Junot Silveira
A Tarde, 04 de abril de
1993
Dois antigos
casarões ressuscitaram pretos e brancos. Reergueram-se pobres e ricos.
Reapareceram senhores e escravos. Todos alegres. Todos em festa. Todos de mãos
dadas, que a escravidão já se fora
embora quando o Pelourinho ainda vivia outro
tempo de glória. A segunda glória do Pelô chega em outros tempos de
modernidade, em fase de plena democracia.
Quem diria,
hein!
Quem diria
que todas as raças, todos os sangues correndo nas veias de um povo, um povo só,
o mesmo povo seria o mais amigueiro, o mais festivo, o mais alegre e o mais
animado deste mundo? Um povo dengoso, cheio de rezas e santos, de patuás e
orações, como esse povo diferente e místico, mais místico e diferente do mundo,
que é o da Bahia.
Diferente
das gentes da Europa, da Ásia, das Américas, da Oceania, mas que a todos
encanta com os encantos que trouxe da África e ampliou na Bahia!
Tendo
apanhado de chibata ao atravessar o Atlântico, nos engenhos de açúcar,
trabalhando nos canaviais, movimentando as moendas, enchendo e virando os
tachos de melaço, plantando e colhendo café sob o olhar duro e o chicote mais
duro ainda dos feitores! Ou nas ruas das grandes cidades, como Salvador da
Bahia, conduzindo sobre os ombros as cadeirinhas de arruá com senhores e
sinhazinhas!
Os pretos
tremendamente sofridos, também tiveram os seus momentos de rebeldia, como os
Palmares, mostrando coragem de fera. Como também mostravam a mesma coragem de
fera ao lado de brancos e índios, para expulsar holandeses e franceses. Êta
Brasil diferente! Tão diferente que três etnias distintas se amalgamaram ao
longo do tempo, na guerra e na paz, e delas formou-se um contingente pobre, um
aglomerado imenso, uma massa numerosa, um povo unido pela língua, pelos
costumes, pela religião e pelas tradições. É esse o liame que se fortalece dia
após dia, queiram ou não queiram uns poucos portadores de espírito nazista.
Veja-se
agora o que está acontecendo com o Pelourinho. De bairro rico ficou pobre,
tornou-se ruína e, graças ao esforço de Antonio Carlos Magalhães, recuperou sua
beleza arquitetônica com uma nova e movimentada vida social.
Já não será
o bairro de ricos de outrora e nem o de restos humanos que por muito tempo
apresentou à sociedade baiana. Não mais será o lugar onde negros foram
torturados, castigados, punidos. Nem também o bairro da pobreza extrema, mas o
da arquitetura mais bonita de Salvador e talvez do mundo. E, mais do que tudo
isso, um grande palco, onde as artes e a beleza estarão expostas, mostrando os
talentos e os encantos da Bahia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário