Artigo de Roberto Damatta
A semana foi marcada por três eventos
especiais.
O primeiro e o que mais nos
consternou foi o desastre na Linha Amarela no Rio de Janeiro, quando um
caminhão com a carroceria levantada e trafegando em horário não permitido,
destruiu um viaduto causando cinco mortes.
O segundo foi o cavalo de batalha
criado pela escala semissecreta da presidente da República em Lisboa, Portugal,
depois de sua estada em Davos, Suíça; antes de sua momentosa visita a Cuba.
E o terceiro, o de maiores
implicações no campo das rotinas financeiras e políticas foi o anúncio da
promulgação da lei que vai punir as ilegalidades cometidas por empresas,
tomando-as como pessoas jurídicas. Punindo a empresa como um todo, o que na
prática significa a impossibilidade de se assistir à costumeira culpabilização
dos funcionários miúdos como bodes expiatórios. Ademais, a lei explicita
vultosas penalidades monetárias, além das criminais à empresa. Torço que ela
pegue, pois se assim ocorrer, ela vai ser um instrumento importante para
controlar a corrupção.
A ligar esses eventos eu vejo
atitudes rotineiras – aquelas coisas que fazemos sem pensar.
Comecemos com o caso do viaduto. A
fiscalização obviamente aumentou. Mas será que mais fiscalização resolve? O
problema do espaço público no Brasil é saber se precisamos de mais leis ou de
mais educação relativamente a essas leis. Em outras palavras, ao lado de uma de
fiscalização eficiente, é preciso que as leis sejam colocadas dentro de cada um
dos cidadãos – tanto dos usuários quanto das autoridades e administradores. É
esse tipo de educação igualitária que nos falta. Ela tem a ver com o debate
entre o modo pelo qual uma nova lei vai conviver com velhos hábitos. Fiscais e
policiais são, é claro, fundamentais, mas é preciso ir além deles. Sem tal
movimento, é quase certo que a lei “não pega” – ou seja: ela vai ser fatalmente
canibalizada e neutralizada pelos velhos hábitos.
Para não ser multado, o sujeito faz
um desvio e acaba causando um acidente. A “bandalha” revela uma propensão ao
risco típica, como revelo no meu livro Fé em Deus e Pé na Tábua, do modo de
dirigir e de usar o espaço público no Brasil. O eufemismo minimiza o delito ao
mesmo tempo que desculpa usuários faltosos e autoridades lenientes e
irresponsáveis. Todo tipo de motivação pessoal suspende o bom senso e as normas
que dele derivam, mas que o motorista e o pedestre ignoram ou não internalizam.
Todo mundo tem consciência de que as “autoridades” usam o “você sabe com quem
está falando” e são autoridades precisamente porque ficam acima da lei e do bom
senso. Por que, então, eu devo obedecer se quem é importante não obedece; e a
regra geral não é a transparência, mas é ter dois pesos e duas medidas? Uma
para os nós e outra para os outros?
Eu estava num elevador lotado. Na
parada no 7.º andar cinco ou seis pessoas vão entrando indiferentes a quem
estava no veículo. Com um sorriso despreocupado um deles diz: “Entra, sempre
cabe mais um…”. Fomos diretos para o fosso. Uma senhora gritou muito e eu
entrei em pânico.
Vou abastecer e o frentista fuma
tranquilamente segurando a bomba de gasolina. Apavorado, eu menciono o fato e
mostro a placa onde lemos: Proibido Fumar. “Não tem nada não, diz o frentista
me olhando como se olha para o policial ou o fiscal, eu estou acostumado.”
Tentei dar uma aula de segurança. Se
persistisse, acabaria brigando.
Vou ao banco e nos caixas eletrônicos
destinados aos idosos, deficientes e grávidas encontro uma jovem pagando um
maço de contas. Cruzo os braços e, p. da vida, espero. Mas não digo nada porque
reclamar é feio e eu não quero criar caso. Foi assim que me ensinaram e
ensinaram aos que me ensinaram e ensinaram aos que ensinaram aos que me
ensinaram.
Troquei um automóvel por outro na
mesma agência e com o mesmo vendedor. Ele, porém, não fez a transferência da
propriedade do veiculo para a empresa. Comecei a receber multas, pois o carro
continuava sendo meu. Reclamei várias vezes. Afinal processei a agência e fui
ao tribunal. Lá, o acusado não era a empresa mas o vendedor que havia sido
despedido. O magistrado mandou que me pagassem R$ 1.200. Eu me senti
injustiçado. Espero que isso mude com a nova lei.
Vamos seguir para Lisboa. Lá
abastecemos e, em seguida, voamos para Cuba. Alguém assim decidiu, diz o meu lado
ignorante das regras de segurança nacional.
Quando a presidenta diz que ela
própria paga seus jantares e não usa cartão corporativo, um outro lado meu
pergunta: não seria o caso de suprimir esses cartões em nome desta ética de
austeridade?
Como cidadão, eu não me importo que
os governantes do meu país tenham apoio “oficial” quando desempenham seus
papéis públicos. O que me deixa incomodado é descobrir que a Presidência da
República não atina com as implicações do seu papel. Vai que o avião – valha-nos
Deus! – cai! Num mundo monitorado, o segredo, como o perigo calculado ou a
propensão ao risco, é inútil e perigoso. Lembra aquela piada de uma certa
polícia secreta que era sempre descoberta porque vestia farda.
Origem: http://contobrasileiro.com.br/?p=2108
Nenhum comentário:
Postar um comentário