Celebração para o solstício de verão está por trás das comemorações
católicas juninas
JOSÉ MANUEL ABAD LIÑÁN
São João de Aracaju. / MARCOS
BORGES/ PREFEITURA DE ARACAJU
A noite de
São João, que espalha festas que vão da Espanha e Portugal ao Brasil, é fruto
da cristianização de um rito pagão, a chegada do solstício de
verão no hemisfério norte. A partir dessa data na Europa, o sol começa a
baixar no horizonte (os dias começam a ficar mais curtos lentamente) e, para
ajudar a estrela nesse transe, o astro é aquecido com as fogueiras. Foi essa
tradição que os colonizadores portugueses trouxeram para o Brasil, onde se
enraizou e se misturou com as festas e instrumentos locais.
A noite de São João não é a única tradição ligada a
um evento astronômico, diz Juan Antonio Belmonte, cientista do Instituto de
Astrofísica das Ilhas Canárias (Espanha) e especialista em arqueoastronomia, a
ciência que estuda o uso da astronomia nas culturas antigas: "As
Cruzes de Maio também têm origem pagã e astronômica e estão vinculadas à antiga
tradição celta de Beltane ou Bealtaine, no início de maio, que festejava o auge
do verão. No calendário atual, as estações são divididas de forma diferente da
dos celtas, provavelmente também como se fazia no mundo celta hispânico, para
os quais o verão começava no início de maio e não com o solstício", destaca
o pesquisador.
As Cruzes de Maio também têm origem pagã e astronômica e estão
vinculadas à antiga tradição celta de Beltane ou Bealtaine, no início de maio,
que festejava o auge do verão
Por quê?
"Ao contrário de nós, os celtas celebravam o momento culminante de cada
estação, não seu início." Assim, o auge do outono, chamado de Lugnasad,
coincidia aproximadamente com a festa da Virgem de Agosto, em meados de agosto;
o do inverno, em novembro (Imbolc, a atual festa de Todos os Santos); e a comemoração
da primavera era próxima da atual Candelária, conhecida como Candlemas, no
início de fevereiro. "Quatro das festas cristãs mais importantes são, na
verdade, festas pagãs" relacionadas com eventos astronômicos, disse o
especialista. "Do ponto de vista de horas de sol, especialmente no centro
e norte da Europa, faz sentido celebrar o verão de maio a agosto, que são os
dias mais longos do ano", diz.
O Natal é o
exemplo mais evidente de cristianização de um evento astronômico.
"Comemora-se o nascimento do Sol Invicto, o solstício de inverno. Na
Bíblia, não há nenhum registro de quando Jesus nasceu, mas diz-se que em
torno do portal havia ovelhas pastando. Isso era impensável na Palestina em
dezembro; as ovelhas estavam nos estábulos", diz o pesquisador Juan
Antonio Belmonte. Jesus de Nazaré teria "nascido na primavera ou no verão,
mas em um determinado momento o papado estava interessado em cristianizar um
dos marcos mais importantes do calendário pagão". Essa data também
coincidia com a comemoração do nascimento do deus Mitra, uma das duas religiões
mais populares no século III e IV, curiosamente com o seu grande rival, o
cristianismo.
Solstício de inverno no hemisfério sul
Nessas
mesmas datas, Peru, Equador e Colômbia comemoram o Inti Raymi, uma festa de
adoração ao deus Sol inca, Inti, que marca a chegada do solstício de inverno no
hemisfério sul. "Era uma festa em decadência, mas devido ao interesse
turístico nos últimos anos o deus Inti voltou a passear pela cidade. Em
Sacsayhuamán [esplanada ao norte de Cuzco, Peru], realiza-se um festival
com danças típicas", diz Belmonte.
É preciso
ir ao Japão para ver outra tradição ligada aos solstícios. A religião oficial
do país, o xintoísmo, homenageia sua deusa do sol Amaterasu, considerada uma
antepassada da família imperial. "A cada 20 anos, um templo completamente
renovado é inaugurado para a deusa na cidade de Ise. Os destroços dos templos
anteriores são espalhados por todo o país como relíquias."
Embora
Belmonte não estabeleça um vínculo entre as duas tradições, no cristianismo
existe um ciclo com duração muito semelhante: o chamado ciclo metônico, de 19
anos, usado para definir a data da Páscoa de Ressurreição. Sua definição parece
típica de um trava-línguas: "O Domingo de Glória é o primeiro domingo após
a lua cheia, sempre depois do equinócio da primavera e que não termine em
domingo. Por isso é sempre lua cheia na Semana Santa”.
Sabe-se que
as civilizações desaparecidas davam muita importância às mudanças das estações.
"Não há registros da época pré-histórica, mas temos monumentos que indicam
que as culturas conheciam o solstício de verão. Stonehenge é um exemplo."
Mas "é importante indicar que não se trata de um observatório", mas
um lugar de comemoração, de controle mágico da natureza. Para Belmonte, o
cromlech inglês é "um templo funerário que inclui orientações
astronômicas, como as pirâmides do Egito".
É preciso esperar
os gregos para encontrar os primeiros observatórios: "Foram os primeiros a
observar o céu com objetivos científicos, embora os egípcios e babilônios já
olhavam para o céu com senso prático para estabelecer relógios estelares e
medir o tempo; observavam o céu para estabelecer calendários mais ou menos
regulares". O instrumento astronômico mais antigo registrado é a máquina
de Anticítera, descoberta entre os destroços de um naufrágio. Graças a uma
tomografia em camadas "sabe-se que é um dispositivo que permitia calcular
as órbitas planetárias e as horas de uma maneira relativamente precisa",
diz o pesquisador. "Os gregos no período helenístico conseguiram criar
instrumentos avançados de observação."
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