segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

PADRE ANTÔNIO VIEIRA, FREI BASTOS E GASPAR SADOC, OS TRÊS MAIORES ORADORES SACROS DA BAHIA.

 Crônica de Luiz Carlos Facó

P. Antônio Vieira

A Bahia teve e tem o privilégio de abrigar os melhores oradores sacros do Brasil. O padre Antônio Vieira, o Frei Francisco Xavier de Santa Rita Bastos Baraúna, simplificando, frei Bastos e o monsenhor Gaspar Sadoc da Natividade.
Do exemplar Vieira, tudo já foi dito. A sua história corre de livro em livro, de boca em boca. As suas cartas e sermões são publicados em edições sucessivas. Dissecá-los só valeria a pena para fazermos a exegese do texto e avaliarmos com maior profundidade a exata grandeza do pensador. De qualquer sorte, é sempre bom tê-los ao nosso alcance, pois nos embriagam de sabedoria e nos deleitam. A exemplo do trecho da carta dirigida à nobreza de Portugal, datada de 31 de julho de 1694, onde a genialidade do autor ruge como vendaval: “É coisa tão natural o responder, que até os penhascos duros respondem, e para as vozes têm eco. Pelo contrário é tão grande violência não responder, que aos que nasceram mudos fez a natureza também surdos, porque se ouvissem, e não pudessem responder, rebentariam de dor.”

Frei Bastos, muito pouco conhecido entre nós brasileiros, e em particular por nós baianos, é nato em Salvador, aos 3 de dezembro de 1778. Viu-se compelido, pela autoridade paterna, a seguir carreira religiosa. Malgrado seus protestos, a ela submeteu-se sem vocação. O hábito franciscano que vestiu, representativo das virtudes cristãs, jamais lhe serviu de freio para que não as atropelasse.

Gaspar Sadock

No livro de sua lavra História da Literatura Brasileira, Silvio Romero, gênio sergipano, nos diz daquele esteta da palavra. : “Foi um grande talento inutilizado pela libidinagem...” Já o poeta Junqueira Freire, beneditino por escolha, comparou-o ao grande pensador francês Bossuet. E, para registrar toda a sua admiração por aquele espírito rebelde, dedicou-lhe um poema cujos versos mais significativos valem a pena recitar:
“Desces do altar à crápula homicida,
Sobes da crápula aos fulmíneos púlpitos.
Ali teu brado lisonjeia os vícios,
Aqui atroa, apavorando os crimes.
E os lábios rubros dos famintos beijos
Disparam raios que as paixões aterram.
Por que te afogas, Bossuet brasíleo,
No mundo pago da lascívia impura?”
Num domingo festivo, pelos idos de 1806, Frei Bastos, diante de autoridades eclesiásticas e do seu rebanho, se é que o tinha, subiu ao púlpito e pronunciou mais um dos seus sermões, cuja oração inicial carregava a seguinte construção: “Maldito seja o pai, maldito seja o Filho e maldito seja o Espírito Santo”.
O burburinho dos fiéis, diante de tanta heresia, ressoou pela nave da catedral. O Arcebispo D. Frei José de Santa Escolástica, tomado de revolta, quando sinalizava retirar-se do templo, ouviu ecoar o voz do pregador, dando segmento a sua afirmativa inicial: “Assim dizem os incrédulos, os ateus e os condenados; eu vos concito, entretanto, irmãos, que bendigais o Pai, o Filho e o Espírito Santo, as três legítimas e verdadeiras pessoas da Santíssima Trindade”. Diante daquele inesperado desfecho, a plateia se fez silente para ouvi-lo pronunciar a sua mais controversa e eloquente homilia.
Abordo esses dois cimos, verdadeiras acrópoles da oratória sacra baiana, para falar daquele que é o mais festejado da nossa urbe, neste século: Monsenhor Gaspar Sadoc da Natividade. E o faço, não por ser seu amigo e um dos seus arrebanhados. Mas porque conjugo com os seus acólitos a admiração que nutrem por sua figura portentosa e pelos seus predicados de seriedade e intelectualidade já imortalizados como membro da Academia de Letras da Bahia.
Há algum tempo, escrevi para um jornal local um artigo em regozijo pela passagem do seu aniversário. Mesmo sabendo-o esmaecido pela minha falta de talento, dele dou lume, novamente, a alguns trechos, porquanto escritos com as tintas do meu coração. Ei-los:
Como seus irmãos Belquior e Baltazar, Gaspar tem nome de rei. Mas Gaspar não ficou soberano somente no nome. Fez-se alteza na vida através de suas ações, da sua retidão de caráter, por suas obras assistenciais e pela forma gentil como pastoreia as ovelhas do seu rebanho...
Tolstoi disse: “A fé é à força da vida. Se o homem vive, é porque acredita em alguma coisa”. Gaspar Sadoc vive porque tem fé em Deus, e acreditando na Sua generosidade, sabe que Ele acolherá seus filhos num só abraço.
Nascido em Santo Amaro da Purificação, da mesma geração de dona Canô, mas soteropolitano de coração, é filho de Esmeralda e José Porcino da Natividade, que desde cedo deram aos filhos, três homens e igual número de mulheres, Suzana, Domingas e Judite, “régua e compasso”.
Sadoc fez-se padre, querido em todos os sítios por onde mourejou, na paróquia de São Cosme e Damião, Cristo Rei (São Judas Tadeu) e Nossa Senhora da Vitória, na qual por mais de quarenta anos executou um programa social sem precedentes, proporcionando saúde e educação aos mais necessitados, principalmente crianças e anciãos.
Teria muito mais a falar dessa figura emblemática e querida da Bahia. Contenho-me, por minhas já confessadas deficiências. Mas como a elas não me curvo, num combate árduo e de tirar o fôlego, completarei o que julgo inacabado.
Na hora do seu nascimento, a natureza se fez festiva. Se foi à noite, por certo a luz espargia sua claridade envolvente em forma de véu, esmaecendo o fulgir das estrelas para o nascituro sobressair. Se, durante o dia, o sol derramava sobre o mundo seus raios fulgentes, amarelados como o ouro, que se refletiam naquela criança.
Foi sobre o predomínio da luz, que nasceu e assim permanece até hoje. Não fora dessa maneira como explicar seu brilhar constante? As imagens que rebentam as comportas da sua imaginação e se derramam em prédicas empolgantes para deleite dos seus ouvintes, tais quais águas represadas derrubam, com força titã, as paredes dos açudes? A sua irrepreensível fé em Deus e Nossa Senhora? O devotamento pelo seu rebanho? A dedicação que dispensa aos amigos?
Pressupor outras explicações é transpor a verdade estabelecida para a área da dialética. E eu não o faço, por estar convencido ser ele um ente especial.
Ave, Sadoc, o grande orador sacro da Bahia, que com Vieira e Frei Bastos completa uma tríade de escultores da palavra falada, apontada não por mim, mas pelos grandes da nossa literatura, como notável.  

Um comentário:

  1. Alguém por favor sabe mais informações sobre a família do frei bastos?
    Sabem dizer se ele teve irmã e qual o nome dela ou delas?

    ibdigado

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