Curiosidade
Karl GruberDa BBC Earth
O relato é de 1825: no meio da quente e úmida
floresta colombiana, um homem quase nu caminha silenciosamente entre as
árvores, procurando sua próxima refeição. Ao avistar um macaco distraído, o
caçador prepara sua zarabatana. Ele sabe que um único tiro será suficiente para
abater o animal, já que a seta disparada está embebida em veneno.
O artifício é usado há séculos pelos caçadores
indígenas sul-americanos para abater aves, macacos e outros animais pequenos dos
quais se alimentam.
O veneno vem de rãs
de cor amarelo vibrante e com poucos centímetros de comprimento, as Phyllobates terribilis.
Um único exemplar da espécie produz veneno
suficiente para matar dez homens adultos – o que faz desse anfíbio provavelmente
o animal vertebrado mais tóxico do mundo.
Minúscula e letal
Cor vibrante da rã ajuda a sinalizar aos predadores
para se afastarem
Essa rã é apenas uma dentre várias espécies de
anfíbios venenosos da família Dendrobatidae. Todos
eles são pequenos, com comprimentos entre 1,5 centímetros e 6 centímetros.
Como essas belas e minúsculas criaturas conseguem
ser tão letais e por quê?
Milhões de animais produzem substâncias tóxicas,
mas a maioria deles não é venenosa. Isso porque para ser venenoso, um animal
deve ser tóxico ao ser ingerido ou, em casos extremos, apenas tocado com os
lábios ou a língua.
A Phyllobates terribilis mantém seu veneno em
glândulas sob a pele. Qualquer pessoa imprudente que morder uma dessas rãs
estará imediatamente em apuros.
Os demais animais
da família são menos tóxicos, e apenas um punhado de espécies de Dendrobatidae representa um risco para o homem.
Bebês envenenados
Estudo mostra que
rãs venenosas descendem de animais inofensivos
O processo de extração do veneno era assustador,
como mostra outro relato, publicado em 1978: os indígenas pegavam as rãs na
floresta e as prendiam dentro de uma vara oca; quando precisavam do veneno,
seguravam o animal, atravessavam um pedaço pontiagudo de madeira por sua
garganta até uma de suas pernas.
“O sapo ficava agitado e começava a transpirar
veneno, especialmente nas costas, que ficava coberta por uma espuma branca”,
afirma o texto. As setas eram mergulhadas nesse líquido, que se mantinha
potente por até um ano.
A substância produzida pela rã se chama
batracotoxina e provoca paralisia e morte quando entra na corrente sanguínea de
algum ser vivo, mesmo que em doses pequenas. Ela pertence ao grupo dos
alcaloides, encontrados em muitos animais e plantas.
Outra característica que torna essa espécie
altamente temível é o fato de os girinos absorverem o veneno quando nascem,
tornando-se tóxicos também, de acordo com um estudo publicado em 2014 por
cientistas da Universidade John Carroll, em Ohio.
“Os alcaloides presentes nos filhotes são
suficientes para dissuadir alguns potenciais predadores, além de protegê-los de
infecções”, afirma Ralph Saporito, um dos autores do estudo.
Mas a principal arma dessas rãs para evitar serem
atacadas é sua cor. Elas existem em uma variada gama – do branco e do negro ao
laranja e o azul. Na natureza, as cores vibrantes geralmente são um sinal de
alerta de que predadores devem se manter à distância.
Em um estudo publicado em 2001, Kyle Summers, da
Universidade East Carolina, demonstra que as rãs que exibem as cores mais
chamativas são também as mais tóxicas.
Outra pesquisa,
realizada pela Universidade do Texas em Austin, em 2006, indicou que aves
predadoras aprendem rapidamente a evitar essas rãs.
Uso em medicamentos
Claramente, ser venenoso é uma vantagem para esses
anfíbios. Mas como elas se tornaram tão letais?
A família dos Dendrobatidae surgiu há cerca de 45 milhões de
anos em algum lugar nas florestas do norte da América do Sul. “Naquela época, a
maior parte do continente era quente e coberta de vegetação tropical, e os
Andes não passavam de 2,5 mil metros de altura”, conta Juan Santos, cientista
da Universidade da Columbia Britânica, no Canadá.
Segundo ele, o ancestral comum dessas rãs não era
venenoso, nem colorido, nem pequeno. Mas há cerca de 30 milhões de anos a
toxina evoluiu, algum tempo depois da linhagem ter se desenvolvido.
A equipe de Santos descobriu que essas rãs não
fabricam seu próprio veneno, mas o absorvem dos insetos dos quais se alimentam,
como formigas.
É possível que os
antepassados da Phyllobates terribilis tenha
começado a comer formigas tóxicas por acaso e começaram a acumular o veneno em
seu organismo, apesar de ainda não estar claro como conseguiam resistir a ele.
Uma das hipóteses é que a rã desenvolveu um metabolismo
acelerado, capaz de processar substâncias químicas rapidamente.
Mas por que essas rãs se tornaram tão venenosas?
Afinal, muitos animais pequenos das florestas tropicais conseguem sobreviver de
forma menos extrema, usando, por exemplo, a camuflagem.
Para Summers, pode ter sido um processo ocorrido
durante a evolução da espécie ou apenas uma questão de acaso.
Seja qual for a verdade, hoje em dia as rãs não são
as únicas que se beneficiam de sua toxicidade. Os neurocientistas estão
estudando as substâncias presentes nelas na esperança de criar novos
medicamentos, como analgésicos, estimulantes e anticancerígenos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário