Colaboração
de Antonio Abreu
Pesquisador da Embrapa Gado de Corte, agrônomo com
mestrado (1992) e doutorado (2002) pela ESALQ/USP, especialista em nutrição
animal, atuação em pesquisa com os seguintes temas: exigência e eficiência na
produção animal, qualidade de produtos animais e soluções tecnológicas para
produção sustentável. Nas horas vagas, toca violino e, de atividade física,
nada! sergio.medeiros@embrapa.b
As disputas comerciais entre países assemelham-se a
uma luta em que, num cenário oficial de boxe, se desenrola uma selvagem luta
livre. Elas têm juízes e regras, mas, não raro um dos lutadores está em frente
ao juiz batendo as luvas em cumprimento ao oponente, mas dando uma boa canelada
por baixo.
Uma dessas disputas que interessa a pecuária
nacional envolve o uso da ractopamina, um aditivo da classe dos beta-agonistas.
Estes aditivos são muito interessantes, pois alteram a repartição de
nutrientes, fazendo com que ocorra maior deposição de tecido muscular em
detrimento do tecido adiposo. Isso faz com que uma maior parte do alimento
ingerido pelo animal converta-se em carcaça, melhorando sua eficiência
alimentar.
Eles têm uso estratégico em confinamento, de maneira
a fazer com que um animal considerado terminado, ganhe até uma arroba a mais. A
relação benefício:custo, aos preços propostos pelos fabricantes, seria bem
interessante.
Em junho do ano passado, dois beta-agonistas foram
aprovados pelo nosso Ministério da Agricultura: a ractopamina e o zilpaterol,
produzidos respectivamente pela Elanco e MSD.
A questão é que, apesar de aprovados, a venda dos
produtos ocorreu apenas por um breve período. As próprias indústrias aceitaram
uma moratória na comercialização, em função de sérias ameaças de suspensão de
importação da carne brasileira por países que tem restrição ao uso destes
aditivos. Foi proposto, pelas partes envolvidas no Brasil, a criação de um
protocolo de segregação que permitiria separar carcaças produzidas sem uso dos
beta-agonistas e, assim, atender os importadores que não os aceitam.
O protocolo ainda está sendo discutido, mas está
havendo grande dificuldade em finalizá-lo, pelo enorme desafio que é atender
todas as situações que ocorrem no Brasil com relação à produção de carne.
Um aspecto importante desta disputa comercial é que,
em Julho do no ano passado, foi definido no Codex Alimentarius um limite máximo
de tolerância para os beta-agonistas. A Comissão do Codex Alimentarius (CCA),
instituído pela FAO e pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1963, dita
padrões de alimentos, diretrizes e códigos de conduta para proteger a saúde dos
consumidores e o comércio justo entre os países. Este último porque o Codex
Alimentarius é usado como a referência pela Organização Mundial do Comércio
(OMC) para prevenir que um país alegue a boa intenção de defesa da saúde de seu
cidadãos, quando, na realidade, seu objetivo é levantar uma barreira não
tarifária e reduzir artificialmente a concorrência.
Um exemplo que ilustra muito bem a quase luta-livre
das contendas na OMC é a do banimento de carne com hormônios pela Comunidade
Europeia (CE). Ocorre que, o Codex Alimentarius considera, a luz da
ciência, o uso destes produtos seguro. Por causa disso, no início dos anos
1980, os EUA entraram no Organização Mundial do Comércio (OMC) com uma demanda
contra a CE alegando que essa proibição era na verdade uma barreira não
tarifária injustificada. Além do Codex Alimentarius, os
americanos usaram dados de três comitês científicos
europeus que concordavam que o uso destas substâncias não trazia risco à
população. Em 1997, OMC deu ganho de causa aos EUA, que, assim, foi autorizado
a retaliar unilateralmente a CE num valor arbitrado que seria semelhante ao prejuízo
causado pela restrição injustificada. Isso tem acontecido deste então, apenas
com a novidade que, em 2008, a OMC manteve a permissão para os EUA continuarem
a retaliação, mas surrealisticamente permitiram, ao mesmo tempo, a CE a
manter o banimento das carnes com hormônios.
No caso da ractopamina, os Europeus se queixam de
alguns pontos quanto à aprovação. O primeiro deles, seria que, ao contrário da
maioria das definições de limites máximo de resíduos, que no CCA são definidos
por consenso, o da ractopamina foi por votação e com um placar apertado: 69
contra 67 (mais sete abstenções). Outros pontos seriam: a) Foi definido o
máximo que deveria ter de resíduo no pulmão do animal tratado, mas antes de
definir o consumo de pulmão pelos diferentes mercados b) Não ter um período de
carência, como outras drogas e c) problemas à saúde e ao bem estar animal.
Adicionalmente, a Autoridade Europeia para a
Segurança dos Alimentos revisou
o trabalho do Comitê do Codex Alimentarius e criticou os dados e as
metodologias para definir o consumo aceitável diário. Criticaram, também, que
populações de maior risco não teriam sido levadas em consideração. Com base
nisso, a CE mantém sua posição contra a liberação da carne de animais tratados
com ractopamina.
A FAO e a OMS garantem que o processo foi seguido
dentro dos mais elevados padrões de confiabilidade. Além disso, os países em
que a ractopamina é usada há alguns anos tem suas próprias populações
consumindo carne dentro dos limites propostos e sem que haja registro de problemas.
A CE vem, por sua vez, dando seguidos exemplos de
atuação contrária à adoção de novas tecnologias que trazem eficiência e
competitividade. Além do exemplo da carne com hormônio citado acima, ainda é
bem vívida na lembrança a grande resistência da
CE aos alimentos geneticamente modificados, cujas
evidências de segurança, bem como de redução de danos ambientais são cada vez
maiores.
Em que pese haver europeus bem intencionados e
interessados efetivamente em proteger a população de riscos à saúde, esse tipo
de comportamento cai como uma luva para manter uma agropecuária toda baseada em
subsídios, em que aumento de eficiência é pecado mortal e não virtude!
O resumo da ópera (bufa) desta situação é que,
apesar da não aceitação da carne com resíduo de ractopamina dentro do limite
aceitável ser arbitrado pela OMC como injusta, o único caminho caso o Brasil
queira fazer valer seus direitos é o confronto. Neste particular, o histórico
na OMC mostra que esses confrontos são longos e, eventualmente, de resultados
indiretos (como no caso dos EUA e da carne com hormônio para a CE). Enfim,
realmente a melhor opção seria ter um sistema de segregação confiável e
funcional para atender aos diferentes mercados. Seria justo, também, que o
importador da carne sem uso do aditivo tivesse que pagar mais por ela, uma vez
que o produtor abriu mão de usar tecnologia que reduziria seu custo.
O que precisamos é, cada vez mais, estar atentos às
questões de comércio internacional e capacitar mais brasileiros para atuarem
nesse ringue ensaboado. Isso implica desde profissionais altamente treinados em
questões de resíduos e saúde até peritos de várias áreas em comércio
internacional.
Nota do autor: Esse é o
primeiro artigo cujo tema foi sugerido por um leitor, inaugurando a interatividade
colunista-leitor. Meus agradecimentos ao Filipe Simões Correa.
Em
quem acreditar?
Repasso...
ENTENDA O PORQUÊ DE TANTA PROPAGANDA DA
FRIBOI
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