quinta-feira, 11 de junho de 2015

‘SATISFACTION’ FAZ 50 ANOS: O SEGREDO DA MÚSICA QUE TRANSFORMOU OS STONES

Curiosidade musical

Greg Kot*Especial para a BBC Culture



 Esta música já está no ar há tanto tempo – 50 anos completados no último sábado, para ser mais exato – que ela parece ser onipresente.

Emissoras de rádio do mundo inteiro ainda a tocam com frequência, e é quase automático cantar e dançar ao som dela.
(I Can’t Get No) Satisfaction acabou se tornando um marco na carreira dos Rolling Stones e da cultura que eles ajudaram a formar. Um sucesso que, ao mesmo tempo, definiu uma era e também transcendeu o seu tempo.
Os Stones ainda tocam a canção em seus shows em parte para agradar os fãs que sempre pedem por ela. "Essa foi a música que realmente fez de nós os Rolling Stones", disse Mick Jagger certa vez à revista Rolling Stone. "Ela nos fez deixar de ser uma banda qualquer para nos tornarmos uma banda gigantesca, monstruosa."
O que a torna tão especial, mesmo dentre a enorme coleção de sucessos dos Stones? E por que tantos artistas a regravaram, de Aretha Franklin a Britney Spears?
Nascida de um sonho


A pedido dos fãs, Stones ainda tocam 'Satisfaction' ao vivo em seu shows
   
Tudo começou com um sonho que Keith Richards teve durante uma turnê dos Stones pelos Estados Unidos em 1965. Ele acordou em um quarto de hotel na Flórida uma manhã e notou que, no meio da noite, tinha se levantado e gravado um riff acústico e um refrão em uma fita cassete, deixada em sua mesa de cabeceira.
Alguns dias depois, Mick Jagger terminou os versos, e a banda partiu para gravar a faixa. Primeiro, uma versão acústica, nos Chess Studios, em Chicago, e depois, uma versão elétrica, na RCA, em Hollywood.
Richards conta ter imaginado o riff original sendo executado por instrumentos de metais – assim como Dancing in the Street, de Martha and the Vandellas – e queria um som mais duro. Um pedal Gibson trazido pelo faz-tudo dos Stones, Ian Stewart, foi a solução.
A guitarra distorcida de Richards explodiu pelos alto-falantes e Jagger transformou cada sílaba em uma acusação, como se estivesse enfiando seu dedo médio no peito de algum executivo desavisado.
Por suas palavras escorriam veneno, sarcasmo e sexo. Era ao mesmo tempo um ataque à sociedade heterossexual e seus valores consumistas, e uma expressão sem censura dos desejos mais básicos de um garoto se transformando em homem.
Questão de gosto

A cantora Aretha Franklin relançou a canção nas paradas ao gravá-la em 1968


Os Stones, que até então eram conhecidos por serem puristas do blues mas estavam apenas começando a compor suas próprias canções, fizeram um sucesso instantâneo. Algumas semanas depois de seu lançamento, Satisfaction chegava ao topo das paradas nos Estados Unidos e permaneceria nas primeiras posições por mais três meses, dominando o verão de 1965.

É verdade que as insinuações sexuais da música deixaram alguns radialistas nervosos, mas isso não prejudicou seu desempenho entre o público. O desejo de Jagger de "make some girl" ("de arrumar alguma garota", em tradução livre) foi censurado em pelo menos uma grande emissora de rádio de Nova York e em programas de TV de sucesso como Shinding! e The Ed Sullivan Show.

Richards estava envergonhado porque achava que a canção não estava finalizada. Para ele, as trompas ainda tinham que tocar o riff que viria a se tornar imortal com sua guitarra. Mas a reação dos fãs mostrou que ele estava errado.
O guitarrista também falou sobre o papel de Satisfaction na construção dos Rolling Stones. "Não discuto a função que a canção teve como um marco para os Stones", disse ele em sua autobiografia. "Mas nem tudo é feito apenas para agradar o seu próprio gosto."
De festivais a igrejas

A banda Devo, de Ohio, gravou uma versão que foi elogiada por Mick Jagger

Ao menos para os integrantes da banda, o que realmente formou a reputação da canção foi o fato de ela ter sido regravada – e muito bem regravada – por alguns de seus heróis.

Como se tivesse lido a mente de Richards, Otis Redding colocou trompetes para tocar o riff matador em sua versão de Satisfaction.
No entanto, assim como muitos ouvintes, ele não conseguiu decifrar algumas das palavras de Jagger, então acrescentou suas próprias. Não importa. A lenda do soul fez uma ponte com uma nova plateia quando apresentou uma interpretação frenética de Satisfaction no Festival Pop de Monterey, em 1967.
Já a versão de Aretha Franklin, acompanhada por um piano, levou os Stones às igrejas, e a música voltou às paradas em 1968.
‘Rock por excelência’
Satisfaction ressurgiu uma década depois, mesmo quando os Stones e muitos de seus contemporâneos do rock clássico estavam sendo relegados a um lugar no passado por novas bandas de punk-rock.

A inquieta versão do Devo para a canção foi o carro-chefe do brilhante álbum de estreia dessa banda de Ohio, em 1978, Q: Are We Not Men? A: We Are Devo!.
"Sempre achei que Satisfaction é a canção de rock por excelência", afirmou certa vez Mark Mothersbaugh, vocalista do Devo. O grupo mostrou a Jagger sua versão antes de lançá-la. "Depois de uns 30 segundos, ele saltou da cadeira e começou a dançar pela sala. Depois nos disse: 'Esta é a minha versão favorita da música!'", lembra o músico.
Gravações mais recentes conseguiram completar toda a gama de possibilidades interpretativas. A versão de Cat Power, de 2000, tornou Satisfaction um lamento acústico assombrado, com a frustração e a alienação espreitando sob sua superfície esfumaçada.
Naquele mesmo ano, Britney Spears deu à música uma cara mais descolada, com a ajuda do produtor Rodney Jerkins. É verdade que o marketing teve seu papel, com Spears tentando ampliar seu público para além dos adolescentes.

Certamente, (I Can’t Get No) Satisfaction foi originalmente vista como um ataque a uma geração mais velha. Em 1969, Jagger jurou que jamais seria flagrado cantando a música aos 50 anos. Hoje com seus 71, é com essa canção que ele e os Stones encerram os shows de sua atual turnê pelos Estados Unidos.

Apesar dos Stones, Satisfaction ainda vive.


*Greg Kot é crítico de música do jornal Chicago Tribune.”

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