Paz e futebol
Misturar futebol e religião não é uma frivolidade: o presidente da
Colômbia não escondeu seu desejo de utilizar os esportes como instrumento para
promover a paz no país
JOHN CARLIN 17 JUN 2015
EL PAÍS – O JORNAL GLOBAL
O papa Francisco. / EFE
O
presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, se reuniu na segunda-feira com
o Papa Francisco no Vaticano para pedir seu apoio no processo de
paz em seu país, que está cambaleando. Aproveitou para pedir ao pontífice que
rezasse pela seleção colombiana de futebol, cujas perspectivas na Copa
América não são boas depois da triste derrota do domingo contra a
Venezuela.
Misturar as
duas coisas não é uma frivolidade. Por um lado, porque entre as muitas virtudes
do papa argentino destaca-se sua famosa condição de torcedor; por outro, porque
o presidente Santos não escondeu seu desejo de utilizar os esportes como
instrumento para promover a paz na Colômbia, que está em guerra há meio
século. São poucos os países nos quais a seleção nacional de futebol não seja
um fenômeno unificador. Em muitos casos, é a única entidade que anima as
pessoas a deixar de lado suas diferenças políticas, religiosas ou raciais e
assumir uma causa comum. Isso acontece em outros esportes também. A seleção de
críquete do Afeganistão contou com o apoio dos talibãs e da totalidade do resto
da população durante o mundial que acaba de ser realizado na Austrália e na
Nova Zelândia.
Podemos
supor que os elementos mais talibãs da sociedade colombiana compartilham o
mesmo desejo que as outras pessoas de que seu time avance na Copa América.
Seria pedir muito que o presidente Santos, sua nêmeses, o ex-presidente Álvaro
Uribe, e os líderes guerrilheiros das FARC se abracem e digam adeus a
todas suas diferenças se acontecesse o milagre de que James, Falcao e companhia
ganhassem o torneio? Mas no caso de que as três partes antagônicas se
encontrassem em um remoto lugar da selva com apenas uma televisão disponível
para ver, por exemplo, o jogo Colômbia-Brasil na noite desta
quarta-feira e, não seria um disparate imaginar que haveria uma trégua para
poderem ver a partida juntos.
Essa foi a
ficção em que se baseou um simpático filme colombiano chamado Golpe de
estádio no qual guerrilheiros e militares suspendem seus desejos de
aniquilação mútua para ver pela televisão a célebre partida de 1993 na qual a
Colômbia ganhou da Argentina por 5 a 0 em Buenos Aires e se classificou para a
Copa do Mundo dos Estados Unidos. Seria uma ficção ainda menos crível que um
triunfo colombiano no Chile conduzisse diretamente ao final da guerra, mas
faria muito bem para a moral nacional, geraria sentimentos de solidariedade e
daria algum impulso ao processo de paz – especialmente se os líderes das FARC
tivessem a inteligência de demonstrar que compartilham a alegria geral.
O Papa Francisco
disse depois de seu encontro com Santos que estava disposto a fazer o que fosse
necessário para apoiar a paz na Colômbia. Poderia começar pedindo a Deus que
desperte a genialidade de James (meio dormido contra a Venezuela), que
afine a pontaria de Falcao (inexistente há meses) e que a defesa
colombiana demonstre um mínimo de organização. O interessante seria saber se,
no caso hoje remoto de que Colômbia e Argentina se encontrassem na final, o
Santo Papa colocaria seus desejos de paz na Terra à frente de seu amor de
torcedor pela seleção da pátria em que nasceu.
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