Política/Lava-Jato
Se indicado por Dilma Rousseff, atual procurador-geral terá de passar
pelo crivo do Senado
AFONSO BENITES São Paulo, 1º JUN 2015
El País – O Jornal global
O procurador Janot, em outubro passado. / FELIPE SAMPAIO (STF)
Na mira de
raivosos políticos acossados pela operação Lava Jato, o Ministério Público
Federal inicia nesta semana o processo de escolha de seu chefe para o biênio
2015-2017. Entre os prováveis candidatos está o atual nome do cargo — e
considerado favorito para permanecer nele —, Rodrigo Janot, à frente da
investigação contra dezenas de políticos implicados no chamado Caso
Petrobras, um dos maiores escândalos de corrupção da história.
Ao todo, cinco procuradores devem ser os candidatos
à função. Os concorrentes começarão a se inscrever a partir da próxima
sexta-feira e terão até o dia 15 para fazê-lo. A eleição, interna e informal,
ocorrerá no dia 5 de agosto. Os três que tiverem mais votos entre todos os membros
do MPF terão seus nomes levados para a presidente Dilma Rousseff (PT), que
possivelmente escolherá um deles para ocupar o cargo.
Como a
escolha do procurador-geral é uma decisão do chefe do Executivo, Rousseff
poderá acatar ou não o nome daquele que for o mais votado pela Associação
Nacional dos Procuradores da República. Depois, o escolhido passará pela
análise do Senado, que terá de aprová-lo com o aval de ao menos 41 dos 81
parlamentares. Nos últimos dez anos, o mais votado pelos procuradores foi o
escolhido pelo presidente e aceito pelos senadores.
Todos os
holofotes levam a Rodrigo Janot. É nele que estão centradas as críticas à
atuação dos procuradores que investigam 49 políticos brasileiros suspeitos de
participarem do esquema de corrupção que desviou ao menos 6 bilhões de reais da
Petrobras. Os outros potenciais candidatos são os subprocuradores-gerais Mário
Bonsaglia, Carlos Frederico Santos, Raquel Dodge e Nicolao Dino (leia mais
sobre eles abaixo).
Janot ainda
não confirmou se disputará a recondução. Porém, sua ausência seria vista como
uma derrota diante das pressões que sofre nos últimos dias por causa da Lava
Jato. "É mais do que esperado que ele se candidate", diz um
procurador ligado a ele. Uma de suas dificuldades seria a avaliação do Senado. Dos
49 investigados, 12 são senadores da atual legislatura, de cinco partidos
diferentes, inclusive do oposicionista PSDB. Na lista também estão os
presidentes da Câmara e do Senado, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Renan Calheiros
(PMDB-AL).
Cerco
O cerco ao
procurador-geral se intensificou no mês passado. Solicitações para depor na CPI
da Petrobras, pedidos de investigação de sua gestão e até mudança na legislação
são algumas das medidas usadas pelos congressistas investigados para pressionar
o principal responsável por conduzir as apurações contra os políticos no caso
de desvio de recursos da petroleira estatal.
Senador
Fernando Collor
A
temperatura subiu quando o senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL)
chamou o procurador de chantagista, porque pediu, e obteve, a quebra de sigilo
fiscal e bancário dele por suspeita de envolvimento com a quadrilha que agia na
Petrobras. Nos dias 11 e 12 do mês passado, o parlamentar apresentou quatro
requerimentos de investigação contra o chefe do Ministério Público Federal. O
senador diz que Janot usa seu cargo para se autopromover, desperdiça dinheiro
público e faz encontros secretos para definir quem deve ou não ser investigado.
Em um discurso
no plenário do Senado, Collor disse que Janot age com o “nítido intuito de
intimidação” ao pedir a quebra de seus sigilos. “O nome dessa conduta é
chantagem. Só que o senhor Janot, o chantagista, comigo não se cria. Ele
estiola [enfraquece]”, afirmou o senador, o auto intitulado “caçador de
marajás” que presidiu o país entre 1990 e 1992, quando sofreu um impeachment.
“Até quando suportaremos esse populismo judicial de Janot, um especialista em
escolher alvos e em chantagear?”. Conforme um dos delatores do esquema, o
doleiro Alberto Youssef, Collor recebeu 3 milhões de reais em
propinas pagas pela BR Distribuidora, uma empresa vinculada à Petrobras. O
senador nega.
Os
requerimentos apresentados por Collor, na visão de especialistas, não são
irregulares. “A ação do senador não é questionável do ponto de vista legal.
Pelo contrário, o Senado está fazendo seu papel de investigar o Ministério
Público, o que raramente ocorre. Ninguém está acima da lei”, diz Marcelo
Figueiredo, advogado e professor de direito público da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP). Figueiredo, contudo, pondera que nem sempre as
ações dos senadores são de interesse público. “Nesse caso parece algo
individual, secundário”.
Já o
presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José
Robalinho Cavalcante, diz que a ação de Collor é infundada. “Ele está usando a
sua prerrogativa de senador, mas o conteúdo dos documentos apresentados por ele
não comprovam nenhuma irregularidade. Essa não é uma forma inteligente de
enfrentar o Ministério Público”.
Segunda
frente
A outra
linha de ataque a Janot está na Câmara dos Deputados. Lá, o seu principal
articulador é o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que já disse
que o procurador tem uma querela pessoal contra ele. Cunha, suspeito de
pressionar empresas ligadas à Petrobras por meio de requerimentos
parlamentares, sugeriu a aliados que elaborem um projeto de emenda
constitucional que impeça a recondução de um procurador-geral ao cargo.
Procurador
José Robalinho
Atualmente,
conforme previsto na legislação, é possível haver a recondução para a função. O
mandato é de dois anos e o de Janot começou em setembro de 2013. “Falta pouco
mais de três meses para a escolha do novo procurador ou para a recondução do
atual. Uma medida como essa, que altera a Constituição, não passa de uma hora
para a outra no Congresso. O ato pode ser visto como retaliação a um trabalho
sério que vem sendo feito, mas não acredito que dê tempo de entrar em vigor”,
analisou o procurador Robalinho, da ANPR.
Na Câmara,
até membros de partidos de oposição ao Governo Dilma Rousseff acabam
levantando dúvidas sobre o trabalho do procurador-geral. O deputado federal
Paulo Pereira da Silva (SD), por exemplo, apresentou dois pedidos de convocação
de Janot para depor na CPI da Petrobras. É incomum procuradores-gerais
responderem a questionamentos de deputados nessas situações. Um deputado do
partido de Pereira também é investigado pela Lava Jato.
Janot, por
sua vez, prefere o silêncio. Ele não atendeu ao pedido de entrevista feito pelo
EL PAÍS e desde novembro do ano passado não atende à imprensa individualmente,
segundo sua assessoria. A amigos, diz que está tranquilo quanto à investigação
da Lava Jato porque ela seria impessoal e cercada de provas robustas. Sobre as
pressões que sofre, diz que são algo normal em sua profissão.
Até o governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), pouco se ouvia
falar o nome do procurador-geral da República. Foi na gestão dele, que o cargo
começou a ganhar destaque. Na ocasião, a fama foi negativa, quando Geraldo
Brindeiro ganhou o apelido de "engavetador-geral da República". A
razão era que poucos processos de investigação contra grandes figuras políticas
tinham sequência.
O nome de Brindeiro foi rejeitado pela sua própria classe, que
encaminhou uma lista tríplice para FHC em 2001. Porém, o presidente ignorou os
anseios da classe. De 2003 para cá, as listas tríplices informais elaboradas
pela Associação Nacional de Procuradores da República passaram a ser levadas em
conta. Sempre o primeiro colocado acabou sendo escolhido.
Depois dos anos Brindeiro, o cargo de procurador-geral ganhou destaques
positivos. Os mais recentes foram a investigação do mensalão petista (iniciado
com o Antonio Fernando de Souza e concluído com Roberto Gurgel) e atualmente
com a operação Lava Jato.
Antes de ser conduzido ao cargo de procurador-geral em 2013, Janot foi
derrotado no pleito da ANPR de 2011, quando ficou em segundo lugar. Para este
ano, quando deve tentar sua recondução, seus principais concorrentes serão os
seguintes subprocuradores-gerais da República:
Carlos Frederico Santos. Atuou nas
procuradorias do Amazonas e de Roraima. Presidiu a ANPR e se destacou como o
primeiro procurador a denunciar o genocídio de povos indígenas. Também se
notabilizou por tentar impedir obras de uma hidrelétrica na reserva indígena
Raposa Serra do Sol, em Roraima.
Mário Bonsaglia. Doutor em direito do Estado pela Universidade de
São Paulo (USP), atuou na procuradoria de São Paulo e já emitiu pareceres na
operação Lava Jato. É bastante ativo nas redes sociais e já "comprou
briga" com a Polícia Federal sobre o direito do Ministério Público poder
investigar.
Nicolao Dino. Professor da Universidade de Brasília é um dos
principais aliados de Rodrigo Janot, o que pode dificultar sua candidatura. Atualmente
ocupa o cargo de "articulador político" da Procuradoria-Geral. Tem
forte atuação na área criminal e é irmão do atual governador do Maranhão, o
ex-juiz Flavio Dino. Sua ligação familiar fez com que ele fosse rejeitado pelos
senadores para um cargo de conselheiro do Conselho Nacional do Ministério
Público.
Raquel Dodge. Era tida
como uma das favoritas na eleição de 2013. Mas não compôs a listra tríplice da
ANPR. Nos últimos anos, foi a responsável para operação Caixa de Pandora, que
denunciou 38 pessoas por corrupção e resultou no afastamento do então
governador do Distrito Federal José Roberto Arruda, em 2010.
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