João
Eudes Costa
Quando
nos deparamos com uma longa estiagem consideramos sempre a maior, de piores
consequências e a mais sofrida. Na realidade, estamos cansados de tanto
martírio. Cada seca representa uma chicotada cruel que recebemos e o nosso
corpo está chagado e doído de tanto ser batido. A fortaleza do nordestino, tão
decantada em prosa e versos, está enfraquecida, desmorona-se a cada investida.
A resistência vai cedendo porque as armas ao nosso dispor são arcaicas,
impotentes para enfrentar a terrível batalha.
Se o
corpo encontra-se dolorido, com a força comprometida, a alma também está ferida
e chora amargamente o drama que vive. Não somos nós apenas quem padecemos. Os
animais igualmente sofrem. Esqueléticos, vagueiam nos campos sem pasto. Inútil,
buscam água nos bebedouros secos, marcados pela lama retalhada pelo sol
impiedoso e causticante.
O homem
chora a sua desdita. Aquele rebanho, embora modesto, representa anos de intensa
luta. Foi tudo que sobrou do árduo trabalho das lides rurais. Por muito tempo a
esperança caminhava no pasto verde e bebia fartamente no riacho corrente.
Sem
rumo, desesperado, sozinho, sem ajuda, o rurícola se sujeita a um mísero
salário, obrigado a integrar um programa que o Governo do século do computador
denomina de assistência às vítimas da seca, que se repete em todas as grandes
estiagens. Enquanto isto, os órgãos criados para combate às secas continuam
esvaziados, sem a mínima condição de desenvolver um importante programa,
visando minimizar os catastróficos efeitos das secas na região nordestina.
No
momento não há opção. O criador tem que se desfazer do pequeno criatório.
Entregar por migalhas os animais de estima, que ajudou a crescer e chamava
carinhosamente pelo nome, sabia quem eram seus pais, data do nascimento, suas
virtudes e suas fraquezas... era perder parte de sua própria vida.
O
abastado fazendeiro das zonas ricas do País chegou com a sua arrogância, muito
dinheiro e comprou pelo preço que quis o que para o criador era toda a sua
riqueza. Obrigado a enfrentar o doloroso ato deste drama, sente a seca bater,
mais uma vez, no seu corpo dolorido a abrir novas feridas na alma sofrida,
porque no rosto já há vincos enormes, caminho da dor, por onde as lágrimas
rolam copiosamente.
De mãos
trêmulas e coração partido o criador recebe do rico criador os míseros reais.
Enquanto isto, os empregados do Governo já empunham as guias de imposto,
sorridentes e felizes porque o cofre público vai amealhar dinheiro. Mais
recursos para as mordomias e para manter políticos corruptos no poder. Dinheiro
para financiar sessões vazias do poder legislativo e para solenidades festivas.
Enquanto isto o sertão fica cada vez mais pobre, sob o olhar indiferente dos
que se acomodam nos palácios. Os capatazes, bem vestidos e de botas longas,
tangem os animais às pauladas para o "brete", subindo a rampa, rumo
aos carros que, de portas abertas, acolhem os famintos animais de nossa
caatinga ressequida.
Animais
criados com tanto carinho e tratados com amor, são agora, como nós, vítimas da
seca, espancados, expulsos da terra natal de onde partem para nunca mais
voltar.
O vaqueiro,
de chapéu e gibão de couro, que foi o portador da entrega, encosta-se às grades
do gigantesco veículo, finge contar os bovinos que, presos, maltratados e
famintos iniciam a triste partida. De olhos úmidos, com coração em pranto, olha
os animais, um a um, numa despedida cruel. O vaqueiro não sabe contar, na
realidade, ele está chorando.
Cada
carreta que parte é mais uma chaga que se abre no peito daquele homem. Enquanto
o carro corre nas estradas asfaltadas, os animais urram de tristeza, num grito
de dor e despedida e o criador esconde o rosto choroso, com as lágrimas tirando
a poeira da terra seca, pondo mais sofrimento no espírito do infeliz
trabalhador do sertão nordestino.
Desfilam
as carretas, com os animais, que partem do Nordeste. O gado berrando, o criador
chorando e a miséria cada vez mais aumentando nesta região seca do Brasil. O
vaqueiro, com o peito a soluçar, guarda de lembrança o chapéu, as perneiras e o
gibão de couro, porque sabe ter sido aquela sua última viagem.
A voz sonora, ao tanger o gado para a
venda, não foi o cantar alegre do vaqueiro cantador. Era o grito de revolta, a
música da saudade, o soluçar de um pranto. Era um peito que chorava os tristes
acordes de seu último aboio.
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