Teixeira Gomes convoca à rebelião por
Salvador
ARTIGO / ABANDONO
Mutirão da solidariedade
Mutirão da solidariedade
João Carlos
Teixeira Gomes
Não foram poucos os leitores que
apoiaram minhas críticas sobre o atual estado de Salvador, em meu último
artigo. Houve também quem alegasse que eu não estou morando na minha cidade e,
portanto, estaria sem autoridade para analisá-la. Discordo. É precisamente por
estar fora que mais pude sentir o péssimo momento de Salvador, pois a
convivência diária pode anestesiar nossa capacidade de análise. Há o
amortecimento inevitável do senso crítico.
Passei a morar no Rio em busca das
opções culturais que a Bahia deixou de oferecer. Acho que existem coisas bem
mais consequentes do que a música axé e o Carnaval, embora me considere também
um entusiasta da cultura popular, desde que na medida certa. Recentemente, o
escritor João Ubaldo Ribeiro foi criticado (até com descortesia) por ter-se
manifestado contra a anunciada construção da ponte Salvador-Itaparica. Era um
direito que ele tinha. Não é preciso que baianos morem na Bahia para preservar
o amor pela sua terra, que às vezes o distanciamento até aumenta. De longe é
possível avaliar melhor como a Bahia vem desconsiderando o precioso legado das
suas tradições. E vejam como sua história é recheada de grandeza.
Na situação em que se encontra
atualmente (criticada até por revistas nacionais), Salvador despreza o passado,
empobrece o presente e compromete o futuro. Não ouvi uma única pessoa que não
lamentasse o estado caótico do trânsito, cujas ruas são as mesmas de décadas,
para o espantoso aumento dos carros (relacionei no artigo passado alguns dos
pontos de engarrafamento, que hoje se espalham); a desordem das construções,
com enormes edifícios invadindo todas as áreas e fazendo da cidade uma Babel
imobiliária agressiva, sem ordenamento; a decomposição, às vezes prematura, de
áreas nobres como a Avenida Tancredo Neves, a Pituba, a orla marítima e o Horto
Florestal, entre tantas outras; o aviltamento dos prédios históricos, sobretudo
os que se localizam na Conceição da Praia e no entorno do Elevador Lacerda,
estendendo-se por várias ruas da Cidade Baixa, com grotescas armações de ferro
sustentando edifícios arruinados. É um espetáculo que constrange o coração dos
que amam o nosso passado histórico e causa um sentimento de desolação e de
perda ao próprio homem comum, que dirá ao turista enganado pela propaganda.
Não cometeria a leviandade de dizer
que todo esse panorama é culpa exclusiva do atual prefeito e dos vereadores,
mas não vacilaria em afirmar que é muito grande a sua quota de
responsabilidades pelo descalabro do momento atual. Há administrações
sucessivas que Salvador não é pensada, refletida, nem se buscam soluções
planejadas para o agravamento dos seus crescentes problemas urbanos. A
prefeitura hoje não age nem pensa. Enverniza. Cidade difícil, construída em
local inóspito e pouco recomendável pela sua topografia (fato que também
responde pelo seu encanto), foi erguida pelos portugueses como defesa, com suas
ruas estreitas, morros, becos, vielas e ladeiras, para o ataque dos índios e
dos europeus, que disputavam com Lisboa o saque do Novo Mundo.
Hoje verificamos que até zonas
modernas, como a Avenida Paralela, foram construídas sem planejamento adequado,
pois é inadmissível que, com tanto espaço circundante, já se constitua num foco
de graves problemas de trânsito, para aflição prematura dos que lá residem,
perdendo qualidade de vida. Eis um fenômeno que tende a agravar-se, diante da
ocupação intensiva de todos os seus espaços, por gigantescas concentrações
imobiliárias. É estranho que nunca se houvesse cogitado no metrô de superfície,
numa cidade tão favorecida pelos canteiros centrais das avenidas de vale.
Enfim, lembro de instituições como o
Iphan, o Clube de Engenharia, o Instituto dos Arquitetos, o Instituto
Geográfico e Histórico, as universidades, os brilhantes estudiosos da história
baiana, para que se unam e atuem sobre prefeitura e Câmara de Vereadores,
exigindo o planejamento que tem faltado e fornecendo dados que evitem o colapso
definitivo. Creio firmemente que Salvador só poderá recuperar-se através desse
mutirão da solidariedade.Que se unam e atuem sobre prefeitura e Câmara,
exigindo o planejamento que tem faltado e fornecendo dados que evitem o colapso
definitivo
João Carlos Teixeira Gomes, jornalista, escritor, poeta , mora atualmente no Rio de Janeiro. O texto do “pena de aço da Bahia” foi publicado originalmente no jornal A Tarde.

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