitos golpes da ditadura militar contra a democracia e passou a entender o total envolvimento dos órgãos de segurança da época com tal episódio. Sentimo-nos igualmente de luto e nos solidarizamos com os
jornalistas do Rio de Janeiro, com os quais historicamente temos marchado juntos desde os anos 1940, a partir da campanha do “Petróleo É Nosso”, pelas liberdades públicas, contra o golpe militar de 64, contra as torturas praticadas pela ditadura, pelas Diretas Já, entre outras lutas. Em nome dos 30 mil bancários que temos a honra de representar, pedimos que aceitem nosso sincero pesar.

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