Curiosidade musical
Greg Kot*Especial para a BBC Culture
Esta
música já está no ar há tanto tempo – 50 anos completados no último sábado,
para ser mais exato – que ela parece ser onipresente.
Emissoras de rádio do mundo inteiro ainda a tocam com frequência, e é
quase automático cantar e dançar ao som dela.
(I Can’t Get No) Satisfaction acabou
se tornando um marco na carreira dos Rolling Stones e da cultura que eles
ajudaram a formar. Um sucesso que, ao mesmo tempo, definiu uma era e também
transcendeu o seu tempo.
Os Stones ainda tocam a canção em seus shows em
parte para agradar os fãs que sempre pedem por ela. "Essa foi a música que
realmente fez de nós os Rolling Stones", disse Mick Jagger certa vez à
revista Rolling Stone. "Ela nos fez deixar de ser uma
banda qualquer para nos tornarmos uma banda gigantesca, monstruosa."
O que a torna tão especial, mesmo dentre a enorme coleção de sucessos
dos Stones? E por que tantos artistas a regravaram, de Aretha Franklin a
Britney Spears?
Nascida de um sonho
A pedido dos fãs, Stones ainda tocam 'Satisfaction'
ao vivo em seu shows
Tudo começou com um sonho que Keith Richards teve
durante uma turnê dos Stones pelos Estados Unidos em 1965. Ele acordou em um
quarto de hotel na Flórida uma manhã e notou que, no meio da noite, tinha se
levantado e gravado um riff acústico e
um refrão em uma fita cassete, deixada em sua mesa de cabeceira.
Alguns dias depois, Mick Jagger terminou os versos, e a banda partiu
para gravar a faixa. Primeiro, uma versão acústica, nos Chess Studios, em
Chicago, e depois, uma versão elétrica, na RCA, em Hollywood.
Richards conta ter imaginado o riff original sendo executado por instrumentos de
metais – assim como Dancing in the Street,
de Martha and the Vandellas – e queria um som mais duro. Um pedal Gibson
trazido pelo faz-tudo dos Stones, Ian Stewart, foi a solução.
A guitarra distorcida de Richards explodiu pelos alto-falantes e Jagger
transformou cada sílaba em uma acusação, como se estivesse enfiando seu dedo
médio no peito de algum executivo desavisado.
Por suas palavras escorriam veneno, sarcasmo e sexo. Era ao mesmo tempo
um ataque à sociedade heterossexual e seus valores consumistas, e uma expressão
sem censura dos desejos mais básicos de um garoto se transformando em homem.
Questão de gosto
A cantora Aretha Franklin relançou a canção nas
paradas ao gravá-la em 1968
Os Stones, que até então eram conhecidos por serem
puristas do blues mas estavam apenas começando a compor suas próprias canções,
fizeram um sucesso instantâneo. Algumas semanas depois de seu lançamento, Satisfaction chegava ao topo das paradas nos
Estados Unidos e permaneceria nas primeiras posições por mais três meses,
dominando o verão de 1965.
É verdade que as insinuações sexuais da música
deixaram alguns radialistas nervosos, mas isso não prejudicou seu desempenho
entre o público. O desejo de Jagger de "make some girl" ("de arrumar
alguma garota", em tradução livre) foi censurado em pelo menos uma grande
emissora de rádio de Nova York e em programas de TV de sucesso como Shinding! e The Ed Sullivan Show.
Richards estava envergonhado porque achava que a
canção não estava finalizada. Para ele, as trompas ainda tinham que tocar
o riff que viria a se tornar imortal com sua
guitarra. Mas a reação dos fãs mostrou que ele estava errado.
O guitarrista também falou sobre o papel de Satisfaction na construção dos Rolling Stones.
"Não discuto a função que a canção teve como um marco para os
Stones", disse ele em sua autobiografia. "Mas nem tudo é feito apenas
para agradar o seu próprio gosto."
De festivais a igrejas
A banda Devo, de Ohio, gravou uma versão que foi
elogiada por Mick Jagger
Ao menos para os integrantes da banda, o que realmente formou a
reputação da canção foi o fato de ela ter sido regravada – e muito bem
regravada – por alguns de seus heróis.
Como se tivesse lido a mente de Richards, Otis
Redding colocou trompetes para tocar o riff matador em
sua versão de Satisfaction.
No entanto, assim como muitos ouvintes, ele não
conseguiu decifrar algumas das palavras de Jagger, então acrescentou suas
próprias. Não importa. A lenda do soul fez uma ponte com uma nova plateia quando
apresentou uma interpretação frenética de Satisfaction no
Festival Pop de Monterey, em 1967.
Já a versão de Aretha Franklin, acompanhada por um piano, levou os
Stones às igrejas, e a música voltou às paradas em 1968.
‘Rock por excelência’
Satisfaction ressurgiu uma
década depois, mesmo quando os Stones e muitos de seus contemporâneos do rock
clássico estavam sendo relegados a um lugar no passado por novas bandas de
punk-rock.
A inquieta versão do Devo para a canção foi o
carro-chefe do brilhante álbum de estreia dessa banda de Ohio, em 1978, Q: Are We Not Men? A: We Are Devo!.
"Sempre achei que Satisfaction é a canção de rock por
excelência", afirmou certa vez Mark Mothersbaugh, vocalista do Devo. O
grupo mostrou a Jagger sua versão antes de lançá-la. "Depois de uns 30
segundos, ele saltou da cadeira e começou a dançar pela sala. Depois nos disse:
'Esta é a minha versão favorita da música!'", lembra o músico.
Gravações mais recentes conseguiram completar toda
a gama de possibilidades interpretativas. A versão de Cat Power, de 2000,
tornou Satisfaction um lamento acústico assombrado, com a
frustração e a alienação espreitando sob sua superfície esfumaçada.
Naquele mesmo ano, Britney Spears deu à música uma cara mais descolada,
com a ajuda do produtor Rodney Jerkins. É verdade que o marketing teve seu
papel, com Spears tentando ampliar seu público para além dos adolescentes.
Certamente, (I Can’t Get No) Satisfaction foi
originalmente vista como um ataque a uma geração mais velha. Em 1969, Jagger
jurou que jamais seria flagrado cantando a música aos 50 anos. Hoje com seus
71, é com essa canção que ele e os Stones encerram os shows de sua atual turnê
pelos Estados Unidos.
Apesar dos Stones, Satisfaction ainda
vive.
*Greg
Kot é crítico de música do jornal Chicago Tribune.”
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