NÃO HÁ POVOS
felizes, e poucas são as pessoas no mundo que se sentem em paz.
Viver não é apenas perigoso: é uma aventura difícil. Sempre foi assim,
mas como o passado pesa, e nos conduz, a cada época os homens se sentem
mais impotentes diante das circunstâncias, que escapam de sua vontade e
poder. Os Estados Unidos são o país mais poderoso, mais rico, mais
adiantado do ponto de vista científico e cultural do mundo. Talvez em
razão disso, a angústia de viver ali seja mais acentuada. Em editorial
de algum tempo atrás, Le Monde atribui à liberdade de portar
armas de fogo os repetidos atentados – políticos em sua maior parte –
nos Estados Unidos. É verdade que essa liberdade favorece os crimes,
desde a morte de Lincoln até a dos Kennedy e os assassinatos em massa
de nossos dias. Esta é uma das causas, mas há outras.
Um historiador de um futuro distante, se o mundo chegar a esse
futuro, verá os Estados Unidos como um caso singular no conjunto das
civilizações. Logo depois da independência, decidiram que, para
garantir a liberdade individual e proteger o povo contra a eventual
tirania do governo, todos poderiam portar armas. O direito é previsto
na segunda emenda do Bill of Rights, aprovado em 15 de dezembro de
1791. É importante notar que James Madison, o redator das dez emendas
históricas, colocou-a logo depois da primeira, que assegura a liberdade
religiosa e a liberdade de expressão. Sendo necessária a um estado livre
uma bem regulamentada milícia, o direito de o povo portar armas não
deverá ser infringido.
O problema não está nas armas, em si mesmas. A arma é um
instrumento, que tanto pode servir para o ataque como para a defesa. Em
princípio só deveriam andar armadas as pessoas que tivessem pleno
domínio de sua mente e de suas emoções. A proibição do uso de armas,
nos Estados Unidos, não resolverá o problema dos atentados políticos.
Os que decidirem matar, como decidiu um rapaz de Tucson, sempre
encontrarão armas para usar. A arma é uma mercadoria, como outra
qualquer, e o mercado, na sociedade norte-americana, como na do mundo
em geral, prevalece sobre o Estado, a sociedade, e suas razões. Os
arsenais encontrados nos morros cariocas comprovam essa verdade. Mais
ainda: grande parte dessas armas só chegou aos morros por intermédio da
polícia. Qualquer repórter encarregado de cobertura policial sabe como
é fácil conseguir uma arma – em alguns casos, de graça.
Como lembrou Paul Krugman, em artigo no New York Times,
há uma retórica de direita na imprensa e nas emissoras de rádio, tevê e
outros meios de comunicação, nos Estados Unidos, contra o governo de
Barack Obama e os democratas. A pregação do ódio é diária, e alimenta
psicopatas como o assassino de Tucson. Não foi a sua pistola Glock que
disparou contra a parlamentar democrata e matou seis pessoas, mas a
instigação continuada da extrema-direita, em seu ódio contra as tímidas
reformas pretendidas pelo governo de Obama.
Para nós, brasileiros, é uma séria advertência. Também aqui
estamos percebendo uma orquestração da extrema-direita contra o governo
que se inicia. Há um limite para a tolerância democrática. Como lembrou
Marcuse, em seu ensaio sobre o tema, quando Hitler iniciou sua pregação
na Alemanha, estava bem claro o que ele e seus sequazes pretendiam. A
República de Weimar não soube contê-los a tempo, e dezenas de milhões
de vítimas pagaram por esse descuido.
Os sinais da rearticulação da direita, no Brasil, mediante a
imprensa, o rádio e a televisão, e da extrema-direita, pela internet,
são evidentes. Os jornais, as emissoras de rádio e de televisão que
lhes dão acolhida, ao que parece, não se lembram do que ocorreu durante
o regime militar. Ou disso não querem lembrar-se.
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