segunda-feira, 20 de outubro de 2014

DECÁLOGO POLÍTICO DO ESTADISTA ULÍSSES GUIMARÃES

Política: história

Texto extraído do blog de Guilherme Fonseca Cardoso

O jornalista Jorge Bastos Moreno brindou o país, no dia 28 de setembro de 2006, com um texto brilhante no qual incluiu uma síntese do “Decálogo do Estadista” de Ulysses Guimarães. Vale a pena ler, reler e guardar.

CORAGEM – O pusilânime nunca será estadista. Churchill afirmou que das virtudes a coragem é a primeira. Porque sem ela, todas as demais, a fé, a caridade, o patriotismo, desaparecem na hora do perigo. Há momentos em que o homem público tem que decidir, mesmo com risco de sua vida, liberdade, impopularidade ou exílio. Sem coragem não o fará. César não foi ao Rubicon para pescar, disse André Malraux. Se Pedro I fosse ao Ipiranga para beber água, suas estátuas não se ergueriam nas praças públicas do Brasil. O medo tem cheiro. Os cavalos e cachorros sentem-no, por isso, derrubam ou mordem os medrosos. Mesmo longe, chega ao povo o cheiro corajoso de seus líderes. A liderança é um risco, quem não assume não merece esse nome.

TALENTO – Não há estadista burro. Há de ser talentoso, embora possa não ter cultura. Tiradentes e Juarez não tiveram cultura, mas foram estadistas, porque tiveram talento político. Como o samba, o talento não se aprende na Academia. A pessoa é gratificada com o talento. Talento é o dom de acertar. A política a arte do bem-estar e da salvação popular. Político é aquele que tem talento de consegui-la.

CARÁTER – Na conceituação de Milton Campos, o estadista tem “a posição de suas ideias e não as ideias de sua posição”. Não é um oportunista, o que se serve da política em lugar de servi-la, o que só pensa nas eleições futuras e não no futuro do País. Político de caráter é fiel às ideias, não à carreira. Pode perder o poder, o emprego, a liberdade, mas não renega as ideias, não perde a vergonha. Galileu foi grande físico, porém, como estadista, não entraria na História. Quem por medo se retrata não é estadista.

PACIÊNCIA – A impaciência é uma das faces da estupidez. Paciência é competência para fazer a hora, não se precipitar, seguindo a receita do Geraldo Vandré: “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. O estadista tem a paciência de escutar, não é falastrão. Tem a santa paciência de escutar! A misericordiosa paciência de ouvir, inclusive os chatos que “não o deixam só e não lhe fazem companhia”, como lamentava o filósofo Benedito Croce. Isso é o que dá enfarte e úlcera no duodeno. Como peixe, o mau político apodrece pela cabeça, morre pela boca. Um jovem desejoso de se dedicar à política foi aconselhar-se com Sarmiento: “Coma-se la lengua”, recomendou o estadista argentino. Em política deve-se evitar ao máximo proferir palavras irreparáveis.

AUTORIDADE – A autoridade é um atributo inato. É consubstancial ao político. A competência funcional é dada pelo cargo, a autoridade é pessoal, o homem público é gratificado por ela. É imantação misteriosa e sedutora, irresistível, temperada de respeito e admiração. Homem iluminado pela autoridade é visto por todos, ouvido por todos, onde está é o polo da atração. Quando o presidente de Portugal, Craveiro Lopes, visitou o Brasil, sua senhora me disse que em concorrida recepção no Palácio São Bento, em Lisboa, de repente “sentiu”, embora não visse, que na sala entrara alguém: “Era o presidente Juscelino Kubitschek que acabava de chegar”. Líder da oposição ao Governo de Ademar de Barros, em São Paulo, fui ao Rio falar com Marcondes Filho, presidente do Senado. Ao seu convite, fomos ao Catete. Quando saiu do gabinete do presidente Café Filho, estava furiosa: “Já disse ao Café Filho”, explicou-me “que a presidência da República também é ritual. Ele não pode admitir a liberdade que se deu o senador Giorgino Avelino, dependurando-se em seu ombro. Com o Getúlio Vargas ninguém teria essa ousadia”. Pouca gente tratava Getúlio Vargas de “tu”, creio que só o Osvaldo Aranha, Flores da Cunha e João Neves da Fontoura. Quando Marcondes Filho foi nomeado Ministro do Trabalho de Getúlio, perguntaram a Agamemon Magalhães sua opinião: “Não acredito que o Marcondes dê bom Ministro. Ele se emociona quando vai falar com o Presidente”. Reverencial, não poderia ser o conselheiro franco e independente.

ORDEM – São Tomaz de Aquino disse que a ordem é as coisas no seu lugar. Para isso é preciso hierarquizar e selecionar. É a capacidade de escolher. Quem confunde as coisas, desconhece prioridades, não tem senso de ordem. O estadista discrimina o essencial e o urgente para praticá-los. Exemplo prático de decisão que não é de estadista: a ponte Rio-Niterói. Isolada é importante, mas no contexto de outras, angustiosas e inadiáveis, desrespeitou a hierarquia e a ordem. Por saber disso, é que Kennedy afirmou que “governar è dirigir pressões”. Quem cuida de coisas pequenas acaba anão. É síntese da ordem o provérbio oriental: “Como meu pai negociava com poeira foi destruído por um golpe de ar”.

Ulysses Guimarães

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