Colaboração de Conrado
Matos
A nossa formação básica,
principalmente, a do antigo primário, nos deixa marcas que de vez em quando
voltamos ao passado, e percebemos o quanto foi tão bom viver esse momento
enriquecedor e de muita gratidão. Recordar é viver o que já foi plantado em
nossas vidas e, o quanto devemos aproveitar dessas
experiências boas. Um
momento de reflexão nos faz lembrar-se de figuras especiais que fizeram parte
da nossa educação básica, a forma que nos tratavam e como nos ensinavam a ler e
escrever.
Que momentos foram esses, em sala de
aula, lendo um texto saboroso. Saboroso mesmo, como o leite da boa mãe de Klein
e da mãe-continente de Bion. Além das pequenas estórias de fadas, disco voador,
Chapeuzinho Vermelho e Branca de Neve, e
que traziam as cartilhas, as estórias de contos e lendas maravilhosas,
que nos deixava, às vezes, tão sentimentais. Éramos tocados em nosso íntimo,
pelos textos dessa antiga educação, que ainda usava o ABC como método inicial
de alfabetização, além da tabuada, que nos desafiava a aprender a somar,
subtrair, multiplicar e dividir. Que épocas, foram essas que meus desafios eram
testados a todo tempo. Nunca esqueço e, só tenho que agradecer por ter passado
por tudo isso; pela disciplina que meus professores adotavam e pelas tarefas
escolares que eles me proporcionaram em sala de aula.
Lembro bem da minha primeira
professora, Dona Lindinalva, que marcou na minha vida. Dona Lindinalva tinha um
grande amor pelo o ensino, cuidava dos seus alunos como se fossem seus próprios
filhos. O ensino de Dona Lindinalva, ultrapassava os limites da aprendizagem,
fazia-nos gostar de ler e escrever. Seu método era para que desafiasse os
conteúdos, resolver às questões e discutir com ela, nos dando a capacidade de
autonomia para tomar decisões, de sermos autoresponsáveis e comprometidos pelo
novo. Tinha Dona Lindinalva, um estilo de ensinar, que nos proporcionava prazer
com os conteúdos, e nos aproximava cada vez mais dela. Essa professora agia com
tanta empatia, que nosso amor por ela era muito diferente. O nosso amor era
através do respeito, e não através da imposição de qualquer tipo de
autoritarismo. Ela não gostava de criticar e nem de nos censurar com nada, e
nos deixava livres para pensarmos e desafiar os nossos próprios potenciais.
Escolhíamos um determinado tema, e mergulhávamos na plenitude, conseguíamos
aprender assim. Na plenitude do Ser e na profundidade do conhecimento.
A minha primeira escola de educação
fundamental I se chamava de Grupo Escolar Almirante Tamandaré, situada na
cidade de Nossa Senhora de Lourdes, no sertão de Sergipe, onde vivi até os meus
dez anos de idade. Aprendi cedo a ler e escrever, e sempre que podia, costumava
ler cartas que eram enviadas pelos parentes dos meus avós paternos. Lembro-me
que, meus avós gostavam que eu lesse e escrevesse cartas, como forma de
melhorar a minha leitura e minha escrita. Eu já vivia cedo com diversos
personagens que, através das cartas me levaram a escrever contos e poesias
durante a minha juventude. Eu era apaixonado pelos romances de José de Alencar,
pelas poesias de Castro Alves, Olavo Bilac, Oswald de Andrade, Mário de
Andrade, Carlos Drummond de Andrade, e gostava de ouvir as canções de Caetano
Veloso, João Gilberto, Gilberto Gil, Elomar, Chico Buarque, Xangai, Vital
Farias, Geraldo Azevedo e Luiz Gonzaga. Toda essa grandeza artística que vivi
logo cedo, com certeza foi da influência educacional e familiar que herdei do
meu passado. Além dos textos prazerosos da minha professora Lindinalva, e, é
claro, da influência dos meus avós que me estimularam bastante a ler e
escrever, assim como, também, a gostar de ouvir Luiz Gonzaga, que era tocado no
rádio ABC de lá de casa. A minha avó era uma dessas professoras autodidatas,
que dava reforço escolar no interior, e dava aulas a adultos que trabalhavam
nas roças. Professor nem sempre é aquele que é licenciado, mas é também aquele
que tem a arte de ensinar: é aquele que traz o espírito pronto para o ensino.
O aluno de hoje, não gosta nem de ler
e nem de escrever. E, ainda, envolvido com o moderno vocabulário da internet,
vai se atropelando muito mais nos erros de ortografia, concordância verbal e
acentuação. Lembro-me que minha avó tinha um aluno que se chamava Chico do
Rolo, que vendia rolo de fumo-de-corda na feira da cidade. Chico era um aluno
danado de ruim pra aprender a ler e escrever. Quando a minha avó soletrava a
palavra “gato”, Chico confundia com “rato”. E quando a minha avó soletrava para
ele a palavra “rato”, Chico confundia com “gato”. Chico tinha dificuldade de
memorizar e aprender ler e escrever. Fiquei sabendo que Chico do Rolo tinha se
candidatado a vereador de uma cidade do interior de Sergipe, não lembro qual, e
foi o vereador mais votado da cidade. E fiquei sabendo muito bem que, Chico já
estava bem familiarizado com a palavra “gato”, e que já não se confundia com
“gatuno”, e de gatunagem ele já entendia muito bem.
Que saudade desses velhos tempos! Eles
não voltam mais. Mas, a minha experiência não acaba mais. Estou grato pelo o
meu passado.
Conrado Matos é Psicanalista, Licenciado em Filosofia, Bacharel em
Teologia e Escritor.
E-mail: psicanaliseconrado@hotmail.com – Tels: (71) 8717-3210/9910-6845.
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