A competitividade da agricultura dos países da região é uma ameaça, pois
em todo o mundo é o setor agrícola o mais protegido por tarifas altíssimas e
barreiras sanitárias
'Uma região invertebrada', por CARLOS PAGNI
WELBER BARRAL 16 JUN
2015
Negociações comerciais internacionais não são um
processo com ritmo cadenciado. Há longos períodos de morbidez, chacoalhados por
pressões ocasionais. A chacoalhada da semana passada foi a pressão brasileira e
uruguaia, durante a Cúpula Mercosul-União Europeia, com o objetivo de
avançar para uma área de livre comércio. A longuíssima negociação entre os dois
blocos empacou há quase dois anos, no momento da determinação da data para uma
troca de ofertas. A novidade na Cúpula foi a Argentina, malgrado suas
dificuldades eleitorais, assegurar que acompanharia o Mercosul. Como
consequência, a Europa ficou na obrigação de enfrentar seus fantasmas
protecionistas e assumir a culpa, a partir de agora, por maiores atrasos na
negociação.
A dança de
posições nessa Cúpula exemplifica, a contrário, a frase muitas vezes repetida,
sobretudo em salões paulistanos, de que o Brasil não tem mais acordos de livre
comércio por culpa do Mercosul. A leitura, que se tornou convencional, é que,
agindo autonomamente, o Brasil já poderia ter uma rede de acordos internacionais
que favoreceriam seu acesso a mercados estrangeiros, sem as amarras em relação
a seus sócios regionais. Essa leitura convencional chegou a ser repetida na
última campanha eleitoral, em que se mencionou a volta do Mercosul a uma área
de livre comércio, liberando seus Estados membros para negociações
individualizadas.
O recente
convescote em Bruxelas demonstra que esse entendimento convencional é
simplório. Não que o Mercosul não tenha outras culpas. Há uma evidente falta de
coordenação macroeconômica, resultado das falhas institucionais do
presidencialismo centralizador que caracteriza os países que o compõem. Há
falta de vontade política para avançar em instituições regionais. A integração
industrial na região está atrasada em razão de medidas unilaterais e
protecionistas. A oscilação nas políticas econômicas nacionais torna
a integração regional lenta e seus resultados frustrantes.
Mas essas
falhas não implicam que o Brasil estaria melhor, necessariamente, negociando
solitariamente acordos extra regionais de livre comércio. Em primeiro lugar,
porque o ímpeto brasileiro de negociar demanda coordenação com a complexa
indústria brasileira. Em outras palavras, os grandes opositores em negociações
passadas foram setores pouco competitivos da indústria nacional, e não de
parceiros do Mercosul.
Em segundo
lugar, porque, mesmo quando o Brasil pôde atuar sozinho, isso não redundou em
acordos substantivos. O melhor exemplo é o do México, com quem o Brasil
entabulou individualmente longas negociações durante o Governo Lula, sem chegar
à assinatura de um acordo (em razão da oposição do Senado mexicano).
Em
terceiro, porque, nos acordos de segunda geração (que não são de tarifas, mas
de investimentos, bitributação, serviços, sanitários, etc.), o Brasil não
depende dos sócios do Mercosul. Mesmo assim, está incrivelmente atrasado, e só
há dois meses voltou a assinar acordos relevantes com países africanos.
Em quarto,
e provavelmente o mais importante: o grande empecilho para o Mercosul firmar
acordos de livre comércio não é a eventual antipatia entre suas presidentas e,
sim, a competitividade de sua agricultura. Em todo o mundo, é o setor agrícola
o mais protegido por tarifas altíssimas e barreiras sanitárias. Apesar da
reduzida densidade de agricultores nos países desenvolvidos, são em geral os
mais politicamente articulados. No setor agrícola, nunca tão poucos
atrapalharam as negociações de tantos. E os países do Mercosul são
extremamente competitivos nesse ramo, constituindo uma ameaça visível para os
rincões subsidiados em todo o mundo. Em qualquer negociação de acordo
comercial, o Mercosul terá de mirar concessões parciais, e ser realista em suas
demandas de abertura de mercados no setor agrícola.
Por todos
esses argumentos, é ilusório culpar o Mercosul pelo estancamento das
negociações comerciais do Brasil. É ao mesmo tempo irrealista acreditar que
o Brasil, livre do Mercosul, poderia alcançar mais rapidamente acordos de livre
comércio. O temor em relação a nossa agricultura e a resistência de setores
industriais continuarão a existir. Evidentemente, a coordenação no Mercosul
exige tempo e sensibilidade com as demandas de nossos vizinhos, mas há soluções
técnicas que atendem a demandas particulares (a exemplo de uma lista separada
para a Argentina, no Acordo Mercosul-Israel). O grande problema não é na região,
é combinar com o outro lado: convencer os protecionistas europeus de que seus
consumidores estarão melhor atendidos quando nossas excelentes carnes e frutas
puderem entrar livremente em seus mercados.
Welber Barral é
ex-secretário de Comércio Exterior (2007-2011) e sócio da Barral M Jorge
Consultores.
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