Publicado em sociedade por Yasmin Corbo
A vida é especialista em
construir sentidos não roteirizados, dramas – às vezes avacalhados – justiças tortas
e comédias tristes. Amores eternos terminam, e casamentos de fachada duram uma
vida; doenças pequenas são gritantes e as fatais, silenciosas. Afinal, qual o
seu critério, vida?
A vida é um
organismo em separado. Decide sem consultar. É a soma dos nossos investimentos,
mas o saldo final tem números que só pertencem a ela. O que se sabe é que ela é
especialista em construir sentidos não roteirizados, dramas – às vezes
avacalhados – justiças tortas e comédias tristes. Morrem-se anjos e os vasos ruins
continuam por aí. Amores eternos terminam, e casamentos de fachada duram uma
vida; doenças pequenas são gritantes e as fatais, silenciosas. Afinal, qual é o
seu critério, vida?
É que de
mim não se esconde nada, respondeu. Ela é boa, mas é a primeira a sentir o
gosto amargo de um alguém que já não está muito afim dela. E quando você
afrouxa a corda, mostra falta de fôlego, ela responde a altura. Osho disse que
“uma vida não-vivida dá poder à morte”. Em contrapartida, quem a vê com bons
olhos e reconhece o seu favor dá a ela possibilidade de se reciclar. E nisso
ela é ilimitada.
Não à toa,
a palavra misericórdia, em hebraico, se assemelha à palavra útero. O útero, a
primeira casa da existência, permite que o que foi gerado internamente possa
nascer. E nascer. E nascer. Como todos os dias, as misericórdias se renovam,
dando novas e ilimitadas chances, permitindo que o rio continue a fluir, que
nada seja fatal, minando os abortos que querem sabotar a nossa fé na vida.
A
misericórdia é a vírgula das nossas histórias! É graças a ela que as
fatalidades frustradas, os encontros cronometrados, os desencontros
providenciais e a concordância orgânica que há dentro de nós quando nossas
células resolvem por se reproduzir são maximizadas. São esses os renascimentos
cotidianos, tão pouco prestigiados por nossa vida apressada, que, sem
frequência ou sentido, engrenam a existência e abrem portas para novidades
vindouras. Quem toma dessa água, vê nela o reflexo de alguém que merece viver.
Por isso
existem idosos jovens, e jovens velhos. Pois se alguém resistir a vida, ela
resistirá a essa pessoa. Não há mistério nisso: Só há morte para quem, no
afrouxar da corda, deixa escapar de suas mãos não o controle, mas o combustível
que dá o fôlego de vida. E esse combustível não segue regras. Segue vidas. E as
reconciliam com os seus donos. Um brinde à recomposição da vida, que é a grande
autora do amanhã.
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