segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

JAYME BARBOSA

JAYME BARBOSA

É autor da crônica Breve ensaio sobre a bunda, campeã de leitura neste Blog, e de outras tantas aqui publicadas

Crônicas recolhidas
Por Luiz Carlos Facó

Raramente afeiçoo-me, de bate-pronto, por alguém. Não há empatia que me leve a voos homéricos nessa direção, sem que a biruta permita-me ou aconselhe-me. O conchego, a amizade, no meu caso, vêm aos poucos. Chegam de mansinho e passam inundar meu coração de alegrias. Daí em diante, quando da
ligação entre defesa, meio campo e ataque afinam-se, não tem jeito. É bola na rede, continuando a usar os jargões futebolísticos, tão ao gosto do brasileiro.
Afinal de contas, sempre jogamos limpo, não abrindo mão da inteligência, utilizando a técnica, o drible da vaca, à puxeta, o lençol, o corta-luz, as pedaladas, a bicicleta, passes de longa distância – quarenta metros – folhas-secas, que só Didi, nosso professor mor sabia executar, com mestria. Daí tanta afinidade, tanto carinho, tanto respeito. 
No caso de Jayme, nossa vivência começou através da internet – eta tecnologia porreta, quando usada apropriadamente – ao tempo em que participávamos, com obstinada frequência,  de uma rede de relacionamento, patrocinada por antigos estudantes do Colégio da Bahia, os centralinos, cujos dirigentes são vossa excelência JU, João Ubaldo Ribeiro – seu presidente ad perpetuam rei memoriam – e Hélio Contreiras, que se constituem na alma e no destino dela. Entidades, nas quais deposito esperanças para que esse esforço comunitário não embolore ou desapareça com o passar do tempo.
Construída tijolo a tijolo até alcançar pé direito soberbo, ou melhor, ideia a ideia, nossa relação cruza oceanos, as culminâncias do zênite – império celeste – mesmo enfrentando seus maus humores (e não são poucos). Com intrepidez e lealdade dos nossos corações. Corações de garimpeiros, de aventureiros à procura dos tesouros do saber, da compreensão dos mistérios da vida, da verdade, que, quando içada como estandarte, às vezes, mostra-se pathos.
Amizade tão sólida em alicerces, que lhe permite dizer-me, sem estremecimentos: - “do seu artigo ou crônica, só aproveitei às últimas três orações”. E ouvir de mim, em réplica jocosa: -“do seu livro, Crônicas recolhidas, aproveitei pouco mais de três páginas”. Sentimento, da minha parte, acompanhado de muitos outros, fundamentalmente, da admiração. Admiração por suas múltiplas sabedorias.
De formação cartesiana, Jayme é engenheiro civil, como ele se nomeia “um tocador de obras”. Revelou-se, ao longo da vida, dono de humanismo ímpar. Fez-se prosador – cronista, contista e poeta – dos bons, cujos textos que assina esparramam a agudeza da inteligência privilegiada e a grandeza da sua universal erudição. Afora tais qualificações, que enchem de inveja a quem o cerca, ele o bonifica com outras tantas. É senhor de rara bonomia, marcada no semblante, cujo riso aflorado naturalmente confere-lhe expressão de felicidade. Ademais, é um Lord. Lord, inglês. Daqueles de posturas e modos elegantes, de falar fácil, sempre eivado de ironia e humor, cativantes.
Foram todos esses atributos que me levaram a comungar com sua alma. Algumas vezes, pensei beijá-lo e abraçá-lo num fraterno desvelo. Mas, impedido fui fazê-lo, diante da maledicência baiana, condimento não usual da sua culinária, mas que tempera os usos e costumes de sua gente. Gente ainda sonâmbula em ralação aos sentimentos entre pessoas do mesmo sexo, mesmo encanecidas e com passado irreprochável, entrevada nos esconsos da Idade Média.
Modesto, jamais pretendeu dar publicidade a sua obra literária. Porém, instado por Frederico Mesquita Martins, amigo de décadas, baixou à guarda assentindo em ver-se publicado. O que é uma dádiva para o leitor, que se sente prazeroso ao ler bons textos, tão raros nesses tempos bicudos ou desertificados em que se debate o atual panorama literário.
Dele, na orelha do livro, assim fala outro dileto amigo e compadre, Guilherme Radel: “... Jaymão é homem de muitas facetas e são muitas as suas obras. Causer, gourmet, enólogo (conhece de cor as boas safras), articulista, cronista, declamador de poesia, engenheiro consultor na área de transporte, pinta quadros a óleo e pinta o sete...” Uma definição supimpa, que se acrescentada do hedonismo, que, o perfilado defende e de que sua prosa é poesia, pois tem subliminar divisão rítmica, alçaria à perfeição, o retrataria mais fielmente do quanto feito.

Da visceral preguiça – é sempre bom falar – que o acompanha, havida como apanágio e dela orgulhada, como nos revela em A preguiça ao alcance de todos: “Meu maior trabalho na vida tem sido justificar minha preguiça. Tarefa laboriosa, afinal, não se trata da indolência que vez por outra ataca a maioria dos viventes. A pachorra que cultivo é sólida, determinada, monumental, permanente. É uma preguiça macunaímica, tal qual concebeu Mário de Andrade para o personagem representante da nossa gente...” Mandriice tão grande quanto à de Eça de Queirós, que nunca teve pejo em expô-la: “Não há profissão mais absorvente do que a vadiagem.” O que me leva desculpar a avareza quanto ao tamanho dos seus textos, que de tão pequenos, nos deixa sempre com gosto de quero mais. Para Jayme, o essencial dito em poucas linhas, da maneira brilhante como o faz, dispensa o esforço em acrescentar mais alguma coisa para agradar o leitor. É melhor ser lacônico por ser menos trabalhoso.

Foi nas páginas abrasadas de talento, de Crônicas recolhidas, que pude dimensionar sua grandeza como escritor. Os temas abordados, inusuais, num estilo peculiar e inconfundível, levam o leitor a pensar. E sabedor ser a prosa, como advoga Manuel Bandeira, dirigida à inteligência, não poupa esforços em atingi-la, conquanto seus textos também despertem à sensibilidade de quantos os leem. É verdade, como diz o poeta acima citado, “...nessa linguagem continuada (a prosa) há parágrafos. Mas o corte da prosa em parágrafos atende tão somente à necessidade de ordenação das ideias...” Boa disposição que Jayme cumpre à perfeição.
Falar mais do quanto é admirável esse livro de crônicas é citar algumas delas que se constituem em momentos felizes da criação: A improvável vírgula de Saramago; A língua fácil; A língua distante; A vírgula, essa desconhecida; Ad infinitum; Breve ensaio sobre a bunda; De amor e de regência; Dos infinitos finitos.
Reservo espaço, ao cabo dessa apreciação sobre o homem, o escritor, o criador de passarinhos soltos, para mandar recado.
Desde o início do nosso encontro estávamos fadados a nos tornar excelentes companheiros, por descobrir ser comum recitarmos de cor os verbos beber, comer, sonhar. Afora outros inconfessáveis, cujas conjugações nos remetem à figura feminina, verdadeiro oásis da criação, à qual bendiremos ad eternum, acaso nos reservem um lugarzinho no céu.
Recado dado, texto acabado.



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