Por LUIZ HOLANDA
O juiz Luigi Ferrajoli, autor de um livro sobre o garantismo em direito
penal, nos descreve, entre os vários significados que explicam sua teoria, um
que, talvez, retrate com fidelidade a essência de sua tese, ou seja, a de que o
garantismo, sob o ponto de vista político, é uma técnica de tutela idônea a
minimizar a violência e a maximizar a liberdade, enquanto, sob o ponto de vista
jurídico, é um sistema de vínculos impostos à função
penúltima do Estado como
protetora dos direitos dos cidadãos.
Isso, em outras
palavras, significa que o modelo penal garantista delimita o poder punitivo do
Estado mediante a exclusão das punições “extra e ultra legem”, de avaliação
puramente subjetiva, a depender da importância do acusado.
Segundo Ferrajoli,
as decisões dos juízes devem ser tomadas de acordo com a verdade, pois quanto
maior é o poder, menor é o saber, e vice-versa. Decorrente dessa teoria, o sistema
penal pátrio adotou cinco princípios basilares do garantismo, tais como a
jurisdicionalidade, a separação das atividades de julgar e acusar, a presunção
de inocência, o contraditório e a ampla defesa e a fundamentação das decisões
judiciais.
Todos esses princípios visam valorar a realidade interpretando as normas
de acordo com os valores consagrados na defesa dos direitos, consoante com os
privilégios concedidos aos réus, pois os que não têm importância nenhuma são,
sumariamente, condenados.
Veja-se, por exemplo, o julgamento do pedido de habeas corpus para um pescador de Santa Catarina que pescara 12 camarões para saciar sua fome.
Veja-se, por exemplo, o julgamento do pedido de habeas corpus para um pescador de Santa Catarina que pescara 12 camarões para saciar sua fome.
Segundo o petista
Ricardo Lewandowski, o pescador, condenado a um ano e dois meses de detenção
por ter pescado os 12 camarões em desacordo com a lei, deveria permanecer na
prisão, pois a rede utilizada por ele para pescar “tinha malha finíssima”. Já
em relação ao deputado João Paulo Cunha, condenado, entre outros crimes, por
ter embolsado R$ 50.000,00 de origem ilícita, o ministro decidiu por sua
absolvição.
Os 12 camarões
valiam apenas R$ 10,00 (dez reais), enquanto os R$ 50.000,00 embolsados pelo
deputado João Paulo Cunha (em apenas uma mensalidade) era coisa pequena. Essas
discrepantes decisões traduzem os abusos que devem ser combatidos pela
sociedade, pois, afinal, esse garantismo dos ministros petistas conspira contra
o mais elementar dos princípios: o da igualdade.
Se o decano Celso
de Melo realmente garantisse, com o seu extenso e verborrágico voto, que todos
os cidadãos - independentemente dos qualificativos econômicos e sociais-,
devessem ser tratados com respeito e consideração, poder-se-ia aceitar (mesmo
com restrições) suas interpretações distorcidas das garantias penais, embora se
saiba que, em nenhum país do mundo, existam tais garantias.
O garantismo
desencadeado pelo seu voto impediu a efetividade do processo penal, pois os
réus privilegiados, defendidos por bons advogados, aguardarão em liberdade a
prescrição de todas as penas que lhes foram impostas.
Antes do voto do
decano os réus imaginavam que os embargos infringentes não fossem recebidos.
Daí os preparativos para abrigá-los em celas separadas com direito a se
servirem da mesma comida fornecida aos diretores dos presídios. O restante dos
presos, segregados e desprotegidos, continuaria comendo o pão que o diabo
amassou. Entre o garantismo e a impunidade a diferença é muito pouca.
Aos marginais do
poder foram concedidas todas as garantias durante longos oito anos de duração
do processo, tempo suficiente para descambar na prescrição. Lewandowski queria
isso; outros garantistas também. No final, os que defendem a impunidade saíram
ganhando, pois os ministros que tentaram impedir a corrupção saíram
derrotados.
O que serviu mesmo
foi o garantismo usar a justiça como abrigo de malfeitores, além de degenerar
para a impunidade todas as formas protetoras do devido processo legal e da
ampla defesa. O decano pode até imaginar que agiu dentro da lei ao
receber os embargos infringentes propostos pelos réus. Só não pode dizer que
fez justiça, pois a injustiça decorrente do seu voto é uma ameaça à própria
justiça por ele imaginada.
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