Publicado em cinema por Mariana Ribeiro,
em obviusmagazine
Inquietudes - Sobre a arte de duvidar
Uma mulher culta? Leitora voraz? Escritora?
Mas não era um símbolo sexual? Só um bichinho bonito?
Mas não era um símbolo sexual? Só um bichinho bonito?
Com 36 anos de idade Marilyn estava tão cansada disso que morreu. Os
problemas de Norma Jean (seu verdadeiro nome) sempre foram muito sérios, mas o
problema maior talvez seja o fato de que nunca a tenham levado a sério, como
muitos fazem até hoje.
Nem todo
mundo que cercava Marilyn era ruim, mas no geral, ela esteve desde muito nova,
atirada a um ninho de cobras, tentando abrir caminho por um mundo masculino.
Sempre com o peso de provar que não era só isso, que não era só aquilo, que era
uma atriz e não só a moça bonita que fazia charme para as câmeras. E ouviu
tantas barbaridades, até mesmo das pessoas que escolheu para amar, que não
sabia mais como colocar a si mesma nesse mundo cruel, duvidava de si, insegura,
estava perdida e sorria como quem se desculpa.
E quem
poderia culpar alguém na posição dela por perder a fé em si, quando afinal é
conhecido de todos, é muito mais fácil acreditar nas coisas ruins que ouvimos,
do que nas boas.
Mas ainda
hoje se pergunta, como um grande mistério: de que ela morreu? Ela tinha tudo,
por que se mataria? E dizem muita coisa, como fraqueza, fragilidade e
principalmente futilidade... Já que também, é outra coisa conhecida, que quem
morre deve uma explicação pra quem fica, não se pode simplesmente morrer,
principalmente alguém como Marilyn.
Passando os
olhos pela história de Marilyn, tem-se a impressão de que dela devia se sentir
muito especial, sempre ouvindo elogios e sendo admirada, mas não era bem assim,
pelo menos não eram assim que ela se sentia.
Ela mesma
disse: Ninguém nunca disse que eu era bonita quando pequena. Toda
menina deveria ser chamada de bonita, mesmo se elas não sejam.
Marilyn
nasceu como Norma Jeane, em 01 de junho de 1926, em Los Angeles. Sua mãe era
uma doente mental. No curto período que passou ao lado da menina, numa casinha
com um piano branco que ela deu a Norma Jeane, ela estava em pânico; acreditava
que indivíduos hostis iam irromper pela casa e levar tudo embora.
Pelo menos dois
abusos sexuais são conhecidos dos biógrafos de Marilyn, um sofrido aos 7 anos e
o outro aos 11. Em ambos, ela foi vítima de integrantes mais velhos das
famílias adotivas com as quais conviveu. Confiar e construir relacionamentos
nunca seria o forte de Marilyn. No fim, ela viveu com onze famílias diferentes.
E depois de tudo, talvez ela tivesse quase a certeza de que seus amados a
machucariam, ou iriam embora.
Não era
simplesmente esquecer tudo isso e ser Marilyn, apenas Marilyn. Ela disse: Marilyn
só existe nas telas, fora delas sou Norma Jeane.
Sou do
interior.
Norma Jeane
se casou aos 16 anos com seu primeiro marido, Dougherty, que a traiu logo em
seguida. E após isso, ela datilografa páginas de reflexão sobre o caso, que só
poderia ter vindo de uma mente perspicaz, de uma cabeça pensante, muito madura
para a idade.
Os homens
não me veem, apenas me olham, disse ao
psicanalista, já perto do fim de sua vida.
Seus
problemas sempre foram muito sérios, ainda assim, era frequentemente acusada
por diretores e colegas de trabalho, como John Huston, que a dirigiu em “The
Misfits”, de ser uma neurótica suicida, uma vadia. Foi chamada de fresca nos
sets de filmagem quando estava muito doente. Tentava fazer o que amava e
esbarrava na frieza do mundo de negócios, nas pessoas tantas em quem não podia
confiar, na falta de amor.
O livro
“Fragmentos – Poemas, anotações íntimas e cartas de Marilyn Monroe”, lançado no
Brasil pela Tordesilhas 2011, reúne as anotações e os poemas de Marilyn. Ela
costumava escrever em qualquer pedaço de papel que achasse pela frente,
guardanapos avulsos, cadernetas e agendas, que enchia com suas angústias.
E ela diz:
Socorro,
socorro. Socorro. Sinto que a vida está chegando mais perto quando tudo
o que quero É morrer.
A descrição
do livro começa da seguinte forma: “Pouca gente sabe, mas a atriz
norte-americana Marilyn Monroe, símbolo universal de beleza e sensualidade, era
uma leitora ávida...”
Ela chegou
a mostrar alguns de seus textos apenas para amigos muito íntimos, e chegou a
ser aconselhada a escrever mais, quem sabe um livro. Após sua morte, em 1962,
tudo que escreveu foi deixado ao seu amigo Lee Strasberg. Quando ele morreu, em
1982, a herança parou nas mãos de Anna Strasberg, sua esposa, que buscou os
organizadores para ajudá-la a dar um destino ao material.
Ao pegar o
livro na minha estante alguém disse: Ela escrevia? Achei que era só um bichinho
bonito.
O vendedor
na livraria disse: Você acredita mesmo que ela lia? Pra mim ela era uma poser com
todos esses livros na mão. James Joyce? Duvido.
Marilyn
buscava uma verdade, algo de bom no mundo, apesar das decepções, queria ser
realista: "É melhor conhecer a realidade ou as coisas como são que
não conhecer e é bom ter o mínimo possível de ilusões"
Marilyn se
frustrou, se anestesiou, se dopou e exagerou. A conclusão da causa de sua morte
foi suicídio.
Oh droga
queria estar morta – absolutamente inexistente desaparecida daqui – de todos os
lugares mas como eu conseguiria Sempre existem pontes...
Marilyn
estava em evidência, em tempos ainda muito difíceis para as mulheres, anterior
à queima dos sutiãs de 1968, anterior a muita coisa e se sentia extremamente
só.
Sozinha. Eu
estou sozinha. Eu estou sempre sozinha não importa o que aconteça.
Mas sem
dúvida ela não foi a única a ser tachada por homens como histérica, neurótica,
ou vadia, apenas por ser dona de uma beleza exuberante, ou burra, pelo mesmo
motivo. Tão bonita assim, não pode ser inteligente. Quem nunca ouviu isso?
Ouvimos muito até hoje, se não somos mais tachadas especificamente como
inferiores aos homens, ainda somos como fúteis compradoras de sapatos,
fragilizadas e sentimentais, propensas a rompantes e crises, menos eficientes.
Todas ainda sujeitas ao mito do fútil.
Precisamos
nos desmitificar como muitos tentaram, lealmente, desmitificar Norma Jeane do
mito do fútil e dar a ela a justiça de poder sofrer, estar doente, sentir medo,
ser humana apesar de ser Marilyn.
Como ela
escreveu: Para a vida É uma determinação e tanto não me sentir
sufocada.
E ainda lhe
devemos o crédito, de apesar de tudo isso, ter conseguido o que conseguiu nas
telas, como eles costumavam dizer: quando Marilyn acertava a cena, você não
queria olhar pra ninguém mais.
© obvious: http://obviousmag.org/inquietudes/2015/04/o-mito-do-futil-ao-redor-de-marilyn-monroe.html#ixzz3YbTOEDpW
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