Publicado em sociedade por Grace Bender
Obviusmagazine
No livro “Guerras da Água” (“Water Wars”), a autora indiana Vandana
Shiva lista nove princípios subjacentes à democracia da água. Um deles diz que
ela “deve ser livre para as necessidades de sustento. Uma vez que a natureza
nos dá água livre de custos, comprá-la e vendê-la com finalidades lucrativas
viola nosso direito inerente à dádiva da natureza e nega aos pobres os seus
direitos humanos”.
Se pudesse existir outro nome para o nosso planeta, provavelmente seria
Planeta Água. Em 12 de abril de 1961, o soviético Yuri Gagarin, primeiro homem
a viajar pelo espaço, se emocionou ao ver a Terra pela primeira vez a bordo da
nave Vostok 1 e chorou ao dizer a frase: “A Terra é Azul”. Visto de um ponto
mais distante, os 70% de água que cobrem a superfície terrestre tingem o globo
de uma tonalidade azulada, num jogo de luz refletida pelo sol na atmosfera.
O cientista
e naturalista austríaco Viktor Schauberger afirmava que a água é uma força
viva. Até pouco tempo acreditava-se que a Terra fosse o único planeta do sistema
solar com o privilégio de possuir esta força viva em estado líquido. Todavia,
cientistas da NASA já detectaram fluxo de água, provavelmente salgada, em Marte
nos períodos de verão e há crescentes evidências da existência de água líquida
na subsuperfície de várias luas que orbitam planetas gigantes de gás como
Júpiter, Saturno, Urano e Netuno.
Em nosso
planeta, somente 2,5% das reservas disponíveis são de água doce, nosso alimento
mais essencial. Sem ela a possibilidade de vida como a conhecemos, baseada no
carbono, se extinguiria. Assim como o ar, este elemento é elixir da vida.
Infelizmente desperdiçamos água constantemente e o valor intrínseco é
desconsiderado por muitos. O real valor somente é lembrado quando o valor
econômico extrínseco fala mais alto ou quando ela falta na torneira.
A água,
conhecida como princípio gerador e sustentador de vida, é igualmente
encontrada, não por acaso, na proporção de aproximadamente 70% em nosso corpo
físico. Também animais e plantas são constituídos principalmente por água e
assim a sobrevivência de todos depende fundamentalmente da disponibilidade de
água doce.
Não
obstante, a água não é somente o alimento mais importante para a vida, como
também toda a nossa civilização depende dela, seja para as necessidades diárias
nos lares, na agricultura ou na indústria. Atualmente falta acesso à água
potável para cerca de 900 milhões de seres humanos, o que corresponde a 1/7 da
população mundial e nada menos que 2,5 bilhões de seres humanos vivem sem
provimento sanitário básico.
Além disso,
há anos é prognosticado o avanço da escassez desse elemento vital. De acordo
com um relatório da ONU existe carência de água em mais de 80 países. Tendo em
vista o aumento populacional em cerca de 80 milhões de pessoas por ano, faz-se
urgente a importância de um trabalho consciencial por um tratamento
parcimonioso para com este precioso líquido e pela valorização da manutenção
dos mananciais livres de poluição.
O que
compreendemos ao refletir sobre a essencialidade da água é sua característica
de bem comum. Assim como o ar, a água é uma dádiva imprescindível a todas as
vidas e não pode, em hipótese alguma, ficar refém da propriedade privada.
Entendemos que os serviços de saneamento, construção e manutenção da malha
distribuidora, e mesmo o tratamento de efluentes, entre outros, geram custos
que precisam ser ressarcidos. Mas a água em si não pode servir para dela alguém
auferir lucro.
Observamos
hoje uma intensa corrida pela privatização dos serviços de fornecimento de água
em todo o mundo, estimulada pelo Banco Mundial e do FMI. Os defensores da
privatização afirmam que os benefícios são a eficiência, a qualidade, a
confiabilidade e a acessibilidade de serviços à população. Mas os fatos têm nos
mostrado exatamente o contrário. Várias comunidades pelo mundo se depararam com
serviços piores a um custo mais elevado após a privatização desse bem natural.
Um caso
ilustrativo aconteceu em Cochabamba, na Bolívia. Na década de 1990, sob
orientação do Banco Mundial, a empresa norte-americana Bechtel foi premiada com
um contrato de longo prazo para gerenciar e distribuir água naquela região. Os
preços subiram tão abruptamente que a maioria da população, extremamente pobre,
simplesmente não pôde pagar. A situação culminou com protestos nas ruas,
inclusive com mortes.
A Argentina
também já nos deu um alerta quando a Suez Lyonnaise des Eaux comprou a estatal
Obras Sanitárias de la Nación. As taxas duplicaram, mas a qualidade da água se
deteriorou. A empresa foi forçada a deixar o país quando os moradores se
recusaram a pagar suas contas. Outro evento aconteceu na Austrália, em 1998,
quando a água em Sydney foi contaminada com níveis elevados de giardia e
cryptosporidium logo após ter sido privatizada.
Todos estes
fatos ilustram não somente problemas na privatização da água, mas também nos
servem de alerta. Sabemos que o Brasil é detentor da maior reserva de água doce
do mundo. A iniciativa privada está ansiosa para colocar as mãos neste imenso
manancial de água sob os nossos pés porque sabe que estará investindo em ouro
líquido. O que melhor podemos fazer para que este imenso reservatório de água
se mantenha livre é prezarmos pela permanência desse recurso sob
gerenciamento.
© obvious: http://obviousmag.org/verso_unico/2015/03/agua-bem-de-todos.html#ixzz3W3YV86BP
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