MINHAS
CORRUPÇÕES PREDILETAS
Janer
Cristaldo
Leitores querem saber por que não escrevo sobre as grandes corrupções
nacionais. Ora, isto está na primeira página de todos os jornais. A crônica é
tão vasta que já existem extensas compilações on line, para orientar o leitor
no organograma da corrupção. Prefiro falar sobre o que os jornais não trazem.
Por exemplo, o Chico Buarque sendo traduzido na Coréia às custas do
contribuinte. Não sei se o leitor notou, mas a dita grande imprensa não
disse um pio sobre isto. O que sabemos vem da blogosfera.
Prefiro falar de corrupções mais sutis, quase imperceptíveis, mas
corrupções. A imprensa denuncia com entusiasmo a corrupção no congresso, na
política, nos tribunais. Não diz uma palavrinha sobre a corrupção no santo dos
santos, a universidade. Corrupção esta mais difícil de ser detectada, já que em
geral foi legalizada. Mordomias para encontros literários internacionais
inúteis, concursos com cartas marcadas, endogamia universitária, tudo isto se
tornou rotina no mundo acadêmico e não é visto como corrupção.
Corrupção só existe quando em uma ponta está o Estado. Se o dono de meu
boteco me cobra 50 reais por uma cerveja e eu pago com meu dinheiro, pode ter
ocorrido um abuso, mas jamais corrupção. O dinheiro é meu e a ele dou a
destinação que quiser, por estúpida que seja. Mas se um fornecedor de cervejas
as vende por 50 reais ao governo, está caracterizada a corrupção. Porque
governo não tem dinheiro. Governo paga com os meus, os teus, os nossos
impostos. E obviamente alguém do governo vai levar algo nessa negociata.
Escritores, esses curiosos profissionais que querem transformar suas
inefáveis dores-de-cotovelo em fonte de renda, adoram subsídios do Estado. Não
falta quem pretenda a regulamentação da profissão. O que não seria de espantar,neste
país onde até a profissão de benzedeira acaba de ser reconhecida no Paraná.
(Voltarei ao assunto).
Em 2002, Mário Prata, medíocre cronista do Estadão, pedia
a Fernando Henrique Cardoso o reconhecimento da profissão de escritor: "O
que eu quero, meu presidente, é que antes de o senhor deixar o governo, me
reconheça como escritor". Claro que não era apenas a oficialização
de uma profissão que estava em jogo. Mas o financiamento público da guilda.
Cabe observar como o cronista, subserviente, se habilita ao privilégio: “meu
presidente”.
Esquecendo que existe um Congresso neste país, o cronista pedia ao
presidente a elaboração de uma lei. Mais ainda. Citava a Inglaterra como
exemplo de país onde o escritor é reconhecido. Lá, segundo o cronista, toda
editora que publicar um livro, tinha que mandar um exemplar para cada
biblioteca pública do país. "Claro que os 40 mil exemplares são
comprados pelo governo. Quem ganha? Em primeiro lugar o público. Ganha a
editora, ganha o escritor. Ganha o País. Ganha a profissão".
E quem perde? -seria de perguntar-se. A resposta é simples: como o
governo não paga de seu bolso coisa alguma, perde o contribuinte, que com os
impostos tem de sustentar autores até mesmo sem público. É o que chamo de indústria
textil. Textil assim mesmo, sem acento: a indústria do texto. É uma
indústria divina: você pode não ter nem um mísero leitor e vender 40 mil
exemplares. O personagem mais venal que conheço é o escritor profissional.
Ele segue os baixos instintos de sua clientela. O público quer medo? Ele oferece
medo. O público quer lágrimas? Ele vende lágrimas. O público quer auto-ajuda?
Ele a fornece. É preciso salvar o famoso leite das criancinhas.
No fundo, saudades da finada União Soviética, onde os escritores eram
pagos pelo Estado comunista para louvar o Estado comunista. Seguidamente
comento – e creio ser o único a comentar – o livro A Sombra do Kremlin,
relato de viagem do jornalista gaúcho Orlando Loureiro, que viajou a Moscou em
1952, mais ou menos na mesma época que outro jornalista gaúcho, Josué
Guimarães. Enquanto Josué, comunista de carteirinha, vê o paraíso na União
Soviética em As Muralhas de Jericó, Loureiro vê uma rígida ditadura, que assume
o controle de todo pensamento. Comentando a literatura na então gloriosa e
triunfante URSS, escreve Loureiro:
A União dos Escritores funciona como um Vaticano
para a moderna literatura soviética. O julgamento das obras a serem lançadas
obedece a um critério estreito e sectário de crítica literária. Esta função é
exercida por um conselho reunido em assembléia, que discute os novos livros e
sobre eles firma a opinião oficial da sociedade. A exegese não se restringe aos
aspectos literários ou artísticos da obra julgada, senão que abrange com
particular severidade seu conteúdo filosófico, que deve estar em harmonia absoluta
com os conceitos de “realidade socialista” e guardar absoluta fidelidade aos
princípios ideológicos da doutrina marxista. Se o livro apresentar méritos
dentro do ponto de vista dessa moral convencionada, se resistir a esse teste de
eliminatória, então passará por um rigoroso trabalho de equipe dentro dos
órgãos técnicos da União, podendo vir a tornar-se num legítimo best-seller, com
tiragens astronômicas de 2 a 3 milhões de exemplares. E o seu modesto e obscuro
autor poderá ser um nouveau riche da literatura e será festejado e exaltado e
terminará ganhando o cobiçado prêmio Stalin...
Não que hoje se peça profissão de fé marxista ou louvores a Stalin. No
Brasil, para ter sucesso, o escritor hoje tem de aderir ao esquerdismo
governamental. Não precisa louvar abertamente o PT. Mas se tiver dito uma única
palavrinha contra, não é convidado nem para tertúlia nos salões literários de
Não-me-toques. Você jamais ouvirá um Luís Fernando
Verissimo, Mário Prata, Inácio de Loyola
Brandão ou Cristóvão Tezza fazendo o mínimo reproche às
corrupções do PT. Perderiam as recomendações oficiais como leituras escolares e
acadêmicas... e uma considerável fatia de seus direitos de autor. O livro de
Loureiro não mais existe, só pode ser encontrado em sebos. Os de Josué continuam
nas livrarias. Et pour cause...
Escritor financiado pelo Estado é escritor que vendeu sua alma ao poder. É o que acontece
quando literatura vira profissão. Alguns se rendem aos baixos instintos do
grande público e fazem fortuna considerável. Uma minoria consegue exercer
honestamente a literatura e manter a cabeça acima da linha d'água.
Uma imensa maioria, que não consegue ganhar a vida nem honesta nem
desonestamente, apela à cornucópia mais ao alcance de suas mãos, o bolso do
contribuinte. É o caso de Chico Buarque, o talentoso
escritor cujo talento maior parece ser descolar financiamento para sua “obra”
junto ao contribuinte. Mas Chico está longe de ser o único. Está cometendo
algum crime? Nenhum, seus subsídios são perfeitamente legais. Mas por que
cargas eu ou você temos de pagar pelas traduções e viagens a congressos
internacionais de um escritor que se dá ao luxo de ter umamaison secondaire
às margens do Sena?
Ainda há pouco, eu comentava o absurdo de o contribuinte financiar a
tradução de Chico na Coréia. Leio agora que o programa de bolsas de tradução
da Biblioteca Nacional vai apoiar mais autores best-sellers no Brasil. O
Diário de um Mago, de Paulo Coelho, será lançado na China pela editora
Thinkingdom Media Group. Já As Esganadas, de Jô Soares, estará nas
livrarias francesas. Ora, Coelho tornou-se milionário graças a suas obras de
auto-ajuda, já traduzidas em quase 60 idiomas. Jô, que deve ganhar salário milionário
na televisão, tem seus livros entre os mais vendidos, graças ao fator Rede
Globo. Será que estes senhores precisam enfiar a mão em nosso bolso para
pagarem seus tradutores na China e na França?
Fonte: Encontro de Escritores
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