Novo livro explica a origem de expressões idiomáticas espanholas que
soam chocantes para os estrangeiros
GUILLERMO ARENAS 30 JUN 2015 T
Ilustração: David Sánchez
Os
espanhóis as usam todos os dias, mas muitas vezes não sabem nada sobre a origem
delas. Eles se irritam e exclamam “me cago en la mar” (Eu cago
no mar), fazem algo de maneira desajeitada e dizem “llevo uma torrija
encima” (ando com uma rabanada na cabeça), e podem até mesmo dizer
coisas difíceis de explicar como“pollas en vinagre” (cacetes ao
vinagre).
O falante
médio de castelhano da Península Ibérica talvez não pare para pensar sobre o
que lhe sai da boca, mas, para um estrangeiro, estas e outras expressões são
chocantes.
Isso
aconteceu com Héloïse Guerrier, estudiosa de filologia hispânica e uma das
responsáveis da editora de quadrinhos Astiberri, quando chegou à Espanha há
mais de dez anos. “Fiquei fascinada por essas expressões idiomáticas que,
isoladas de seu contexto, ou para alguém de fora, soam muito bizarras. Ficava
derrubada”, explica.
Ela se
propôs a rastrear as origens dessas expressões e compilá-las em um livro, para
o qual contou com ilustrações de David Sánchez, autor de Tu Me Has
Matado e No Cambies Nunca, entre outros álbuns de quadrinhos.
“Quando
paramos para pensar cuidadosamente nas palavras que formam essas expressões
idiomáticas” conta Héloïse, “percebemos que há um salto significativo entre o
sentido literal e o sentido figurado, e aí está a graça de tudo”. Assim
nasceu Con Dos Huevos (Com dois ovos), livro inclassificável
que une curiosidade etimológica e imagens hilariantes que refletem algumas
dessas cenas absurdas que a linguagem popular criou.
Con Dos
Huevos não esgotou o assunto. “Como muitas expressões ficaram de fora”,
continua Guerrier, “decidimos fazer uma segunda compilação de expressões
típicas e divertidas, Cagando Leches (Cagando leites)”. Mais uma
vez a literalidade das imagens traz um elemento que perturba e incita ao riso.
"Me parece que as expressões da linguagem coloquial em castelhano
são muito mais cruas e contundentes”
“Meu
objetivo nesse trabalho era ser muito literal”, explica David Sánchez, “tentar
não ser engraçado ou fazer caricaturas, embora seja verdade que o tom das
ilustrações é mais humorístico”.
Mas, o que
diferencia essas expressões das de outras línguas? Será que os espanhóis são
mais irreverentes que os franceses ou os ingleses, idiomas em que Cagando
Leches explica todas as expressões que apresenta? Resposta curta: sim.
“Cada
idioma tem suas expressões feitas”, diz Héloïse, tipo “it’s raining
cats and dogs” (está chovendo gatos e cães) em inglês, ou “construire
des châteaux en Espagne” (construir castelos na Espanha) em francês,
mas me parece que as expressões da linguagem coloquial em castelhano são muito
mais cruas e contundentes”. “Além disso”, continua, “me chamou muito a atenção
que muitas expressões se relacionem com o escatológico, a comida e a religião.
Creio que as expressões populares dizem muito sobre uma cultura, seus tabus e
obsessões”. Pense nisso na próxima vez que eles disserem coisas como “hostias
como panes” (hóstias como pães) ou “cágate lorito” (cague-se
papagaio).
Outra
qualidade de Cagando Leches é descobrir mediante a distância
as imagens estranhas ou tortuosas que foram construídas de forma natural e
coletiva no castelhano. “Chamou-me a atenção o lado surrealista, quase
inquietante que podiam assumir algumas palavras tomadas ao pé da letra, diz
Héloïse. É o caso de expressões como “los cojones de corbata” (os
culhões de gravata) ou a já mencionada “pollas en vinagre” (cacetes
ao vinagre), uma das favoritas da coautora: “É verdade que essa expressão soa
muito mal, mas na realidade não tem nada a ver com os genitais masculinos!”.
Efetivamente,
essas “pollas” designam uma ave, a galinha jovem, que se prepara em
escabeche em algumas regiões da Espanha. Mas mesmo aqui os autores se
defrontaram com alguma limitação; há uma expressão intraduzível em
imagens. “No tengo el chichi para farolillos”, conta David,
expressão que significa algo como “este não é o momento adequado para isso”,
mas que literalmente significa “minha vagina não está para lanternas”.
“A verdade é que eu
não encontrei uma maneira de ilustrar isso que me convencesse, e olhe que eu me
esforcei, pois era uma expressão que Héloïse queria no livro”. Já deu para
perceber : às vezes os espanhóis criam imagens verbais que são irreproduzíveis.
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