Crônica de Luiz Carlos
Facó
P. Antônio Vieira
A Bahia teve
e tem o privilégio de abrigar os melhores oradores sacros do Brasil. O padre
Antônio Vieira, o Frei Francisco Xavier de Santa Rita Bastos Baraúna,
simplificando, frei Bastos e o monsenhor Gaspar Sadoc da Natividade.
Do exemplar
Vieira, tudo já foi dito. A sua história corre de livro em livro, de boca em
boca. As suas cartas e sermões são publicados em edições sucessivas.
Dissecá-los só valeria a pena para fazermos a exegese do texto e avaliarmos com
maior profundidade a exata grandeza do pensador. De qualquer sorte, é sempre
bom tê-los ao nosso alcance, pois nos embriagam de sabedoria e nos deleitam. A
exemplo do trecho da carta dirigida à nobreza de Portugal, datada de 31 de
julho de 1694, onde a genialidade do autor ruge como vendaval: “É coisa tão
natural o responder, que até os penhascos duros respondem, e para as vozes têm
eco. Pelo contrário é tão grande violência não responder, que aos que nasceram
mudos fez a natureza também surdos, porque se ouvissem, e não pudessem
responder, rebentariam de dor.”
Frei Bastos,
muito pouco conhecido entre nós brasileiros, e em particular por nós baianos, é
nato em Salvador, aos 3 de dezembro de 1778. Viu-se compelido, pela autoridade
paterna, a seguir carreira religiosa. Malgrado seus protestos, a ela
submeteu-se sem vocação. O hábito franciscano que vestiu, representativo das
virtudes cristãs, jamais lhe serviu de freio para que não as atropelasse.
Gaspar Sadock
No livro de
sua lavra História da Literatura Brasileira, Silvio Romero, gênio sergipano,
nos diz daquele esteta da palavra. : “Foi um grande talento inutilizado pela
libidinagem...” Já o poeta Junqueira Freire, beneditino por escolha, comparou-o
ao grande pensador francês Bossuet. E, para registrar toda a sua admiração por
aquele espírito rebelde, dedicou-lhe um poema cujos versos mais significativos
valem a pena recitar:
“Desces do
altar à crápula homicida,
Sobes da
crápula aos fulmíneos púlpitos.
Ali teu
brado lisonjeia os vícios,
Aqui atroa,
apavorando os crimes.
E os lábios
rubros dos famintos beijos
Disparam
raios que as paixões aterram.
Por que te
afogas, Bossuet brasíleo,
No mundo
pago da lascívia impura?”
Num domingo
festivo, pelos idos de 1806, Frei Bastos, diante de autoridades eclesiásticas e
do seu rebanho, se é que o tinha, subiu ao púlpito e pronunciou mais um dos
seus sermões, cuja oração inicial carregava a seguinte construção: “Maldito
seja o pai, maldito seja o Filho e maldito seja o Espírito Santo”.
O burburinho
dos fiéis, diante de tanta heresia, ressoou pela nave da catedral. O Arcebispo
D. Frei José de Santa Escolástica, tomado de revolta, quando sinalizava
retirar-se do templo, ouviu ecoar o voz do pregador, dando segmento a sua
afirmativa inicial: “Assim dizem os incrédulos, os ateus e os condenados; eu
vos concito, entretanto, irmãos, que bendigais o Pai, o Filho e o Espírito
Santo, as três legítimas e verdadeiras pessoas da Santíssima Trindade”. Diante
daquele inesperado desfecho, a plateia se fez silente para ouvi-lo pronunciar a
sua mais controversa e eloquente homilia.
Abordo esses
dois cimos, verdadeiras acrópoles da oratória sacra baiana, para falar daquele
que é o mais festejado da nossa urbe, neste século: Monsenhor Gaspar Sadoc da
Natividade. E o faço, não por ser seu amigo e um dos seus arrebanhados. Mas
porque conjugo com os seus acólitos a admiração que nutrem por sua figura
portentosa e pelos seus predicados de seriedade e intelectualidade já
imortalizados como membro da Academia de Letras da Bahia.
Há algum
tempo, escrevi para um jornal local um artigo em regozijo pela passagem do seu
aniversário. Mesmo sabendo-o esmaecido pela minha falta de talento, dele dou
lume, novamente, a alguns trechos, porquanto escritos com as tintas do meu
coração. Ei-los:
Como seus
irmãos Belquior e Baltazar, Gaspar tem nome de rei. Mas Gaspar não ficou
soberano somente no nome. Fez-se alteza na vida através de suas ações, da sua
retidão de caráter, por suas obras assistenciais e pela forma gentil como
pastoreia as ovelhas do seu rebanho...
Tolstoi
disse: “A fé é à força da vida. Se o homem vive, é porque acredita em alguma
coisa”. Gaspar Sadoc vive porque tem fé em Deus, e acreditando na Sua
generosidade, sabe que Ele acolherá seus filhos num só abraço.
Nascido em
Santo Amaro da Purificação, da mesma geração de dona Canô, mas soteropolitano
de coração, é filho de Esmeralda e José Porcino da Natividade, que desde cedo
deram aos filhos, três homens e igual número de mulheres, Suzana, Domingas e
Judite, “régua e compasso”.
Sadoc fez-se
padre, querido em todos os sítios por onde mourejou, na paróquia de São Cosme e
Damião, Cristo Rei (São Judas Tadeu) e Nossa Senhora da Vitória, na qual por
mais de quarenta anos executou um programa social sem precedentes,
proporcionando saúde e educação aos mais necessitados, principalmente crianças
e anciãos.
Teria muito
mais a falar dessa figura emblemática e querida da Bahia. Contenho-me, por
minhas já confessadas deficiências. Mas como a elas não me curvo, num combate árduo
e de tirar o fôlego, completarei o que julgo inacabado.
Na hora do
seu nascimento, a natureza se fez festiva. Se foi à noite, por certo a luz
espargia sua claridade envolvente em forma de véu, esmaecendo o fulgir das
estrelas para o nascituro sobressair. Se, durante o dia, o sol derramava sobre
o mundo seus raios fulgentes, amarelados como o ouro, que se refletiam naquela
criança.
Foi sobre o
predomínio da luz, que nasceu e assim permanece até hoje. Não fora dessa
maneira como explicar seu brilhar constante? As imagens que rebentam as
comportas da sua imaginação e se derramam em prédicas empolgantes para deleite
dos seus ouvintes, tais quais águas represadas derrubam, com força titã, as
paredes dos açudes? A sua irrepreensível fé em Deus e Nossa Senhora? O
devotamento pelo seu rebanho? A dedicação que dispensa aos amigos?
Pressupor
outras explicações é transpor a verdade estabelecida para a área da dialética.
E eu não o faço, por estar convencido ser ele um ente especial.
Ave, Sadoc,
o grande orador sacro da Bahia, que com Vieira e Frei Bastos completa uma
tríade de escultores da palavra falada, apontada não por mim, mas pelos grandes
da nossa literatura, como notável.
Alguém por favor sabe mais informações sobre a família do frei bastos?
ResponderExcluirSabem dizer se ele teve irmã e qual o nome dela ou delas?
ibdigado