quinta-feira, 2 de abril de 2015

ÁGUA, BEM DE TODOS

 Publicado em sociedade por Grace Bender
Obviusmagazine


No livro “Guerras da Água” (“Water Wars”), a autora indiana Vandana Shiva lista nove princípios subjacentes à democracia da água. Um deles diz que ela “deve ser livre para as necessidades de sustento. Uma vez que a natureza nos dá água livre de custos, comprá-la e vendê-la com finalidades lucrativas viola nosso direito inerente à dádiva da natureza e nega aos pobres os seus direitos humanos”. 

Se pudesse existir outro nome para o nosso planeta, provavelmente seria Planeta Água. Em 12 de abril de 1961, o soviético Yuri Gagarin, primeiro homem a viajar pelo espaço, se emocionou ao ver a Terra pela primeira vez a bordo da nave Vostok 1 e chorou ao dizer a frase: “A Terra é Azul”. Visto de um ponto mais distante, os 70% de água que cobrem a superfície terrestre tingem o globo de uma tonalidade azulada, num jogo de luz refletida pelo sol na atmosfera.



O cientista e naturalista austríaco Viktor Schauberger afirmava que a água é uma força viva. Até pouco tempo acreditava-se que a Terra fosse o único planeta do sistema solar com o privilégio de possuir esta força viva em estado líquido. Todavia, cientistas da NASA já detectaram fluxo de água, provavelmente salgada, em Marte nos períodos de verão e há crescentes evidências da existência de água líquida na subsuperfície de várias luas que orbitam planetas gigantes de gás como Júpiter, Saturno, Urano e Netuno.
Em nosso planeta, somente 2,5% das reservas disponíveis são de água doce, nosso alimento mais essencial. Sem ela a possibilidade de vida como a conhecemos, baseada no carbono, se extinguiria. Assim como o ar, este elemento é elixir da vida. Infelizmente desperdiçamos água constantemente e o valor intrínseco é desconsiderado por muitos. O real valor somente é lembrado quando o valor econômico extrínseco fala mais alto ou quando ela falta na torneira.
A água, conhecida como princípio gerador e sustentador de vida, é igualmente encontrada, não por acaso, na proporção de aproximadamente 70% em nosso corpo físico. Também animais e plantas são constituídos principalmente por água e assim a sobrevivência de todos depende fundamentalmente da disponibilidade de água doce.
Não obstante, a água não é somente o alimento mais importante para a vida, como também toda a nossa civilização depende dela, seja para as necessidades diárias nos lares, na agricultura ou na indústria. Atualmente falta acesso à água potável para cerca de 900 milhões de seres humanos, o que corresponde a 1/7 da população mundial e nada menos que 2,5 bilhões de seres humanos vivem sem provimento sanitário básico.
Além disso, há anos é prognosticado o avanço da escassez desse elemento vital. De acordo com um relatório da ONU existe carência de água em mais de 80 países. Tendo em vista o aumento populacional em cerca de 80 milhões de pessoas por ano, faz-se urgente a importância de um trabalho consciencial por um tratamento parcimonioso para com este precioso líquido e pela valorização da manutenção dos mananciais livres de poluição.


O que compreendemos ao refletir sobre a essencialidade da água é sua característica de bem comum. Assim como o ar, a água é uma dádiva imprescindível a todas as vidas e não pode, em hipótese alguma, ficar refém da propriedade privada. Entendemos que os serviços de saneamento, construção e manutenção da malha distribuidora, e mesmo o tratamento de efluentes, entre outros, geram custos que precisam ser ressarcidos. Mas a água em si não pode servir para dela alguém auferir lucro.
Observamos hoje uma intensa corrida pela privatização dos serviços de fornecimento de água em todo o mundo, estimulada pelo Banco Mundial e do FMI. Os defensores da privatização afirmam que os benefícios são a eficiência, a qualidade, a confiabilidade e a acessibilidade de serviços à população. Mas os fatos têm nos mostrado exatamente o contrário. Várias comunidades pelo mundo se depararam com serviços piores a um custo mais elevado após a privatização desse bem natural.
Um caso ilustrativo aconteceu em Cochabamba, na Bolívia. Na década de 1990, sob orientação do Banco Mundial, a empresa norte-americana Bechtel foi premiada com um contrato de longo prazo para gerenciar e distribuir água naquela região. Os preços subiram tão abruptamente que a maioria da população, extremamente pobre, simplesmente não pôde pagar. A situação culminou com protestos nas ruas, inclusive com mortes.
A Argentina também já nos deu um alerta quando a Suez Lyonnaise des Eaux comprou a estatal Obras Sanitárias de la Nación. As taxas duplicaram, mas a qualidade da água se deteriorou. A empresa foi forçada a deixar o país quando os moradores se recusaram a pagar suas contas. Outro evento aconteceu na Austrália, em 1998, quando a água em Sydney foi contaminada com níveis elevados de giardia e cryptosporidium logo após ter sido privatizada.


Todos estes fatos ilustram não somente problemas na privatização da água, mas também nos servem de alerta. Sabemos que o Brasil é detentor da maior reserva de água doce do mundo. A iniciativa privada está ansiosa para colocar as mãos neste imenso manancial de água sob os nossos pés porque sabe que estará investindo em ouro líquido. O que melhor podemos fazer para que este imenso reservatório de água se mantenha livre é prezarmos pela permanência desse recurso sob gerenciamento. 


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