O Forte
de Nossa Senhora do Pópulo e São Marcelo, popularmente conhecido como Forte
do Mar, localiza-se em Salvador,
capital do estado da Bahia.
Erguido
sobre um pequeno banco de arrecifes a cerca de 300 metros da costa, fronteiro ao centro
histórico da cidade, destaca-se por se encontrar
dentro das águas, como o Forte
Tamandaré da Laje, no Rio de Janeiro,
e ser o único de planta circular no país, inspirado no Castelo de
Santo Ângelo (Itália) e na Torre do Bugio (Portugal).
A
primitiva concepção desta fortificação remonta a 1608 com risco do engenheiro-mor e dirigente
das obras de fortificação do Brasil, Francisco
de Frias da Mesquita.
Alguns autores, porém, atribuem o seu risco inicial ao engenheiro-mor de
Portugal, o cremonense Leonardo Torriani, em 1605.
Encontra-se figurada por João
Teixeira Albernaz, o velho em
"um retângulo de pergaminho em que se vê o projeto de edifício e do forte sobre a lajem do
porto, que se há de fazer. Quem soerguer este retângulo de pergaminho vê a dita
lajem desenhada na folha maior",
a ser artilhado com seis peças, no
formato de polígono quadrangular regular. Num outro exemplar da mesma
obra, o referido projeto já está definitivamente incorporado ao desenho da
planta, o que indica que o início da sua construção é posterior a 1612.
Terminado
em 1623,
no Governo-Geral de D. Diogo de
Mendonça Furtado (1621-1624), esteve
inicialmente artilhado com dezenove peças de diversos calibres. Durante a
invasão holandesa de 1624,
foi a primeira praça ocupada pelos conquistadores, que dele dispararam as balas
incendiárias que aterrorizaram os moradores da cidade, facilitando a invasão.
Anos mais tarde, entre abril e maio de 1638, durante a tentativa de invasão do Conde Johan Maurits van Nassau-Siegen (1604-1679), também teve papel decisivo,
logrando manter a esquadra holandesa à distância.
Dentro
do contexto da Guerra da Restauração da independência de Portugal, e da campanha pela expulsão dos
neerlandeses da Região
Nordeste do Brasil (Insurreição
Pernambucana), a reconstrução deste forte
foi determinada pela Carta-régia de 4 de outubro de 1650, durante o Governo-Geral de João Rodrigues
de Vasconcelos e Sousa (1649-1654),
atendendo o (...) quanto convinha fazer-se um forte no baixo surgidouro
dessa Bahia, reforçando a defesa proporcionada pela Bateria da Ribeira, o Forte de
São Paulo da Gamboa e o Forte de
São Pedro, com os quais cruzava fogos.
Com
risco ou traças e técnicas vindas do reino, possivelmente inspirado no Forte de
São Lourenço do Bugio (onde
se desenvolvia nova etapa construtiva entre 1643-1657), a nova obra, a cargo do
engenheiro francês Filipe
Guiton, iniciou-se ainda em 1650,
pela construção de um enrocamento em torno do recife, com pedras de arenito extraídas da pedreira da Preguiça (no
Sodré) e de Itapagipe, transportadas em barcaças. Concluído em 1652, o interior do enrocamento passou a ser
preenchido com pedra calcária oriunda do lastro dos navios do Reino, aqui
carregados com açúcar e madeira de lei.
Guiton trabalhou nestas obras até falecer, em 1656.
Nesta
altura, iniciava-se a muralha do torreão em pedra de granito, oriundo do Recôncavo baiano. No ano seguinte (1657), o seu conterrâneo Pedro
Garcin, que até então trabalhava nas
fortificações da capitania
de Pernambuco, assumiu as obras deste
forte. Uma notícia, datada de 1661,
quando o forte passou à invocação de São Marcelo, dá conta de que a muralha do
torreão central ainda se encontrava incompleta, faltando um lance para atingir
a altura projetada, concluída no ano seguinte, quando se erguia a 15 metros
acima do nível do mar. Em 1664 encontravam-se
em progresso a cisterna ao
centro do torreão e os compartimentos dos doze quartéis, com as entradas
voltadas para o exterior, onde as barcaças seguiam despejando as pedras que
formavam o terrapleno circular envolvente. No ano de 1670 um relatório, dirigido ao
governador-geral Afonso
Furtado de Castro do Rio de Mendonça (1671-1675),
dava conta do progresso dos trabalhos no Forte de Nossa Senhora do
Pópulo. Nesta ocasião, o engenheiro militar Antônio
Correia Pinto inspecionou as obras e
passou a dirigir os trabalhos de construção, sendo o perímetro do terrapleno
envolvente aumentado para cerca de 220 metros de circunferência.
Um
pouco antes da invasão francesa de Jean-François Duclerc ao Rio de
Janeiro (Agosto-Setembro
de 1710),
expondo as fragilidades da defesa colonial, um relatório de 17 de Junho desse
ano, de autoria do mestre-de-campo de Infantaria, Miguel
Pereira da Costa, criticava o projeto
executado no forte do Pópulo, propondo soluções. No escopo do projeto de defesa
de Salvador da autoria do Brigadeiro João Massé (1713), eram propostas novas modificações para
aumento do poder de fogo deste forte. Atendendo a essas sugestões, em 1717, o vice-rei D.Pedro Antônio de Noronha Albuquerque e Sousa (1714-1718), iniciou-lhe trabalhos de
ampliação do terrapleno envolvente aumentado em cerca de meio metro de altura e
para cerca 241 metros de circunferência, estando concluídos com as novas
canhoneiras do torreão ("bateriaalta") e da plataforma do terrapleno
("bateria baixa"),
em 1728, no governo do vice-Rei e
Capitão-General-de-Mar-e-Terra do Estado do Brasil, D. Vasco
Fernandes César de Meneses (1720-1735),
conforme placa epigráfica sobre o portão de entrada.
O
forte encontra-se representado em iconografia do Capitão José António Caldas na "Notícia Geral de toda esta Capitania da Bahia desde o
descobrimento até o prez.te ano de 1759", quando se encontrava
artilhado com cinquenta e quatro peças de ferro e bronze de diversos calibres.
Trabalhos
de reforma são concluídos nas dependências do forte em 16 de agosto de 1772. Encontra-se representado numa iconografia
de Carlos Julião, sob o nome de " Forte do Mar", ilustrada com os
desenhos de trajes típicos femininos, novamente com o perfil da cidade do
Salvador, pelo capitão José
Francisco de Sousa (1782), e também, em iconografia de Luiz
dos Santos Vilhena (1798).
No
contexto das Guerras Napoleônicas, o forte encontrava-se artilhado com quarenta e cinco peças de ferro e
bronze de diversos calibres (1803).
No contexto da vinda da Família Real portuguesa para o Brasil, as defesas costeiras da colônia foram
inspecionadas e reforçadas. Naquele momento, quando da passagem do príncipe-regente por Salvador (1808),
o forte contava com quarenta e seis peças de ferro e bronze de diversos
calibres (GARRIDO, 1940:89).
Em 1810, um relatório de inspeção preparado por uma
comissão chefiada pelo brigadeiro Galeão e integrada pelo Coronel Manoel Rodrigues
Teixeira, o tenente-coronel José Francisco de Sousa, o Capitão Joaquim Vieira
da Silva e o Engenheiro João Teixeira Leal (autor das ilustrações), apontava a
necessidade de erguer um anel perimetral no terrapleno envolvente, com altura
igual à do torreão central. Na ocasião, a bateria alta encontrava-se artilhada
com dezesseis peças de ferro e quatro de bronze de diversos calibres, enquanto
que na bateria baixa computavam-se vinte e nove peças de ferro montadas em seus
reparos e uma de bronze, um antigo pedreiro e dois morteiros. Atendendo às recomendações desse relatório,
desenvolveram-se obras de remodelação no forte, entre 1810 e 1812, a cargo de D. Marcos de
Noronha e Brito, obras que conferiram a atual
configuração ao forte. Naquele último ano, a sua artilharia estava reduzida a
quarenta e seis peças de ferro e bronze de diversos calibres.
Durante
o século XIX o
forte esteve envolvido na maioria dos conflitos políticos em Salvador:
Durante a Guerra da
independência do Brasil (1822-1823),
abandonado pelas tropas portuguesas em retirada, o patriota João das Botas,
líder da frota decanoas e
de saveiros que
bloqueava Salvador, aqui hasteou uma bandeira verde e amarela (2 de julho de 1823);7
Como prisão política,
abrigou Cipriano
José Barata de Almeida (1762-1838),
por suas críticas ao fechamento da Assembleia
Constituinte (novembro de 1823),
assim como os emissários da Confederação
do Equador (1824);
No contexto da Revolução federalista do Guanais (1832-1833), serviu de prisão em 26 de agosto de 1832 a cerca de oitenta integrantes deste
movimento irrompido na vila de Cachoeira desde 19 de fevereiro,
sob a liderança do vereador e capitão de milícias, Bernardo
Miguel Guanais Mineiro(detido
a 23 de fevereiro), que pretendia tornar a Bahia independente do Império, com o
fuzilamento do Imperador. No ano seguinte, os detidos no forte se amotinaram,
dominando a guarnição e hasteando a bandeira de listas verticais, nas cores
azul, branca e azul (26 de abril de 1833). Em seguida, utilizando a artilharia do forte,
bombardearam a cidade durante quatro dias, até serem dominados, a 30 de abril.
Quando da Revolta dos Malês (25 de janeiro de 1835),
africanos das etnias hauçá e nagô, de religião islâmica, que defendiam o fim do catolicismo,
o assassinato e confisco dos bens de todos os brancos e mulatos e a implantação
de uma monarquia islâmica,
com a escravidão dos
não muçulmanos, os seus líderes aqui foram aprisionados, tendo cinco deles sido
fuzilados.
Durante a Guerra dos Farrapos (1835-1845) recolheu o líder farroupilha Bento Gonçalves (1788-1847),
que de lá escapou (10 de setembro de 1837)
após ter sido vítima de uma tentativa de envenenamento;
Durante a Sabinada, foi o último reduto dos revoltosos republicanos,
ali tendo sido aprisionando em seguida, entre os seus líderes, o
cirurgião Francisco Sabino Álvares da Rocha Vieira (1838) e mais outros duzentos e oitenta
revoltosos.
A
partir de 1855 as
dependências do forte foram entregues ao Ministério da Marinha. Nesse período,
foi instalado um farol de
sinalização, destinado a auxiliar a movimentação de embarcações no porto de
Salvador. Este pequeno farol operou por um século, de 1857 a 1957.
O
forte não escapou ao olhar crítico do Imperador D. Pedro II (1840-1889),
que registrou em seu diário de viagem: "6 de outubro [de 1859] - (...)
As iluminações das casas que eu vejo daqui estão bonitas, e principalmente a do
Forte do Mar que de dia parece um empadão. Está aí o depósito de pólvora,
ameaçando a cidade, (...)". E,
em visita, dias mais tarde, complementou:
"29 de outubro - Saí às 6 1/2 e fui ao forte de São Marcelo ou do Mar. Custou a
atracar e quando a ressaca é forte não se pode fazê-lo. O forte é circular, com
um fosso interno em parte ocupado por diversas plantas e um quintalzinho e que
separa a muralha do corpo central, igualmente circular, e coberto por abóbada
que ajunta água, numa cisterna. Tem trinta peças e igual número de praças cujo
alojamento assim como as outras acomodações são más, por acanhadas e muito
pouco arejadas. Encontrei a seguinte inscrição sobre o portão interno: 'Vascus?
(não pude ler bem) Fernandes Cesar Menesius totius Brasiliae auspicatissimus
Prorex hanc arcem fine coronavit anno octavo ab apprehenso claro et a Christo
nato 1728' [Vasco Fernandes César Menezes, muito auspicioso Vice-rei de todo o
Brasil, coroou esta cidade no oitavo ano de seu governo e no de 1728 do
nascimento de Cristo]".
A
função de Depósito de Pólvora se manteve até 1861. No contexto da Questão Christie (1862-1865), sofreu alguns reparos. O Relatório do Estado
das Fortalezas da Bahia ao Presidente da Província (3 de agosto de 1863), dá-o como reparado, citando:
"Demora
no meio do porto desta Cidade, defronte do Arsenal de Marinha e a 760 braças do
Forte da Gamboa, que lhe fica a N. É circular, à barbeta, com o desenvolvimento
de 1.212 palmos e monta 30 peças de calibre 32.
Está
pronto; mas convém que o terrapleno do lado de terra seja cimentado, completas
as guardas das rampas, outras ligeiras reparações e substituição de ferragens
do portão e janelas".
Passou,
a partir desse ano (1863),
a ser utilizado como Quartel da Companhia de Aprendizes Marinheiros, estando
artilhado em 1865 com
trinta peças de ferro e bronze de diversos calibres.
Voltou
a ser subordinado ao Ministério da Guerra em 1880, quando sofreu reparos para acantonar um
destacamento de Artilharia (GARRIDO,
1940:90). Sobre o portão de entrada, o escudo de armas do Império foi mutilado
após a proclamação da República (1889), quando a coroa monárquica foi substituída por
uma estrela de cinco pontas. Serviu novamente como prisão até 1900, aí tendo sido detidos à época, militares,
autoridades e estudantes relapsos e/ou indisciplinados.
Forte de São Marcelo, Salvador: o forte visto do mar.
O
forte foi utilizado para bombardear
novamente a cidade de Salvador,
agora juntamente com o Forte
do Barbalho e com o Forte de
São Pedro (10 de janeiro de 1912), no contexto da Política das
Salvações do Presidente da
República, Hermes da Fonseca (1910-1914). Na ocasião foram alvejados opalácio do governador estadual , a Prefeitura Municipal, o Teatro de São João e a Biblioteca Pública de Salvador, que se incendiou, com a perda
de importantes documentos históricos do Arquivo
Público da Bahia.
De 1912 a 1915 esteve artilhado com canhões Krupp 75mm L/28 e de 8 c/c e Withworth,
guarnecido por um destacamento do 4º
Batalhão de Posição.13Retornou
à jurisdição do Ministério da Marinha, que nela alojou uma Companhia de Fuzileiros
Navais, sua artilharia salvando nos
dias feriados ainda em1926. À
época desse autor (1940)
funcionavam nas dependências do forte um pequeno farol e um posto semafórico.
Encontra-se
tombado pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional desde 23 de maio de 1938, tendo se procedido a recuperação do cais de atracação (escada externa) em 1942. Entre 1965 e 1967, a Prefeitura Municipal de Salvador, sob
orientação do Patrimônio Histórico, procedeu a alguns reparos.
No
período de 1978 a 1983 foram procedidos alguns trabalhos de
restauração pelo IPHAN, visando à instalação do Museu Arqueológico do
Mar, voltado para o modelismo naval e a arqueologia submarina,
com acervo do Serviço de
Documentação da Marinha e
o apoio do 2º
Distrito Naval, o que não se materializou.
Por apresentar fissuras nas paredes, suas dependências internas foram novamente
restauradas em 1989.
Para os aficionados da telecartofilia,
sua vista aérea ilustra um cartão telefônico da série Fortes de Salvador, emitida pela Telebahia em junho de 1998.
Recentemente,
em 2000,
o cais de atracação foi novamente recuperado, com a instalação de uma
plataforma flutuante para comodidade de acesso de visitantes.
Reaberto
à visitação pública desde 12 de novembro de 2004, encontra-se requalificado com atividades
culturais, de lazer e de turismo, envolvendo uma parceria
público-privada entre o Governo do
Estado da Bahia e a Associação Brasileira dos Amigos das Fortificações Militares
e Sítios Históricos (ABRAF).
Forte de São Marcelo, Salvador: corredor interno.
Com
uma área total construída de 2.500 metros quadrados,
o seu projeto original, em estilo renascentista, visava melhor resistir às correntes e às marés, permitindo o tiro em qualquer direção na
defesa da cidade e porto do Salvador, cruzando fogos com o Fortim de
São Fernando (que deu lugar ao prédio
da Associação Comercial em 1818) e ao Forte de
São Paulo da Gamboa.
A
sua estrutura, em cantaria de arenito até a linha d'água e o restante em alvenaria de pedra irregular, é integrada por um
torreão central com planta em forma circular com as dimensões de 15 metros de
altura por 36 metros de diâmetro (cerca de 145 metros de circunferência), um
pátio de
10
metros de largura, que separa a torre de um anel perimetral de planta aproximadamente
circular (achatada na direção leste voltada para a cidade) com 15 metros de
largura (cerca de 241 metros de circunferência). O piso do anel perimetral tem
altura de 15 metros acima do terrapleno (exceto na direção leste voltada para a
cidade que é de 12 metros, unidos por duas rampas opostas, a Norte e a Sul).
Até 1810 o
Forte era formado por um torreão central guarnecido por troneiras e um terrapleno com troneiras que o circundava. Essa
disposição o tornava vulnerável, pois a pequena altura do torreão tornava a
bateria da praça alta de tiro um alvo fácil das embarcações inimigas. Sob o
torreão ficam a cisterna,
o calabouço, a capela,
o armazém da pólvora e
os quartéis que a partir da construção da nova praça alta de tiro sobre o
terrapleno perimetral se transformaram em celas. Sobre a nova construção ficam
o corpo da guarda, a cozinha e
os quartéis da guarda e do comandante. Estas salas, retangulares, têm cobertura
em abóbada de
berço, e, exceto as situadas à direita do portão de entrada, não tem
comunicação entre si, apenas o vão da porta que se abre para o corredor
circular separando o anel perimetral do terrapleno central.
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