Mariana Schreiberda BBC Brasil em Brasília
Após semanas de negociações e embates,
governo anunciou corte de R$ 69,9 bilhões
Após
semanas de negociações e embates, o governo anunciou um corte de R$ 69,9
bilhões no Orçamento Federal, com objetivo de garantir recursos suficientes
para o pagamento da dívida da União e manter as contas públicas equilibradas.
Com um orçamento amarrado, o governo teve que sacrificar áreas
consideradas prioritárias. O Ministério da Saúde perderá R$ 11,8 bilhões e o da
Educação, R$ 9,4 bilhões. O corte no orçamento do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC) será de R$ 25,7 bilhões.
Emendas apresentadas por parlamentares, que em geral destinam recursos
para gastos e investimentos em seus Estados de origem, sofrerão um corte de R$
21,4 bilhões.
Os cortes são uma consequência do baixo crescimento da economia, o que
tem impacto direto na arrecadação de impostos. Em sua apresentação, o ministro
do Planejamento, Nelson Barbosa, anunciou que o governo agora trabalha com uma
queda de 1,2% do PIB (Produto Interno Bruto) neste ano.
O valor total anunciado ficou no meio do intervalo debatido pela equipe
de Dilma Rousseff. De um lado, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, recomendou
um contingenciamento de R$ 80 bilhões. De outro, os ministérios da Casa Civil e
do Planejamento, defendiam uma redução menor, de R$ 60 bilhões.
A previsão para as receitas primárias (essencialmente com impostos e
tributos) do governo foi reduzida de R$ 1,45 trilhão para R$ 1,37 trilhão. Os
valores anunciados no contingenciamento podem parecer, então, uma parcela
pequena desses ganhos vindos da arrecadação. Mas, na prática, representam um
esforço expressivo de economia.
Diante disso, afinal, por que é tão difícil para o governo cortar
gastos?
Gastos
O que acontece é que boa parte do Orçamento do governo é formada por
despesas obrigatórias, ou cujas alterações são impopulares e dependem de
aprovação do Congresso Nacional (Previdência Social, por exemplo) ou ainda por
gastos fixados em contratos, como o pagamento dos salários dos servidores.
Aposentadorias compõem um gasto crescente devido ao envelhecimento da
população e aos reajustes do salário mínimo, que hoje servem de referência para
esses benefícios. Dessa forma, a Previdência Social deve consumir R$ 437
bilhões neste ano.
Já os gastos com pessoal, que subiram devido aos reajustes salariais e
aos novos concursos realizados principalmente no governo Lula, devem somar R$
235 bilhões. Além disso, o governo é obrigado a repassar parte do que arrecada
para Estados e municípios, o que deve representar R$ 213 bilhões em 2015.
As chamadas despesas discricionárias, aquelas que de fato podem ser
cortadas imediatamente pelo governo estão previstas em R$ 312 bilhões neste ano
– e a maior parte desse valor corresponde a gastos em áreas sociais, como
Educação, Saúde e os benefícios do Programa Bolsa Família, ou investimentos do
PAC.
"O governo está apagando fogo. Não dá tempo de fazer uma reforma da
Previdência e ele precisa cortar agora. Inevitavelmente terá que sacrificar
investimentos", observa Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do Banco
Central e hoje economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio.
Boa parte do
Orçamento do governo é formada por despesas obrigatórias, cuja alteração é
impopular e depende de aprovação do Congresso Nacional
Cortes impopulares
O economista da PUC-Rio José Márcio Camargo nota que essas despesas
previdenciárias representam 13% do PIB brasileiro, o que, segundo ele, é alto
em relação à idade média da população.
A realização de uma reforma da Previdência, porém, é algo impopular, que
enfrenta grande resistência na sociedade, pois representa cortes de benefícios
sociais.
A tentativa do governo de mudar, por exemplo, as regras de
seguro-desemprego, abono salarial e pensões está sofrendo forte resistência
dentro do Congresso, até mesmo de parlamentares do PT, devido a grande
impopularidade das medidas junto aos trabalhadores.
Nesse contexto, o governo tem sido pressionado por parcelas da sociedade
e pelo PMDB, em particular, a enxugar a máquina federal. No entanto, o custeio
administrativo – passagem aérea, luz, equipamentos, etc – não tem um peso tão
expressivo nos gastos que permitam que o ajuste fiscal seja viabilizado
simplesmente com a redução dos números de ministérios (atualmente 39), por
exemplo.
Leia mais: Entenda como pode mudar o cálculo da
aposentadoria
Leia mais: Cinco argumentos de Levy em Londres para
'vender' o Brasil a investidores
Ainda assim, Camargo considera que a redução do número de ministérios,
assim como a de cargos comissionados (postos preenchidos por indicação), seria
muito importante simbolicamente, para convencer a população e o Congresso da
necessidade de ajuste fiscal.
"Você não consegue fazer um ajuste só cortando esses gastos, mas
você pode conseguir mudar a atitude da sociedade em relação aos gastos. As
pessoas vão entender muito melhor porque o seguro-desemprego, o abono salarial,
as pensões estão sendo cortados", acredita Camargo.
"Eu acho que o ajuste está tendo dificuldade de ser aprovado no
Congresso exatamente por isso, porque ninguém percebe que o governo está
efetivamente interessado em diminuir os seus próprios gastos", frisa.
Com orçamento
amarrado, governo teve de sacrificar áreas consideradas prioritárias, como
educação, saúde e infraestrutura
Corte insuficiente
Apesar do contingenciamento anunciado ser expressivo, Camargo diz que ele
será insuficiente para garantir o cumprimento da meta de superávit primário
deste ano, de 1,1% do PIB.
O objetivo dessa economia é pagar juros da dívida pública, evitando que
ela cresça em proporção ao PIB. A estabilidade da dívida é considerada importante
para manter a oferta de crédito para o governo, a juros menores. Seu
crescimento descontrolado, pode afastar investidores dos títulos públicos,
elevando as taxas pagas pelo Tesouro Nacional.
Diante das dificuldade de aprovar no Congresso as medidas de ajuste
fiscal – além das mudanças nos benefícios, o governo também busca reduzir a
desoneração da folha de pagamento das empresas – o Ministério da Fazenda vem
promovendo aumento de impostos.
Hoje foi anunciado também o aumento da alíquota da CSLL (Contribuição
Social sobre o Lucro Líquido) paga pelos bancos de 15% para 20%, o que vai
gerar uma receita de R$ 3,8 bilhões por ano. Em 2015, porém, o ganho é de
apenas R$ 747 milhões.
Para Camargo, o governo deve evitar ao máximo esses recursos, porque a
carga tributária do país já elevada.
O economista da FGV José Roberto Afonso, referência nos estudos de
contas públicas, considera que o governo pode fazer mais na contenção de
gastos. Ele defende, por exemplo, que a União seja mais dura na relação com
seus fornecedores, procurando renegociar contratos.
"É possível cortar gastos tidos como fixos fazendo recenseamento de
servidores e de aposentados, renegociando e reduzindo à força os contratos de
compra de serviços, de bens e sobretudo de obras, cancelando restos a pagar
(valores autorizados mas ainda não efetivamente gastos) ainda não efetivamente
gastos e propondo descontos no pagamento dos que são inevitáveis",
enumera.
"Imagina o poder de negociação do maior comprador de uma economia
em recessão? Essas medidas estão sendo adotadas por alguns Estados e algumas
prefeituras, mas eu nunca ouvi que tenham sido adotadas em Brasília",
afirma.
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