Por
Consuelo Pondé
Dias atrás,
derramei-me em elogios à minha terra natal, à Boa Terra, como outrora era
chamada a capital baiana. Retroagi no tempo, numa espécie de fuga desesperada,
porque não me conformo com os novos “padrões” que ainda estão sendo implantados
nesta Soterópole.
Porque, minha
gente, a terra não tem culpa dos males que atormentam seus filhos ou seus
moradores. “Muito menos pode reagir aos projetos desfigurantes”, que a
desqualificaram de maneira irremediável. Não tem condições de coibir o seu
desflorestamento criminoso, seu “metrô” horrendo e inacabado a poluir nossa
paisagem. Estamos num rumo sem volta e pouco pode ser feito para reverter a
esdrúxula situação.
Defendi,
portanto, apoiando-me no cronista seiscentista, Gabriel Soares, um paraíso
tropical, a salubridade do seu solo, as amenidades do clima, a beleza do
oceano, das águas doces, das praias, finalmente livres das barracas que as
enfeiavam e poluíam todo nosso litoral.
Faltou fazer
referência à antiga alegria do povo, sua proclamada hospitalidade, qualidades
que têm sido substituídas pelo mau humor constante, pela falta de urbanidade,
pela “extinta” capacidade de bem acolher.
Assim, o que
de mal tem aqui sido implantado decorre dos desmandos cometidos por muitos
gestores da cidade, pela má educação de grande parte da sua gente, pelo
trânsito intolerável, o visível desrespeito pelos direitos alheios, o uso
imoderado de palavras de baixo calão, a violência crescente disseminada por
toda a cidade, a irritante poluição sonora, enfim, por incômodos que, de tão
costumeiros, passaram a ser “desapercebidos” pela população. Até parece que
nossa cidade jamais foi diferente.
Entretanto,
os que aqui chegam, procedentes de outras plagas, estranham esse modo de vida
do povo baiano! Essa conformidade em relação ao que já fomos e já tivemos e não
mais possuímos.
Dessa forma,
nós outros, os que vivenciamos, em décadas pregressas, o dia a dia da gente
baiana, não nos ajustamos à determinadas “modas”, a certos comportamentos, aos
incômodos de uma cidade desigual, sofrendo, na pele curtida pelos anos,
pela experiência do cotidiano, toda sorte de infortúnios e desconfortos destes
dias desconexos.
Alguns
fenômenos, que se iniciam no centro-sul do Brasil, disseminam-se por quase todo
o país, impondo regras aos que repudiam essas manifestações, porque lhes
parecem despropositadas e incomodativas. Nesse caso, o jeito é proteger-se,
escapar desses conflitos “orquestrados” e deixar de frequentar espaços
ameaçados. No dia a dia comum, as pessoas mais idosas, fragilizadas por suas
deficiências, receiam procurar as agências bancárias, sair de casa
desacompanhado, agora também, de ir à praia e a determinados shoppings, onde,
até pouco tempo, todos se sentiam seguros e protegidos.
Por último,
como se não bastassem tantos incômodos, paira a ameaça do “rolezinho”,
defendido por muitas pessoas, algumas até sensatas, que advogam o direito, que
todos também defendemos, de ter acesso aos shoppings, o que, aliás é justo e
nunca lhes foi negado. Sempre neles entraram jovens de diversas “tribos”.
Nesses centros comerciais paqueravam, olhavam as vitrines, compravam, lanchavam
e nada os impedia de se deslocarem de um piso para o outro. Viam-se e eram
vistos. Tudo ocorria de acordo com a ordem e a boa educação.
O que se
pretende agora evitar é o acesso tumultuado de grupos imensos, articulados,
baderneiros, a gritar descomedidamente nesses espaços comerciais, afugentando a
freguesia e praticando toda sorte de inconveniência. Diante do sururu, que se
estabelece, os compradores se sentem ameaçados e o negociantes prejudicados nos
seus negócios. Diante do medo, as vendas caem vertiginosamente.
Espaços
abertos ao público, as lojas, restaurantes e lanchonetes, alocados nos
shoppings, são propriedades particulares e, como tal, devem ser respeitadas.
Seus proprietários pagam altos aluguéis e elevados impostos. Além do que, não
são responsáveis pelas imensas desigualdades sociais existentes neste país de
“fachada”.
Por que os
“rolezinhos” não acontecem nas salas de cinema? Por que não perturbam nos
teatros?
Simplesmente
porque, para ter acesso a esses lugares, é preciso adquirir ingresso.
Diante dessa situação é o caso de indagar: o que acontecerá na Sala do
Coro do Teatro Castro Alves, quando seus espetáculos populares, a preço
reduzido de R$ 1,00, forem “contaminados” por essas selvagens brincadeiras?
Essa rebeldia é uma ameaça à sociedade como um todo, mas reflete o descaso das
autoridades em relação à educação da juventude, principalmente daqueles moços e
moças que vivem nas comunidades carentes.
Nestas, ao
contrário do que deveria acontecer, não existem praças de esporte e de lazer.
Investir na educação, oferecer escolas profissionais, é o caminho para dar
melhor orientação aos jovens. Foi pensando neles, no aprimoramento da formação
dos menos favorecidos economicamente, que o notável educador baiano, Anísio
Spínola Teixeira, criou as Escolas Parques nos bairros populares de Salvador.
Lamentavelmente,
como aquele idealista, esses estabelecimentos não se firmaram para sempre.
Experiência repetida por Darcy Ribeiro, com os CIEPS, no governo de Brizzola
(RJ) a iniciativa também feneceu. Como tudo de bom que já existiu neste
país.
O que se
percebe é o seguinte: o consumismo exacerbado, construído pela mídia, faz com
que muitas pessoas almejem o “infinito”. Assim, querem possuir tudo que lhes é
imposto pela propaganda, sem imaginarem que não podemos alcançar tudo quanto
desejamos. E que, só o trabalho contínuo e eficaz concede dignidade ao ser humano.
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