Cultura: arte cinematográfica
Diretora e roteirista brasileira apresenta o filme 'Que Horas Ela
Volta?’
CRÍTICA | Ainda a luta de classes
GREGORIO BELINCHÓN - Madri, 29 JUN 2015.
El País – O JORNAl GLOBAL, FACEBOOK
A diretora brasileira Anna Muylaert.
No final, o
carinho e a modernidade reduzem-se a um jogo de café: concretamente, uma jarra,
xícaras e pratinhos em preto e branco. O importante não é sua discutível
beleza, mas seu valor sentimental. Essa louça é a bomba que detona Que Horas
Ela Volta?, filme de Anna Muylaert (São Paulo, 1964), diretora e
roteirista, que com esse filme conquistou o Prêmio do Público no último Festival
de Berlim e o Prêmio Especial do Júri na seção World Cinema do Festival de
Sundance. O filme estreia na Espanha e em quase toda a Europa..., mas em
nenhum país latino-americano, com exceção do Brasil.
“É um
retrato da sociedade de um continente e entendo que não o comprem, pois para
que comprar algo que irá causar mal-estar? No Brasil não têm outra escolha
porque é meu país” diz Muylaert entre risadas. Que Horas Ela Volta? conta
a vida de uma empregada na casa de intelectuais ricos. Anos de trabalho
cimentaram essa ordem, até a chegada da filha da empregada, que há 10 anos não
a via.
O filme é até certo ponto amável, porque existem
filmes mais duros na América Latina sobre a relação patrões-empregadas, como o
chileno La Nana. “Pode ser que por isso chegue mais longe e meu trabalho
seja mais perigoso. Demorei seis meses para encontrar o final, que prefiro não
revelar, mesmo dizendo que está muito próximo da vida real. Até que minha
diretora de fotografia me mostrou o conto Casa Tomada, de Julio
Cortázar, e ali encontrei a solução”.
A bandeja
de café é um presente da babá a sua patroa: “Simboliza a compra e venda de
afeto. E o desprezo que recebe dela é o reflexo de sua situação pútrida. Não
importa se é bonita ou não! O fundamental é que é uma amostra de afeto, e que
jamais devemos rechaçar esses gestos das pessoas que gostamos”.
A diretora
diferencia seu filme de Sabrina, de Billy Wilder. “Lá, a
protagonista encontra sua felicidade se casando com um rico. Ela se move um
mundo machista. No meu caso, ela encontra por si mesma, não depende de outros.
Eu aposto no indivíduo. Pensei em chamar meu filme de A Porta da
Cozinha, porque esse umbral separa a elite do popular no Brasil. E no final
coloquei outro título, porque na realidade quero que todos o assistam,
intelectuais e classes populares”.
Muylaert tem
empregada, “como quase todo mundo”. “E sim, na minha infância tínhamos
empregada em casa. Foi difícil fazer com que a moça que agora trabalha para mim
– tenho filhos e preciso de ajuda, reconheço – sente-se para comer comigo na
mesa: o classicismo está muito arraigado em todos os estratos”.
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