quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

A DIFÍCIL VIDA DOS SOTEROPOLITANOS

Por Consuelo Pondé

Dias atrás, derramei-me em elogios à minha terra natal, à Boa Terra, como outrora era chamada a capital baiana. Retroagi no tempo, numa espécie de fuga desesperada, porque não me conformo com os novos “padrões” que ainda estão sendo implantados nesta Soterópole.

Porque, minha gente, a terra não tem culpa dos males que atormentam seus filhos ou seus moradores. “Muito menos pode reagir aos projetos desfigurantes”, que a desqualificaram de maneira irremediável. Não tem condições de coibir o seu desflorestamento criminoso, seu “metrô” horrendo e inacabado a poluir nossa paisagem. Estamos num rumo sem volta e pouco pode ser feito para reverter a esdrúxula situação.
Defendi, portanto, apoiando-me no cronista seiscentista, Gabriel Soares, um paraíso tropical, a salubridade do seu solo, as amenidades do clima, a beleza do oceano, das águas doces, das praias, finalmente livres das barracas que as enfeiavam e poluíam todo nosso litoral.
Faltou fazer referência à antiga alegria do povo, sua proclamada hospitalidade, qualidades que têm sido substituídas pelo mau humor constante, pela falta de urbanidade, pela “extinta” capacidade de bem acolher. 
Assim, o que de mal tem aqui sido implantado decorre dos desmandos cometidos por muitos gestores da cidade, pela má educação de grande parte da sua gente, pelo trânsito intolerável, o visível desrespeito pelos direitos alheios, o uso imoderado de palavras de baixo calão, a violência crescente disseminada por toda a cidade, a irritante poluição sonora, enfim, por incômodos que, de tão costumeiros, passaram a ser “desapercebidos” pela população. Até parece que nossa cidade jamais foi diferente. 
Entretanto, os que aqui chegam, procedentes de outras plagas, estranham esse modo de vida do povo baiano! Essa conformidade em relação ao que já fomos e já tivemos e não mais possuímos.
Dessa forma, nós outros, os que vivenciamos, em décadas pregressas, o dia a dia da gente baiana, não nos ajustamos à determinadas “modas”, a certos comportamentos, aos incômodos  de uma cidade desigual, sofrendo, na pele curtida pelos anos, pela experiência do cotidiano, toda sorte de infortúnios e desconfortos destes dias desconexos. 
Alguns fenômenos, que se iniciam no centro-sul do Brasil, disseminam-se por quase todo o país, impondo regras aos que repudiam essas manifestações, porque lhes parecem despropositadas e incomodativas. Nesse caso, o jeito é proteger-se, escapar desses conflitos “orquestrados” e deixar de frequentar espaços ameaçados. No dia a dia comum, as pessoas mais idosas, fragilizadas por suas deficiências, receiam procurar as agências bancárias, sair de casa desacompanhado, agora também, de ir à praia e a determinados shoppings, onde, até pouco tempo, todos se sentiam seguros e protegidos.
Por último, como se não bastassem tantos incômodos, paira a ameaça do “rolezinho”, defendido por muitas pessoas, algumas até sensatas, que advogam o direito, que todos também defendemos, de ter acesso aos shoppings, o que, aliás é justo e nunca lhes foi  negado. Sempre neles entraram jovens de diversas “tribos”. Nesses centros comerciais paqueravam, olhavam as vitrines, compravam, lanchavam e nada os impedia de se deslocarem de um piso para o outro. Viam-se e eram vistos. Tudo ocorria de acordo com a ordem e a boa educação. 
O que se pretende agora evitar é o acesso tumultuado de grupos imensos, articulados, baderneiros, a gritar descomedidamente nesses espaços comerciais, afugentando a freguesia e praticando toda sorte de inconveniência. Diante do sururu, que se estabelece, os compradores se sentem ameaçados e o negociantes prejudicados nos seus negócios.  Diante do medo, as vendas caem vertiginosamente.  
Espaços abertos ao público, as lojas, restaurantes e lanchonetes, alocados nos shoppings, são propriedades particulares e, como tal, devem ser respeitadas. Seus proprietários pagam altos aluguéis e elevados impostos. Além do que, não são responsáveis pelas imensas desigualdades sociais existentes neste país de “fachada”.
Por que os “rolezinhos” não acontecem nas salas de cinema? Por que não perturbam nos teatros?
Simplesmente porque, para ter acesso a esses lugares, é preciso adquirir ingresso.  Diante dessa situação é o caso de indagar: o que acontecerá na Sala do Coro do Teatro Castro Alves, quando seus espetáculos populares, a preço reduzido de R$ 1,00, forem “contaminados” por essas selvagens brincadeiras? Essa rebeldia é uma ameaça à sociedade como um todo, mas reflete o descaso das autoridades em relação à educação da juventude, principalmente daqueles moços e moças que vivem nas comunidades carentes. 
Nestas, ao contrário do que deveria acontecer, não existem praças de esporte e de lazer. Investir na educação, oferecer escolas profissionais, é o caminho para dar melhor orientação aos jovens. Foi pensando neles, no aprimoramento da formação dos menos favorecidos economicamente, que o notável educador baiano, Anísio Spínola Teixeira, criou as Escolas Parques nos bairros populares de Salvador.
 Lamentavelmente, como aquele idealista, esses estabelecimentos não se firmaram para sempre. Experiência repetida por Darcy Ribeiro, com os CIEPS, no governo de Brizzola (RJ) a iniciativa também feneceu. Como tudo de bom que já existiu neste país. 
O que se percebe é o seguinte: o consumismo exacerbado, construído pela mídia, faz com que muitas pessoas almejem o “infinito”. Assim, querem possuir tudo que lhes é imposto pela propaganda, sem imaginarem que não podemos alcançar tudo quanto desejamos. E que, só o trabalho contínuo e eficaz concede dignidade ao ser humano.


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