segunda-feira, 25 de maio de 2015

O POVO BRASILEIRO: NAÇÃO SEM NENHUM CARÁTER

 Publicado por Bruna Kalil Othero
em obviusmagazine

(Opinião do Blog do Facó: Bruna é mais que uma promessa, é uma reconfortante realidade. Franca possibilidade de arearmos o cubículo decadente donde se encontra atualmente a nossa literatura. Siga em frente menina! Axé)
  

(Sei que só me chamo Bruna / Porque rima com lacuna)
Estudo Letras na UFMG, pois quero ser professora e escritora. Sou amante das artes em geral - especialmente literatura e cinema. Entrei na universidade pra me imergir no mundo literário, e estou cada vez mais apaixonada pelo curso. Poesia é o meu guia permanente: procuro observar o mundo com uma perspectiva poética, e fazer da minha uma vivência lírica. Sou fã confessa da cultura brasileira, da música, das letras, das personagens. Somos um povo maravilhoso, do qual eu amo fazer parte. Ah, é isso: eu amo. Tô aqui pra amar e sigo amando tudo que merece ser amado. Vem amar também!

“Ali vem a nossa comida pulando.” Hans Staden
“Só me interessa o que não é meu.” Oswald de Andrade
“No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente.” Mário de Andrade

O Batizado de Macunaíma, de Tarsila do Amaral (Foto: Divulgação)

Nesse fim de semana, eu e o pessoal da faculdade organizamos uma calourada com essa temática: Macunaíma - de volta às origens, com uma pegada antropofágica. Não poderíamos ter escolhido tema melhor. As pessoas que compareceram à festa comprovaram a velha teoria dos Andrades, de que o brasileiro é um camaleão maravilhoso e colorido.
Para contextualizar o leitor perdido, darei um ‘resumão’ dos dois textos literários que nos serviram de base para o evento. Tanto “Macunaíma - o herói sem nenhum caráter”, de Mário de Andrade, quanto o “Manifesto Antropófago”, de Oswald de Andrade, foram publicados em 1928, depois do furor estético da Semana de Arte Moderna, que aconteceu em fevereiro de 1922. O manifesto foi um brado que unisse os modernistas, procurando sintetizar todas aquelas mudanças vanguardistas ocorridas alguns anos antes.


Manifesto Antropófago publicado na Revista de Antropofagia (1928). Foto: site do Teatro Oficina

Afinal, que é ‘antropófago’? De acordo com costumes de algumas tribos indígenas, quando se ganhava de um bom guerreiro, era interessante comer sua carne para ingerir, junto dela, as características de bravura do derrotado. Nessa perspectiva, ser degustado era uma honra, porque significava ser um adversário de valores. Portanto, a antropofagia se difere do canibalismo nesse ponto: a comilança aqui tem um propósito espiritual e ideológico.
Oswald acreditava piamente na sua teoria, de que o brasileiro era por definição um antropófago cultural. Ou seja, a nossa cultura teria sido baseada na digestão do estrangeiro. Entendamos, aqui, o estrangeiro como algo diferente de nós - tanto influências vindas do exterior, quanto nacionais. E foi essa ideia que Mário tentou materializar no seu livro. Macunaíma seria a personalização do brasileiro, passando pelos três estágios da formação da nossa etnia híbrida: nasce índio negro e vira branco.

Cena do filme "Macunaíma", de 1969 (Gif: Tumblr)

Porém, o que eu gostaria de dar destaque é ao subtítulo do livro: o herói sem nenhum caráter. Na linguagem comum, essa expressão tem tom pejorativo, levando a crer que o ‘sem caráter’ é ‘mau caráter’. Só que: não. No caso de Macunaíma e do brasileiro, o que se verifica é a ausência mesmo de caráter - essa falta de identidade que nos assombra. A nossa especificidade é não ter especificidade, e essa é a graça: podemos ser o que quisermos. O legado do camaleão. Há diversas discussões sobre o cunho imitativo da cultura brasileira, como o artigo “Nacional Por Subtração”, de Roberto Schwarz, que aborda com muita precisão esse problema na crítica literária.
E o que isso tem a ver com a calourada da Letras? Simples: expressamos, na pele e na literatura, o que é ser antropófago. Como brasileiras e brasileiros, nos utilizamos do nosso poder de adaptação e mimetismo, ingerindo informações alheias, somando às nossas e criando algo totalmente novo. As roupas externaram o desejo tupiniquim de misturar tudo. Eu mesma me vesti à caráter: com um corpete e meia arrastão, característicos das vedetes - herança do teatro de revista, que aparece na montagem d’O Rei da Vela (peça de Oswald), pelo Grupo Oficina em 1967 -; uma saia de paetê; all star; adornos e maquiagem indígena. Antropofagia pura: fui comendo tudo que achei no meu guarda roupa.
Depois dessa festa - que foi sensacional, para não passar batido -, conclui de vez que, aos meus olhos, a teoria louca de Oswald é a que possui mais verossimilhança ao nosso cotidiano brazuca. Somos, sim, canibais. Comemos a cultura do outro, a agregamos à nossa no estômago, vomitamos o que não presta, e no fim, sobra uma mestiçagem maravilhosa que não existia antes. Nem estrangeiro, nem nacional: eis o brasileiro. Nós, um monte de Macunaímas, formamos orgulhosamente essa linda nação sem caráter.
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