O tombamento da paisagem pelo Iphan é a saída para representantes da
cultura e ativistas
CAMILA MORAES/MARÍA MARTÍN São Paulo 28 MAY 2015
JORNAL EL PAÍS – O JORNAL GLOBAL
Representantes do Movimento Estelita do Brasil e dirigentes do Ministério
da Cultura reuniram-se para discutir a situação do Cais Estelita / DIVULGAÇÃO
O cais José
Estelita, em Recife, encontrou uma rota de fuga para escapar das garras da
especulação imobiliária – e ela reside na Cultura, um espaço normalmente
preterido nas mentes da administração pública. Representantes do Movimento
Estelita Brasil se reuniram na última sexta-feira com o ministro da
Cultura, Juca Ferreira, para entregar um documento pedindo o tombamento do
Pátio Ferroviário das Cinco Pontas, que corresponde a quase toda a área do
cais.
No pátio,
sobrevivem as ruínas da primeira linha de trem de Pernambuco e a segunda do
Brasil, a Estrada de Ferro Recife ao São Francisco, inaugurada em 1858. Ainda
que ela pudesse ser reativada, o grande intuito da ação é preservar a paisagem,
impedindo a construção de um empreendimento de 12 torres com até 38 andares que
irá transformar completamente um dos cenários mais emblemáticos do
centro histórico da capital pernambucana. Juca Ferreira se mostrou favorável à
causa: "É preciso um reordenamento geral do planejamento urbano das
cidades brasileiras. Recife é uma delas", afirmou.
O músico
Otto, recifense que vive atualmente no Morro do Vidigal, no Rio de Janeiro, é
um dos representantes do movimento. Para ele, a construção dos prédios,
batizados de Novo Recife, “é uma tragédia, e nossa geração vai ser a
culpada disso ter acontecido”. “Tem o parque, a estação de trem e os trilhos...
Tudo o que está lá deve ser preservado, revitalizado. O tombamento é a
esperança disso acontecer”, opina o músico, que esteve na gênese do manguebeat –
movimento de contracultura nascido no Recife nos anos 90 que mescla ritmos
locais, como o maracatu, com batidas eletrônicas.
Da reunião no Ministério da Cultura, participaram
também a presidenta do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(Iphan), Jurema Machado, o secretário-executivo do MinC, João Brant, e o secretário
de Políticas Culturais, Guilherme Varella. Entre os ativistas, além de Otto,
estiveram presentes o diretor do movimento Estelita Brasil, Sérgio Urt, os
professores Liana Lins e Tomás Lapa, da Universidade Federal de Pernambuco, e o
produtor cultural Eduardo Vieira.
Lins, que é
doutora em Direito Público, conta que a frente do movimento que trabalha o
tombamento foi aberta em fevereiro, quando os ativistas se deram conta de que
havia um primeiro estudo realizado em 2004 pelo Iphan de Pernambuco em defesa
da preservação do parque ferroviário das Cinco Pontas. "Aí já se elaborava
a declaração da significância cultural do cais. É o documento que o Iphan usa
atualmente para concluir se o bem deve ser tombado ou não", diz.
O Ministério da
Cultura explica que um processo de tombamento é composto por várias etapas.
Após a análise do pedido, é feita uma avaliação técnica preliminar submetida à
deliberação das unidades responsáveis pela proteção aos bens culturais
brasileiros. Caso seja aprovada a intenção de proteger um bem, uma notificação
é expedida ao seu proprietário. A notificação já significa que o bem se
encontra sob a proteção legal até que a decisão final seja tomada pelo Conselho
Consultivo do Patrimônio Cultural, homologada pelo ministro da Cultura e
publicada no Diário Oficial. A conclusão do processo se dá quando há a
inscrição no Livro do Tombo e a comunicação formal do tombamento aos
proprietários.
O
Movimento Ocupe Estelita está confiante em relação ao passo dado.
Entretanto, o tombamento da paisagem não impede a construção urbana na área,
apenas limita os gabaritos (a altura máxima dos prédios). "A gente está
pedindo que o limite seja o mesmo das torres das igrejas de ilha Antonio Vaz,
no bairro São José".
Jurema
Machado, a presidenta do Iphan, explica que o protocolo do tombamento é
majoritariamente local e que o órgão atua tecnicamente, o que demanda um tempo
de análise. Foi prometido, no entanto, que se analisaria o pedido com a maior
urgência possível. "Recife talvez seja a cidade mais maltratada por sua
legislação urbanística", lamentou a presidenta do instituto.
Atualmente,
o empreendimento que pretende ocupar o cais José Estelita está suspenso graças
a um estudo arqueológico que o Iphan de Pernambuco está desenvolvendo na área
dos antigos armazéns, mas a proteção deve ser retirada até o final do ano com a
conclusão das análises. Depois de um ano de discussão, a Prefeitura acabou de
aprovar um plano urbanístico específico para a área que, na prática, dá luz
verde ao macroprojeto, embora, pelo menos, cinco ações judiciais que questionam
até a compra do terreno estejam sendo avaliadas pelos juízes.
Questionamentos
parecidos se deram em várias outras partes do cinturão do litoral recifense,
que é alvo da especulação há anos e hoje está tomado pelo mercado imobiliário.
Um filme do cineasta pernambucano Kleber Mendonça, o elogiadíssimo O
som ao redor, já projetou o tema em 2012. Kleber, por sinal, é um dos
signatários do pedido de tombamento, assim como o também cineasta Cláudio
Assis, o escritor e colunista do EL PAÍS Xico Sá, a cantora Karina
Buhr e os cantores Jorge DuPeixe e Fred ZeroQuatro.
Não muito
pode ser feito por Juca Ferreira neste momento, além de homologar o processo
que corre no Iphan (quando e se for aprovado o procedimento técnico). Mas o
tema parece ser de fato caro ao ministro, que declarou que pretende
estabelecer, no médio prazo, um programa de ocupação de espaços urbanos ociosos
por grupos culturais. Outro cais atingido pelo problema da especulação
imobiliária predatória é o Mauá, em Porto Alegre. Se o projeto de Juca vingar,
não só o Estelita, mas todo o país agradece.
Outro recifense anda lutando contra a especulação imobiliária, mas não
em sua terra natal, e sim no coração da Vila Madalena, bairro residencial – e
boêmio também – de São Paulo.
O músico, dançarino e ator Antonio Nóbrega, à frente há 22 anos do
teatro-escola Instituto Brincante junto à sua esposa, a atriz e dançarina
curitibana Rosane Almeida, na verdade já perdeu a briga com o dono do imóvel
que ocupa na rua Purpurina por força da chegada predatória de vários
empreendimentos à região.
Mas, ele, um dos mais importantes pesquisadores das tradições culturais
brasileiras, reafirma que “só quer brincar” e luta, agora, pela
construção de uma nova sede, ainda na Vila Madalena. Com o prazo de desocupar
até o fim do ano o local em que funciona atualmente, o Instituto Brincante
começou uma campanha de financiamento coletivo para arrecadar os 100.000 reais
necessários para construir a nova casa.
À comunidade,
especialmente àqueles ligados à cultura e às artes, o casal faz um caloroso
chamado de apoio. Quem se interessar em colaborar, encontra os detalhes da
iniciativa no canal oficial da campanha #FicaBrincante e naplataforma
Catarse, que será encerrada em 28 dias.
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