terça-feira, 8 de outubro de 2013

O 'GARANTISMO' DA IMPUNIDADE

Por LUIZ HOLANDA

O juiz Luigi Ferrajoli, autor de um livro sobre o garantismo em direito penal, nos descreve, entre os vários significados que explicam sua teoria, um que, talvez, retrate com fidelidade a essência de sua tese, ou seja, a de que o garantismo, sob o ponto de vista político, é uma técnica de tutela idônea a minimizar a violência e a maximizar a liberdade, enquanto, sob o ponto de vista jurídico, é um sistema de vínculos impostos à função
penúltima do Estado como protetora dos direitos dos cidadãos. 
Isso, em outras palavras, significa que o modelo penal garantista delimita o poder punitivo do Estado mediante a exclusão das punições “extra e ultra legem”, de avaliação puramente subjetiva, a depender da importância do acusado.
Segundo Ferrajoli, as decisões dos juízes devem ser tomadas de acordo com a verdade, pois quanto maior é o poder, menor é o saber, e vice-versa. Decorrente dessa teoria, o sistema penal pátrio adotou cinco princípios basilares do garantismo, tais como a jurisdicionalidade, a separação das atividades de julgar e acusar, a presunção de inocência, o contraditório e a ampla defesa e a fundamentação das decisões judiciais. 
Todos esses princípios visam valorar a realidade interpretando as normas de acordo com os valores consagrados na defesa dos direitos, consoante com os privilégios concedidos aos réus, pois os que não têm importância nenhuma são, sumariamente, condenados.
Veja-se, por exemplo, o julgamento do pedido de habeas corpus para um pescador de Santa Catarina que pescara 12 camarões para saciar sua fome. 
Segundo o petista Ricardo Lewandowski, o pescador, condenado a um ano e dois meses de detenção por ter pescado os 12 camarões em desacordo com a lei, deveria permanecer na prisão, pois a rede utilizada por ele para pescar “tinha malha finíssima”. Já em relação ao deputado João Paulo Cunha, condenado, entre outros crimes, por ter embolsado R$ 50.000,00 de origem ilícita, o ministro decidiu por sua absolvição. 
Os 12 camarões valiam apenas R$ 10,00 (dez reais), enquanto os R$ 50.000,00 embolsados pelo deputado João Paulo Cunha (em apenas uma mensalidade) era coisa pequena. Essas discrepantes decisões traduzem os abusos que devem ser combatidos pela sociedade, pois, afinal, esse garantismo dos ministros petistas conspira contra o mais elementar dos princípios: o da igualdade.
Se o decano Celso de Melo realmente garantisse, com o seu extenso e verborrágico voto, que todos os cidadãos - independentemente dos qualificativos econômicos e sociais-, devessem ser tratados com respeito e consideração, poder-se-ia aceitar (mesmo com restrições) suas interpretações distorcidas das garantias penais, embora se saiba que, em nenhum país do mundo, existam tais garantias. 
O garantismo desencadeado pelo seu voto impediu a efetividade do processo penal, pois os réus privilegiados, defendidos por bons advogados, aguardarão em liberdade a prescrição de todas as penas que lhes foram impostas.
Antes do voto do decano os réus imaginavam que os embargos infringentes não fossem recebidos. Daí os preparativos para abrigá-los em celas separadas com direito a se servirem da mesma comida fornecida aos diretores dos presídios. O restante dos presos, segregados e desprotegidos, continuaria comendo o pão que o diabo amassou. Entre o garantismo e a impunidade a diferença é muito pouca. 
Aos marginais do poder foram concedidas todas as garantias durante longos oito anos de duração do processo, tempo suficiente para descambar na prescrição. Lewandowski queria isso; outros garantistas também. No final, os que defendem a impunidade saíram ganhando, pois os ministros que tentaram impedir a corrupção saíram derrotados. 
O que serviu mesmo foi o garantismo usar a justiça como abrigo de malfeitores, além de degenerar para a impunidade todas as formas protetoras do devido processo legal e da ampla defesa.  O decano pode até imaginar que agiu dentro da lei ao receber os embargos infringentes propostos pelos réus. Só não pode dizer que fez justiça, pois a injustiça decorrente do seu voto é uma ameaça à própria justiça por ele imaginada.


Nenhum comentário:

Postar um comentário