Vilão ou
conciliador?
O país promoveu uma carnificina gratuita, dizem poucos historiadores.
As versões e lendas que passaram a cercar a Guerra do Paraguai, 140 anos depois do fim do maior conflito armado da América do Sul, são tenebrosas: guerra bacteriológica, extermínio de crianças, degola de prisioneiros e o incêndio criminoso de um hospital cheio de feridos. Por mais de um século, o episódio recebeu tratamento triunfal. A historiografia nacional destacava as batalhas vencidas pelos brasileiros e exaltou personagens e feitos heroicos. Até que, na década de 1970, os chamados "revisionistas" - como Julio Chiavenato, autor de Genocídio Americano - A Guerra do Paraguai - jogaram acusações como as do início deste texto no ventilador. Para eles, o governo brasileiro tentou (e ainda tenta) esconder seu verdadeiro papel no conflito: de vilão.
Chiavenato diz que o duque de Caxias, o comandante brasileiro, teria jogado cadáveres no rio Paraná para contaminar a água. "O general Mitre (Bartolomeu Mitre, presidente argentino) está de acordo comigo que os cadáveres de coléricos devem ser jogados nas águas do rio Paraná para levar o contágio às populações ribeirinhas", teria escrito Caxias ao imperador dom Pedro 2º. Na prática, era um ataque bacteriológico, usando cadáveres de veículo para micro-organismos letais.
Não que essa versão tenha virado unanimidade. "O documento, de autoria desconhecida e evidentemente forjado, não tem valor histórico algum. Aliás, a versão também não tem lógica, já que o Paraná deságua no rio Paraguai e o rio não sobe - assim, não seria possível contaminar ninguém", contesta o historiador Francisco Doratioto, autor de Maldita Guerra.
Outra "bomba" que surgiu na onda revisionista foi o extermínio de crianças nas batalhas de Peribebuí e Acosta Ñu, em 1869. Na primeira, cerca de 21 mil aliados brasileiros e argentinos enfrentaram 1,8 mil paraguaios, a maior parte crianças disfarçadas com barbas postiças para que o inimigo não percebesse a fragilidade do exército. Os poucos adultos usaram tijolos, cacos de vidro e pedras contra canhões. Na batalha de Acosta Ñu (Campo Grande, para os brasileiros), a tática de disfarçar garotos de adultos também acabou em massacre. Placar de mortes: dois mil paraguaios versus 26 brasileiros.
Diferentemente do que o senso comum imagina, o Brasil estimulou a sobrevivência do Paraguai como nação independente - ao contrário da Argentina, que gostaria de absorvê-lo. Depois que acabou a guerra, por muito pouco Brasil e Argentina, aliados no conflito, não começaram outra. Isso só não aconteceu porque ambos estavam esgotados. Documentos que poderiam mostrar com mais clareza o papel do Brasil no campo de batalhas estariam escondidos no Itamaraty, com acesso proibido aos pesquisadores.
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