Ruth CostasDa BBC Brasil em São Paulo
O
Tribunal de Contas da União (TCU) deve anunciar nesta quarta-feira seu parecer
sobre as contas do governo de 2014 e há indícios de que possa recomendar uma
rejeição dessas contas em função do que vem sendo chamado de "pedaladas
fiscais" - manobras contábeis que envolveriam o uso de recursos de bancos
federais para maquiar o orçamento federal.
O TCU é responsável pela fiscalização dos gastos do governo. Em outras
ocasiões, o tribunal já recomendou ao Congresso a aprovação com ressalvas
desses gastos, mas um parecer pela rejeição seria inédito na história recente
do país e poderia ampliar as repercussões políticas do caso.
Em um outro processo aberto para investigar exclusivamente as pedaladas,
o TCU já emitiu, em abril, um parecer defendendo que o governo cometeu
"crime de responsabilidade" com as tais manobras fiscais.
O órgão ainda está apurando quem seriam os responsáveis pelas
irregularidades, mas a decisão alimenta as expectativas de uma rejeição das
contas públicas.
Na terça-feira, o Ministério Público também encaminhou um parecer aos
ministros do TCU apoiando a rejeição e mencionando outras "graves
irregularidades", além das pedaladas.
No mês passado, a oposição ingressou na Procuradoria Geral da República
(PGR) com uma ação pedindo a investigação da presidente Dilma Rousseff pelas
manobras contábeis. Na visão da oposição, essas operações não poderiam ter
ocorrido sem o consentimento de Dilma.
O governo admite que as operações ocorreram, mas nega que sejam
irregulares e diz que elas também foram realizadas durante o governo Fernando
Henrique Cardoso.
A questão da irregularidade também divide especialistas. "De fato,
se ficar provado que um banco público foi usado para financiar o Tesouro, temos
uma infração à Lei de Responsabilidade Fiscal", opina o especialista em
contas públicas Raul Velloso.
O economista Mansueto Almeida, funcionário licenciado do Instituto de
Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), concorda. "Parece que de 2012 para
cá essas manobras fiscais vêm sendo feitas de forma sistemática e planejada - o
que é muito grave e as responsabilidades disso precisam ser apuradas",
diz.
Já Amir Khair, ex-secretário de Finanças na gestão da prefeita Luiza
Erundina (ex-PT, atual PSB), acha difícil provar que houve infração. "O
que estão chamando de 'pedalada' não passa de atrasos de pagamentos, comuns em
tempos de crise", opina.
O que são as 'pedaladas fiscais'?
São manobras contábeis que, segundo a oposição, teriam como objetivo
melhorar o resultado das contas públicas - ou seja, ajudar o governo a fazer
parecer que haveria um equilíbrio maior entre seus gastos e suas despesas.
No caso, o governo Dilma é acusado de atrasar o repasse de recursos para
benefícios sociais e subsídios pagos por meio da Caixa Econômica Federal, do
Banco do Brasil e do BNDES para passar a impressão de que as contas públicas
estariam melhor do que realmente estavam.
Teriam sido "segurados" um total de R$ 40 bilhões do
seguro-desemprego, programa Minha Casa, Minha Vida, Bolsa Família, Programa de
Sustentação do Investimento (PSI) e crédito agrícola, segundo o TCU.
Como os desembolsos não foram efetuados, as contas do governo pareceram
temporariamente mais equilibradas.
A questão é que não houve atrasos no pagamento desses bilhões de reais
em benefícios e subsídios para seus beneficiários, porque os bancos públicos
cobriram esse valor - cobrando juros do governo pelo uso de tais recursos.
Tais manobras, segundo o TCU, configurariam operações de financiamento,
ou "empréstimos" desses bancos para o Tesouro, o que é proibido pela
Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000 - embora haja quem refute essa tese.
Na visão da
oposição, 'pedaladas' não poderiam ter ocorrido sem consentimento de Dilma
Essas manobras são proibidas?
No entendimento do TCU, sim. Isso porque a Lei de Responsabilidade
Fiscal, aprovada em 2000, proíbe bancos públicos de fazer empréstimos ao
governo para proteger a saúde financeira dessas instituições e ajudar a
controlar os gastos e nível de endividamento público.
Em sua decisão de abril, o TCU deixou claro que houve uma operação de
financiamento irregular embora só nesta quarta-feira será esclarecido se o
órgão considera isso motivo suficiente para um parecer a favor da rejeição das
contas do governo.
"Teremos a configuração de um crime de responsabilidade se ficar
caracterizado que um banco público está financiando o Tesouro", diz Raul
Velloso.
Para Almeida, a infração é evidente porque os atrasos nos pagamentos dos
benefícios e subsídios não foram algo circunstancial. "Foi algo que
ocorreu de forma sistemática e planejada", diz.
Já Khair, opina que ainda há dúvidas sobre se tais operações configuram
empréstimos. "Esses atrasos de pagamento são comuns tanto a nível federal
quanto estadual e municipal porque, às vezes, em função de uma crise ou algo do
tipo, a arrecadação pode não corresponder às expectativas", diz.
"Acho difícil caracterizar isso como uma operação de empréstimo. E
se o governo federal for condenado, imagine as consequências para governos
estaduais e municipais, onde esse tipo de situação também ocorre."
Em abril, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, admitiu que essas
operações envolvendo recursos de bancos públicos ocorreram, mas negou que
fossem irregulares.
"Não houve ilegalidade. Não houve ofensa à lei. Houve contrato de
prestações de serviço", disse. Segundo o ministro, operações desse tipo
seriam realizadas desde 2001, durante o governo do ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso.
"Se for entendido que isso fere a responsabilidade fiscal, daqui
pra frente isso será arrumado", prometeu.
O que o TCU já decidiu até agora?
Após uma investigação sobre as "pedaladas", o TCU concluiu que
as manobras realizadas com recursos dos bancos públicos federais ferem a Lei de
Responsabilidade Fiscal (ver abaixo).
Elas configurariam um "crime de responsabilidade", infração
"político-administrativa" cuja sanção, em última instância, pode ser
o impedimento do exercício de função pública, ou impeachment.
O relator do processo foi o ministro José Múcio, mas suas conclusões
foram aprovadas por todos os outros ministros do TCU.
O tribunal ainda está investigando quem exatamente seria responsável
pela infração. Um total de 17 autoridades foram convocadas para prestar
esclarecimentos, entre elas o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, o atual
ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, e o presidente da Petrobras, Aldemir
Bendine.
As defesas dessas autoridades foram costuradas pelo advogado-geral da
União (AGU), Luis Inácio Adams, e a previsão era de que fossem entregues ao
ministro relator do caso das "pedaladas", José Múcio, até o início
desta semana.
O ministro Augusto Nardes, relator do processo que avalia as contas do
governo, chegou a opinar que a presidente Dilma poderia ser responsabilizada
legalmente pelas "pedaladas" - e há quem tenha visto nessa declaração
indicações de que o processo poderia dar embasamento a um impeachment.
Segundo ministro da Justiça, operações desse tipo
seriam realizadas desde 2001, durante governo de Fernando Henrique Cardoso
Após ouvir todos os convocados, o TCU deve elaborar um relatório e
propostas de sanções. Os autos do processo serão enviados ao Ministério
Público, que poderá abrir ações contra as autoridades responsáveis.
O que será decidido nesta quarta-feira pelo TCU?
O tribunal irá julgar as contas do governo de 2014 depois que o relator
do caso, ministro Augusto Nardes, tiver dado seu parecer.
As contas precisam ser aprovadas todos os anos e até agora o TCU havia
apenas apontado ressalvas pontuais como resultado desse processo.
Como o órgão já condenou as "pedaladas", porém, o governo teme
que possa dar um parecer rejeitando as contas de 2014.
A análise do TCU, porém, não seria definitiva. A Constituição estipula
que o Congresso deve dar a palavra final sobre o tema e uma decisão na Casa
poderia levar anos.
De qualquer forma, isso aumentaria muito as repercussões políticas do
caso.
Adams, da AGU, sustenta que uma rejeição seria inapropriada porque o TCU
ainda não teve tempo para avaliar a defesa das autoridades convocadas para
prestar esclarecimentos no caso das "pedaladas".
"O TCU deve analisar as defesas dos envolvidos no caso para somente
então tomar uma decisão final", defendeu.
O que é a Lei de Responsabilidade Fiscal?
Promulgada em 2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) procurou
consolidar toda a legislação sobre contas públicas que havia até então e
introduziu novas regras para controlar o nível de gasto e de endividamento da
União, Estados e Municípios.
Ela estabelece uma série de regras para impedir que os governantes de
turno gastem mais do que arrecadam, embora nem sempre deixe claro quais as
sanções para quem não cumpre as regras.
"Trata-se de um instrumento importante de estabilização do setor
público e da economia como um todo, que ajudou a combater a inflação", diz
Velloso.
"A lei proíbe, por exemplo, que os governos passem despesas para
seus sucessores sem ter em caixa provisão para cobri-las, algo que costumava
acontecer muito no passado."
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