(Uma ode a Carlos Drumond
de andrade)
Advogado e escritor, um homem de
leis e letras. “Ensinar a viver” é a maior contribuição da arte a vida. Ensinar
a viver significa ensinar a amar a si e aos seus semelhantes. Adquirir o conhecimento
e transformá-lo em sabedoria de vida. Eis minha soberania subjetiva.
Publicado em literatura por Thiago Castilho
Este artigo encerra um micro-ensaio sobre o poeta Carlos Drummond de
Andrade, sua vida e sua obra extraordinária que influenciaram e continuam
influenciando gerações após gerações de poetas e escritores brasileiros. Além
disso, o artigo expõe o olhar apaixonado do autor por esse escritor sublime e
imortal.
O grande poeta
mineiro Carlos Drummond de Andrade é uma referência intelectual, artística e
humanista da cultura nacional e da língua portuguesa. Seu código poético
confessional complexo e labiríntico é fascinante e sereniza ao invés de
retorcer. “Míope, cardíaco e melancólico”, eis como o poeta costumava se
autorretratar. Sua escrita encantadora nos transmite a virtude e a volúpia da
expressão do pensamento pela palavra. Sua obra é composta pelos principais
temas humanos: o indivíduo, a família, o amor, a solidão, a liberdade, o tempo,
a política, a poesia e a morte. O coração-constituição desse poeta excepcional
destinava-se a realidade rochosa, mas riquíssima.
Drummond
nasceu em Itabira em 1902, formou-se em farmácia em 1925, contudo nunca exerceu
a profissão, segundo ele “Para o bem dos inocentes”. Ainda em 1925 casou-se com
Dolores Dutra de Morais com quem compartilhou uma companhia perpétua e teve uma
filha superamada Maria Julieta. Para ganhar a vida e sustentar a família, a
principio, trabalhou como professor de Geografia e logo depois como redator de
jornais. Em 1930 mudou-se para o Rio de Janeiro onde assumiu um cargo no
gabinete do então ministro da Educação e Saúde Gustavo Capanema. Nesse mesmo
ano publicou seu primeiro livro: Alguma poesia, seguido por mais de 40 livros
escritos e publicados entre prosa e poesia, influenciou e continua
influenciando gerações após gerações de poetas e escritores brasileiros, além
de ter sido consagrado com inúmeros prêmios e homenagens durante a vida,
destacando-se o premio da União Brasileira de Escritores por Lição de coisas.
Faleceu em 17 de agosto de1987 deixando milhões de órfãos das letras.
Dono de uma
“inteligência diabólica” conforme Mário de Andrade e de uma ironia divina,
assim era Drummond, nosso célebre poeta aclamado por muitos críticos e leitores
como o “poeta o mais forte” de nossa plêiade poética, embora numa entrevista
concedida a revista Veja poucos anos antes de morrer, ao jornalista que lhe
questionou “O senhor tem consciência da dimensão da sua obra?” Drummond disse,
não se sabe se a sério ou ironicamente: “Minha obra corre o risco de parecer
chata no futuro (...) Eu fui um homem qualquer.”. Todavia, Armando Freitas
Filho julga seu legado “uma força da natureza” fundamental para todos aqueles
que desejam conhecer o Brasil. Affonso Romano de Sant’ Anna o compreende como
um guache no espaço-tempo fractal, tirânico e antropofágico, maior, menor e
igual ao vasto mundo. Com sensibilidade feminina Adélia Prado define o fenômeno
da poesia como um delicado milagre do qual o impossível “urso polar” é o
bendito portador. Seu verso cantado a Machado de Assis poderia perfeitamente
ter sido consagrado a si mesmo: “Outros leram da vida um capítulo, tu leste o
livro inteiro.”. Conclusão do Aleph: “o essencial é viver”. Poesia é vida no
palimpsesto do tempo. Mas o mundo pode ser para o poeta em nosso tempo “um
vácuo atormentado, um sistema de erros.”. E assim ele interpela “Valeu a pena?”
Brasileiro,
pai de família pertencente à classe média, funcionário público, jornalista,
escritor profissional, crítico literário, observa-dor universal de nossa
precária condição... Se de tudo fica um pouco como afirmou no poema Resíduo,
como não ficaria um pouco desse magno mestre em seus ultra apaixonados
leitores? Ficou um pouco dele na máquina do mundo, no Pico de Itabira, na Praia
de Copacabana, na rosa do povo, no rancor de si mesmo da solitude, nas impurezas
do branco, em Londres, “naquela lata de conserva jogada do outro lado da
rua...” e “naquele casal que se beija do outro lado da cidade.”.
Ficou muito
de sua alguma poesia poderosa luz sólida consoladora em nossa terra aporética.
Ele foi o fazendeiro do ar que cultivou seu sentimento do mundo no brejo das
almas e deu uma lição de coisas a algumas sombras. Com elogio entusiástico,
Ferreira Gullar depôs: “Só ele podia dizer aquilo, só ele podia sentir
aquilo.”. O mito. Nu no frio. Sobre seu dom e sua paixão Drummond desabafou:
“Eu acredito que a poesia tenha sido uma vocação, embora não tenha sido uma
vocação desenvolvida conscientemente ou intencionalmente. Minha motivação foi
esta: tentar resolver, através de versos, problemas existenciais internos. São problemas
de angústia, incompreensão e inadaptação ao mundo”. O poema José é um símbolo
dessa tentativa talvez inglória. Contudo, como esculpiu lindamente no poema
Campo de flores: “Onde não há jardim, as flores nascem de um secreto
investimento em formas improváveis.”
Já no
magnífico poema A Mesa Carlos insinua que um membro de sua família se suicidou,
mas como que perdoando-o declara: “Não ser feliz tudo explica.”. Arúspice da
arte, desossava o arcano amanteigado e convulsivo nas dobras do destino “Amor é
bicho instruído” e se divertia descrevendo com dolorosa perfeição uma de nossas
maiores manias “Amar, depois de perder.”. Seus versos são imortais e
irresistíveis. Para Drummond a maior contribuição da arte para a vida era
“ensinar a viver”, embora não tivesse o dever de fazê-lo, e desbanalizar nosso
cotidiano cinza, vermelho e irrespirável.
Sua
sabedoria é redentora. Sobre os homens, a morte e a vida escreveu no poema Os
últimos dias: “E cada instante é diferente, e cada homem é diferente, e somos
todos iguais. No mesmo ventre o escuro inicial, na mesma terra o silêncio
global, mas não seja logo. (...) Ah, podeis rir também, não da dissolução, mas
do fato de alguém resistir-lhe, de outros virem depois, de todos sermos irmãos,
no ódio, no amor, na incompreensão e no sublime cotidiano, tudo, mas tudo é
nosso irmão. (...) a vida é bastante, que o tempo é boa medida, irmãos, vivamos
o tempo.”. O tempo presente.
Em sua
Antologia Poética no artigo de abertura intitulado Aos novos leitores ele narra
sua experiência de crucificação pessoal consumada na aurora de sua carreira:
“Fui muito criticado e ridicularizado quando jovem. (...) Achavam-me idiota ou
palhaço; suportei os ataques porque ao mesmo tempo recebia o estímulo de meus
companheiros de geração e de pessoas mais velhas, nas quais depositava
confiança, pela capacidade intelectual e pela honestidade de julgamento que as
distinguiam.”. No artigo supra confessa ter se ligado na mocidade ao movimento
modernista brasileiro “que se afirmou em São Paulo, em 1922, e deu maior
liberdade a criação poética.”. Entretanto, o bruxo de Minas não se julgava
modernista, mas pós-modernista. E no poema O Elefante admite: “Ele não
encontrou o de que carecia, o de que carecemos, eu e meu elefante, em que amo
disfarçar-me. Exausto de pesquisa, caiu-lhe o vasto engenho como simples
papel.”.
No universo
familiar não escapou ao clássico e complicado relacionamento masculino entre
pai e filho. Um verso fantasmagórico abre o poema Rua da Madrugada “A chuva
pingando desenterrou meu pai...”. Em A mesa revela: “Lá que brigamos, brigamos,
opa! que não foi brinquedo, mas os caminhos do amor, só amor sabe trilhá-los.
Tão ralo prazer te dei, nenhum, talvez. . . ou senão, esperança de prazer, é,
pode ser que te desse a neutra satisfação de alguém sentir que seu filho, de
tão inútil, seria sequer um sujeito ruim. Não sou um sujeito ruim. Descansa, se
o suspeitavas, mas não sou lá essas coisas. Alguns afetos recortam o meu
coração chateado. Se me chateio? demais. Esse é meu mal. Não herdei de ti essa
balda.”. No entanto no poema Viagem na família finaliza intuindo um indulto
silente semeado pela sombra shakespeariana do pai “Senti que me perdoava porem
nada dizia/ As águas cobrem o bigode, a família, Itabira, tudo.”.
Entre sua
infância idílica e sua idade madura, entre sua pedra anarquista e sua doce
pornografia, entre sua personalidade tímida e seu “anseio de absoluto”, este
gênio A. C. multifacetado da Literatura dedicou-se ao ofício diário e secreto
da técnica, da leitura, da contemplação e da ação porque entendia que poesia
era “negócio de grande responsabilidade”, capaz de salvar o homem de sua
mediocridade e indiferença social. O poema Desaparecimento de Luiza Porto
inspirado numa notícia de jornal é uma metáfora compassiva sobre o sofrimento daqueles
que perdem alguém que amam sem nenhuma explicação, porém não perdem a doce
esperança de que um dia eles retornem sem nenhuma explicação. Um versinho dele
diz assim “E de sentir compreendemos.”.
Parindo
palavras de efeitos especiais com gigantes ombros que suportavam o mundo,
“Drummundo” nos ensinou que a vida, claro enigma sagrado e supremo, é uma ordem
e que amar se aprende amando (até na falta de amor). Por isso devemos lê-lo
sempre e refletir profundamente sobre seu elevado, sofisticado e diamantino
testemunho da experiência humana na vida de nossas retinas tão fatigadas pelas
pedras no meio do caminho. Assim sentenciou o poeta do mundo: “Se procurar bem
você acaba encontrando. Não a explicação (duvidosa) da vida, / Mas a poesia
(inexplicável) da vida.”. Sim, valeu a pena. Eis o epitáfio do elefante:
“Amanhã recomeço.”.
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