Lourenço
Mueller é arquiteto e urbanista
Um influente filósofo da pós-modernidade ao falar de felicidade
como uma “idéia nova”, diz que ela tornou-se algo suspeito, na medida em que
ficou restrita a um limitado espaço, rançosa em sua privacidade. Por outro
lado, ele admite uma outra concepção da felicidade,
aquela que a considera uma força social, o que significa que a felicidade
individual só adquire dignidade quando alcançada no quadro da felicidade
coletiva. Admite ainda que tal
perspectiva enfatiza o aspecto orgânico das coisas, isto é, o fato de que o
intimo, o vivido, adquirem mais importância do que aquilo que é reputado nobre
ou sério (por exemplo, a economia e a política) na constituição da vida social.
De fato, retomando a célebre expressão de Stendhal, ‘a caça à felicidade’
também pode ser vivida no cotidiano e portanto, como tudo que leva essa marca,
ter uma dimensão essencialmente coletiva ( Michel Maffesoli . A contemplação do mundo. Porto Alegre: Artes e Oficio, 1995).
A rua Humberto de Campos, na Graça, goza de condição privilegiada
nesta cidade. Plana, é uma espécie de cornija sobre o vale do Canela a partir do qual é facilmente
acessível e uma alça para a Av.
Euclides da Cunha: pode se prestar a
um projeto público - privado, capaz de servir de modelo de qualificação para
outras ruas e praças. Entre as suas
trinta edificações, o Centro Médico da Graça é a mais importante referência,
como obra arquitetônica: projeto do
arquiteto Assis Reis na década de 60, recém falecido e ainda não merecidamente
homenageado pelos seus pares como um dos melhores arquitetos brasileiros. A rua também abriga a sede de uma das
maiores construtoras do país.
Recentemente promoveu-se uma reunião de síndicos e proprietários
no primeiro prédio da rua - o Graça Apart, primeiro flat da cidade, construído pela Lebram em 1983 - visando elaborar um projeto de gestão
coletiva para esse logradouro, consoante o associativismo previsto e amparado
pela Constituição Federal logo no capitulo I, art.5, incisos 17 a 21, que
reiteram a liberdade de associação para fins lícitos, sua criação que independe
de autorização, sendo vedada a interferência do Estado em seu funcionamento e
afirma sua legitimidade para representar seus filiados. Essa reunião pode se
desdobrar numa ONG de urbanismo social, numa forma de animação (de anima, alma) dos moradores, já cansados
de não contar com as instituições públicas. Seria útil que os `observatórios` (
da Copa, das Cidades, das Metrópoles, da Violência, da vaca que vai pro brejo...) atentassem para a iniciativa.
Os logradouros são os espaços onde se pode promover o negócio e o
ócio das pessoas, sua mobilidade e fruição, fato que depende de um poder
publico quase omisso ou pode ser assumido parcialmente pelos cidadãos. A
experiência de ruas serem requalificadas é cheia de exemplos no mundo e se aqui
a Prefeitura não se mostra sensível, a possibilidade de aumentar o conforto e a
segurança dos usuários e os lucros para as atividades terciarias pode ser uma
forma de persuasão convincente ao associativismo.
Por que uma associação de rua e não de
bairro? Porque os condomínios
independentes, mais do que qualquer outra unidade espacial maior, são
células ligadas ao espaço físico do logradouro e às suas especificidades, não
só do ponto de vista da segurança, do desenho urbano, da infraestrutura, das
redes, mas também são as mais próximas em conteúdo ao discurso de Maffesoli
que abre um grande leque de interesses para o urbanismo e segundo o qual
o reencantamento do mundo, essa subjetividade de massa, interfere na
sociedade e se alastra por ela, contamina
todos o domínios da vida social, determina uma nova forma de hedonismo, de
emoção e de partilhamento da paixão.
Um novo comunitarismo, centrado no estar - junto, na solidariedade, na
generosidade, no surgimento das ONGs e nas outras formas de expressão social de
ajuda mútua, aparece como forma de reencantar a rua, reter sua historia oral, organizar o presente.

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