Política
Por
Paulo Roberto Sampaio
Jornal
– Tribuna da Bahia
Sem
participação direta no governo Dilma, embora seja seu criador, o ex-presidente
Lula parece ter descoberto uma forma de se valer do delicado momento do governo
da presidente para ir descolando sua imagem da dela, a ponto de se tornar um
crítico tão ácido quanto os oposicionistas. E o que Lula pretende com isso?
Habilidoso
e mestre na arte de fazer política, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
escolheu um ambiente neutro e uma plateia avessa a escândalos e apupos para sua
primeira saraivada de críticas duras ao governo Dilma, definido, por ele, como
bastante negativo: um encontro com líderes religiosos, realizado no auditório
do seu Instituto Lula.
Depois de alguns
rodeios para não parecer missa encomendada, até porque na plateia existiam
outros mais qualificados para a celebração do ato ecumênico, Lula começou
expondo as contradições que a presidente Dilma acabou produzindo em relação às
afirmativas que fez durante a campanha eleitoral. "Tem uma frase da
companheira Dilma que é sagrada: ‘Eu não mexo no direito dos trabalhadores nem
que a vaca tussa’. E mexeu".
A plateia
que podia esperar até uma espécie de defesa do ex para a atitude da criatura,
por conta do delicado momento vivido pela economia nacional, foi surpreendida
com outra frase, que revela contradições no que Dilma diz e no que Dilma faz.
"Tem
outra frase de Dilma que é marcante, que diz o seguinte: ‘Eu não vou fazer
ajuste, ajuste é coisa de tucano’. E fez. E os tucanos sabiamente colocaram
Dilma falando isso (no spot de TV) e dizendo que ela mente. Era uma coisa muito
forte. E fiquei muito preocupado", afirmou Lula, tentando ser
piedoso, já que a plateia abrigava muitos piedosos.
Na verdade,
o ex tratou de tirar da oposição a primazia da crítica, até porque ela é
universal no país, como o próprio Lula fez questão de anotar:
"Acabamos de fazer uma pesquisa em Santo André e São Bernardo, e a nossa
rejeição chega a 75%. Entreguei a pesquisa para Dilma, em que nós só temos 7%
de bom e ótimo", disse Lula, revelando uma aparente preocupação, seguida
de um gesto de conforto ao revelar que disse a Dilma que a pesquisa não deveria
desanimá-la.
"Isso
é para você saber que a gente tem de mudar, que a gente pode se
recuperar", disse um Lula que quando usa a primeira pessoa do plural
parece atenuar a crítica, mas na verdade o faz para não parecer contraditório,
já que sua imagem de criador ainda está muito ligada à da criatura, ainda que
estejam se afastando a cada dia.
Dilma fez
questão de fazer à sua semelhança seu segundo mandato, afastou lulistas de
carteirinha da sua volta e o maior exemplo foi o ministro Gilberto Carvalho,
uma encarnação de Lula no Planalto. Sendo ouvido cada vez menos, Lula parece
ter concluído de que há espaço dentro do PT, e da própria sociedade, para
resgatar seu patrimônio eleitoral, antes que a presidente o destrua totalmente.
E é o que faz.
Que o diga
mais uma frase lapidar do ex, mestre nessa arte: "Dilma está no volume
morto, o PT está abaixo do volume morto, e eu estou no volume morto. Todos
estão numa situação muito ruim. E olha que o PT ainda é o melhor partido.
Estamos perdendo para nós mesmos", criticou o ex-presidente, minimizando a
força da oposição, principalmente a tucana.
Numa só
estocada, Lula atingiu Dilma, o partido e os adversários tucanos. E,
estrategicamente, também se imolou. Mas a expressão "volume morto"
tinha um objetivo forte: uma dura referência à crise de abastecimento de água
em São Paulo, o mais rico estado do país e governado pelos tucanos, mas que,
apesar disso, vive uma seca que faz lembrar a do sertão que Lula tão bem
conhece.
Quem,
nadando em dinheiro, como Alkimin e a tucanada que o cerca, morre na seca sem
saber enfrentar o problema, imagine governando um país com tantos bolsões de
miséria e com uma seca tão cruel a castigar impiedosamente o semiárido e o
sertão nordestino? Lula deixou implicitamente a estocada no ar.
De quebra,
aproveitou a semana para antecipar, como uma tentativa de criar uma preventiva
blindagem, que a investigação da Lava-Jato não tarda a chegar a ele. Posou,
antecipadamente, de vítima no caso e de crítico independente do governo.
Se chegou a
admitir estar no volume morto, quem sabe não caminha para a ressuscitação? Ao
menos na plateia, formada por tantos líderes religiosos, todos conhecem a
história de outro filho de Deus que fez o mesmo há dois mil e poucos anos. Por
que não crer num novo milagre agora?
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