sexta-feira, 6 de junho de 2014

O PELÔ DE ONTEM E O DE HOJE


Junot Silveira
A Tarde, 04 de abril de 1993

Dois antigos casarões ressuscitaram pretos e brancos. Reergueram-se pobres e ricos. Reapareceram senhores e escravos. Todos alegres. Todos em festa. Todos de mãos dadas, que a escravidão já se fora
embora quando o Pelourinho ainda vivia outro tempo de glória. A segunda glória do Pelô chega em outros tempos de modernidade, em fase de plena democracia.
Quem diria, hein!
Quem diria que todas as raças, todos os sangues correndo nas veias de um povo, um povo só, o mesmo povo seria o mais amigueiro, o mais festivo, o mais alegre e o mais animado deste mundo? Um povo dengoso, cheio de rezas e santos, de patuás e orações, como esse povo diferente e místico, mais místico e diferente do mundo, que é o da Bahia.
Diferente das gentes da Europa, da Ásia, das Américas, da Oceania, mas que a todos encanta com os encantos que trouxe da África e ampliou na Bahia!
Tendo apanhado de chibata ao atravessar o Atlântico, nos engenhos de açúcar, trabalhando nos canaviais, movimentando as moendas, enchendo e virando os tachos de melaço, plantando e colhendo café sob o olhar duro e o chicote mais duro ainda dos feitores! Ou nas ruas das grandes cidades, como Salvador da
Bahia, conduzindo sobre os ombros as cadeirinhas de arruá com senhores e sinhazinhas!
Os pretos tremendamente sofridos, também tiveram os seus momentos de rebeldia, como os Palmares, mostrando coragem de fera. Como também mostravam a mesma coragem de fera ao lado de brancos e índios, para expulsar holandeses e franceses. Êta Brasil diferente! Tão diferente que três etnias distintas se amalgamaram ao longo do tempo, na guerra e na paz, e delas formou-se um contingente pobre, um aglomerado imenso, uma massa numerosa, um povo unido pela língua, pelos costumes, pela religião e pelas tradições. É esse o liame que se fortalece dia após dia, queiram ou não queiram uns poucos portadores de espírito nazista.
Veja-se agora o que está acontecendo com o Pelourinho. De bairro rico ficou pobre, tornou-se ruína e, graças ao esforço de Antonio Carlos Magalhães, recuperou sua beleza arquitetônica com uma nova e movimentada vida social.
Já não será o bairro de ricos de outrora e nem o de restos humanos que por muito tempo apresentou à sociedade baiana. Não mais será o lugar onde negros foram torturados, castigados, punidos. Nem também o bairro da pobreza extrema, mas o da arquitetura mais bonita de Salvador e talvez do mundo. E, mais do que tudo isso, um grande palco, onde as artes e a beleza estarão expostas, mostrando os talentos e os encantos da Bahia.



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