Como o empresário J. Hawilla cresceu, aproximou-se dos poderosos do
futebol brasileiro
AFONSO BENITES São Paulo 28 MAY 2015
O empresário José Hawilla, em imagem de 2013. / ZANONE FRAISSAT (FOLHAPRESS)
Em uma
entrevista em maio de 2007, o empresário da área de marketing esportivo José
Hawilla dizia com orgulho que a receita de seu sucesso era uma só: “trabalhar honestamente,
não fazer negócios errados”. Na ocasião, quando faturava cerca de 500 milhões
de dólares ao ano com sua empresa Traffic, ele respondia a questionamentos de
repórteres do site Jornalistas e & Cia sobre a
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Nike, que investigou os negócios da
Confederação Brasileira de Futebol (CBF).
Exatos oito anos depois, o nome de Hawilla volta
com destaque à imprensa, só que como corruptor confesso. Foi por meio dele
que o Departamento de Justiça dos Estados Unidos descobriu que José Maria Marin,
o ex-presidente da CBF e atual dirigente da FIFA, recebia uma propina
anual 2 milhões de reais. O dinheiro seria pago pela Traffic por contratos de
transmissão de jogos da Copa do Brasil, o segundo torneio de clubes mais
importante do país.
Maníaco por
números, fã de sudoku (um jogo de lógica) e de numerologia, o supersticioso
empresário não costuma fazer negócios em meses múltiplos de quatro – abril, agosto
e dezembro. Hawilla, que “trocou” o seu prenome pela letra J, foi repórter e
apresentador esportivo da TV Globo e da Band. Ele iniciou sua vida empresarial
e começou a deixar as câmeras em 1980, com a compra de uma empresa que fazia
publicidade em pontos de ônibus, a Traffic.
Em poucos
anos, seu negócio mudou e se expandiu. Passou a investir em placas
publicitárias de estádios de futebol. Foi o precursor nesta área e deu o
pontapé inicial para a sua megaempresa de marketing esportivo. Aproximou-se da
CBF e chegou às confederações de futebol das três Américas, comprando os
direitos de transmissões de dezenas de torneios internacionais, entre eles a
Copa do Mundo do ano passado, no Brasil. Hoje, possui os direitos sobre a Copa
América do Chile, a Copa Libertadores, a Sul-Americana e as eliminatórias da
CONCACAF são de sua responsabilidade. Dirigentes responsáveis por esses
torneios estão entre os presos pela operação que desvendou o esquema de
corrupção na FIFA.
Vivendo em
Miami, onde relatava a amigos estar tratando de problemas de saúde, o
septuagenário Hawilla firmou um acordo com os investigadores americanos para
não ser preso. Investigado por fraude e lavagem de dinheiro, o empresário
brasileiro autorizou o confisco de 151 milhões de dólares de seu patrimônio
para reaver parte do dinheiro de corrupção. Ao menos 25 milhões de dólares já
teriam sido apreendidos.
O dono do
futebol
Hawilla já
chegou a ser chamado de o “dono do futebol brasileiro”. Foi após os esquemas de
transmissão sugeridos por ele que a CBF passou a profissionalizar seu
departamento de futebol e ampliou o caixa com os patrocínios de empresas
particulares. Antes ela dependia muito de verbas públicas.
Também foi
com a ajuda de J. Hawilla que a entidade que representa o futebol nacional
conseguiu firmar milionários acordos de fornecimento de material esportivo com
a Nike. Esse caso que foi investigado por uma CPI nos anos 1990.
Levar tanto
dinheiro para uma entidade o deixou com as portas abertas e um permanente
tapete vermelho estendido. Era comum ele dar palpites a Ricardo Teixeira, o
ex-todo-poderoso que ficou 23 anos à frente da CBF. Circula entre conhecidos de
ambos que teria sido Hawilla quem “inventou” o técnico Dunga e o coordenador
técnico Jorginho, que comandaram a seleção canarinho na Copa da África do Sul
de 2010. Em um diálogo com Teixeira logo após a derrota na Copa da Alemanha de
2006, o empresário teria dito que o ideal seria criar um treinador tampão na
seleção, um ou dois ex-jogadores sem muita experiência. Se não desse certo,
deveria chamar Luiz Felipe Scolari para a função. A história mostrou que o
período de Dunga, que retornou à seleção em 2014, foi maior do que o esperado
pela dupla Hawilla-Teixeira.
Os
contratos com a CBF o aproximaram não só de cartolas, mas também de
celebridades e de políticos, como os apresentadores Fausto Silva (o Faustão) e
Milton Neves, o ex-governador de São Paulo José Serra, o ex-prefeito paulistano
Gilberto Kassab e o ex-ministro dos Esportes Orlando Silva. Um dos três filhos
do empresário, Stefano, é casado com a modelo e apresentadora de TV Isabella
Fiorentino.
Mais
comunicação
Aliado à
empresa de marketing, Hawilla também gerencia carreiras de jogadores, vende
camarotes no estádio do Palmeiras e tem três clubes de futebol. Um nos Estados
Unidos, o Miami FC, um no Brasil, o Desportivo Brasil, e um em Portugal, o
Estoril Praia. O primeiro deles já teve como um de seus atletas o então centroavante
Romário. O segundo, que já foi usado apenas para comprar e vender jogadores,
agora é da segunda divisão do Paulista. O terceiro participa da primeira
divisão portuguesa.
Além disso,
ele tem no interior de São Paulo quatro emissoras de televisão afiliadas da
Globo, a maior rede televisiva do país e que transmite a maioria dos
campeonatos de futebol comercializados pela Traffic. Hawilla também já teve
jornais impressos. Um era o Diário de São Paulo e outro a Rede Bom Dia (que
circulava em quatro municípios paulistanos onde ele tem a TV). Todos foram
vendidos.
Procurado,
o advogado José Luis de Oliveira Lima, que defende Hawilla, não retornou às
ligações da reportagem. Em entrevista concedida à Folha de S. Paulo, o defensor
disse que seu cliente vive livremente nos Estados Unidos, onde apoia as
investigações.
Aquele que um dia
dizia ser honesto e reclamava que teve sua vida devassada por uma CPI (“nunca
pegaram nem multa de trânsito”, afirmara), agora é uma das peças-chave de
uma das maiores investigações contra a corrupção no futebol.
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