quinta-feira, 9 de maio de 2013

O ENCANTAMENTO DA RUA



Lourenço Mueller é arquiteto e urbanista


Um influente filósofo da pós-modernidade ao falar de felicidade como uma “idéia nova”, diz que ela tornou-se algo suspeito, na medida em que ficou restrita a um limitado espaço, rançosa em sua privacidade. Por outro lado, ele admite uma outra concepção da felicidade, aquela que a considera uma força social, o que significa que a felicidade individual só adquire dignidade quando alcançada no quadro da felicidade coletiva. Admite ainda que tal perspectiva enfatiza o aspecto orgânico das coisas, isto é, o fato de que o intimo, o vivido, adquirem mais importância do que aquilo que é reputado nobre ou sério (por exemplo, a economia e a política) na constituição da vida social. De fato, retomando a célebre expressão de Stendhal, ‘a caça à felicidade’ também pode ser vivida no cotidiano e portanto, como tudo que leva essa marca, ter uma dimensão essencialmente coletiva ( Michel Maffesoli . A contemplação do mundo. Porto Alegre: Artes e Oficio, 1995).

A rua Humberto de Campos, na Graça, goza de condição privilegiada nesta cidade.  Plana, é uma espécie de cornija sobre o vale do Canela a partir do qual é facilmente acessível e uma alça para a Av. Euclides da Cunha: pode se prestar a um projeto público - privado, capaz de servir de modelo de qualificação para outras ruas e praças. Entre as suas trinta edificações, o Centro Médico da Graça é a mais importante referência, como obra arquitetônica: projeto do arquiteto Assis Reis na década de 60, recém falecido e ainda não merecidamente homenageado pelos seus pares como um dos melhores arquitetos brasileiros. A rua também abriga a sede de uma das maiores construtoras do país.
Recentemente promoveu-se uma reunião de síndicos e proprietários no primeiro prédio da rua - o Graça Apart, primeiro flat da cidade, construído pela Lebram em 1983 -  visando elaborar um projeto de gestão coletiva para esse logradouro, consoante o associativismo previsto e amparado pela Constituição Federal logo no capitulo I, art.5, incisos 17 a 21, que reiteram a liberdade de associação para fins lícitos, sua criação que independe de autorização, sendo vedada a interferência do Estado em seu funcionamento e afirma sua legitimidade para representar seus filiados. Essa reunião pode se desdobrar numa ONG de urbanismo social, numa forma de animação (de anima, alma) dos moradores, já cansados de não contar com as instituições públicas. Seria útil que os `observatórios` ( da Copa, das Cidades, das Metrópoles, da Violência, da vaca que vai pro brejo...) atentassem para  a iniciativa.
Os logradouros são os espaços onde se pode promover o negócio e o ócio das pessoas, sua mobilidade e fruição, fato que depende de um poder publico quase omisso ou pode ser assumido parcialmente pelos cidadãos. A experiência de ruas serem requalificadas é cheia de exemplos no mundo e se aqui a Prefeitura não se mostra sensível, a possibilidade de aumentar o conforto e a segurança dos usuários e os lucros para as atividades terciarias pode ser uma forma de persuasão convincente ao associativismo.
Por que uma associação de rua e não de bairro? Porque os condomínios  independentes, mais do que qualquer outra unidade espacial maior, são células ligadas ao espaço físico do logradouro e às suas especificidades, não só do ponto de vista da segurança, do desenho urbano, da infraestrutura, das redes, mas também são as mais próximas em conteúdo ao discurso de  Maffesoli  que abre um grande leque de interesses para o urbanismo e segundo o qual o reencantamento do mundo, essa subjetividade de massa, interfere na sociedade e se alastra por ela, contamina todos o domínios da vida social, determina uma nova forma de hedonismo, de emoção e de partilhamento da paixão.
Um novo comunitarismo, centrado no estar - junto, na solidariedade, na generosidade, no surgimento das ONGs e nas outras formas de expressão social de ajuda mútua, aparece como forma de reencantar a rua, reter sua historia oral, organizar o presente.

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