Política
Por
Vitor Hugo Soares
É um jornalista baiano dos mais
conceituados
Confuso,
tortuoso, perigoso e condenável. É o mínimo de adjetivação possível ao
pensamento da presidente Dilma Rousseff sobre delação e delatores, exposto esta
semana na entrevista em Nova Iorque. De rápida duração, mas de largo
efeito negativo para a realidade destes dias turvos e a biografia de chefe de
estado democrático em périplo costa a costa nos Estados Unidos.
Ao
misturar, enganosamente, as "confissões" obtidas sob torturas
aviltantes no tempo da ditadura, com o instituto jurídico constitucional da
delação premiada, conquista da democracia brasileira para apanhar e punir
corruptos e corruptores (a exemplo do que acontece nos desdobramentos da
Operação Lava Jato e do escândalo do Petrolão), Dilma diz ter-se mirado no seu
próprio exemplo. Uma lástima de fazer chorar de vergonha.
Estratégia
política de defesa mambembe, ou pura e simples fragilidade de pensamento? Em
qualquer dos casos, esclarecer as coisas, ou torná-las mais esdrúxulas e
polêmicas ainda, caberá só a Dilma, "coração valente" da propaganda
de uma das mais enganosas campanhas políticas para eleger um presidente da
República já realizadas no Brasil.
Mas as
palavras da atual ocupante do Palácio do Planalto (de governo reduzido a
míseros 9% da aprovação popular), segundo a mais recente pesquisa Ibope/CNI -
pior que nos piores tempos de Collor - lançou também a memória do jornalista
aos desvãos de um tempo no Brasil: "Quando me encontrava preso na cela de
uma cadeia”, dos versos do santamarense Caetano Veloso em sua memorável
canção.
Ao lado de
mais alguns colegas "subversivos", com matrícula "cassada” na
Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia no meio da tempestade
causada pelo AI-5, acabei preso por agentes da Polícia Federal (o então coronel
diretor regional da PF, à frente) dentro da sala de aulas, no começo do
ano letivo de 1969, ano que deveria concluir o curso e receber o diploma
de bacharel.
Conduzidos
todos algemados, desde a Faculdade, para a sede da PF na área portuária de
Salvador, daí ao Quartel General do Exército, no Campo da Pólvora e,
finalmente, levados a uma unidade militar no distante bairro do Cabula, para
cumprir uma temporada de cárcere. Repito: era o período imediatamente após a
decretação do tenebroso Ato Institucional Nº 5 ("amigos presos,
amigos sumindo assim, pra nunca mais”), como na estupenda versão de Gilberto
Gil para a canção "No Woman, no Cry”, de Bob Marley.
Vi, pela
última vez, naquela manhã de amarga memória nos campi da UFBA, bairro do
Canela, alguns colegas e amigos mais próximos e queridos, daquele tempo de
juventude e resistência política e de utopia intelectual, regadas todos os dias
com os melhores e mais sinceros propósitos de mudar o país e o mundo.
Reconheço:
pode existir nessas considerações uma boa dose de romantismo, ingenuidade e até
desvario. Afinal, era visível também e impossível não reconhecer (salvo por
brutal lavagem cerebral) que no meio de tudo aquilo havia, também, uma boa dose
de empulhação política, manipulação e cegueira ideológica por parte de alguns.
Além de oportunismos revoltantes e carreirismo rasteiro por parte de muitos, no
meio dos movimentos de resistência de então.
Mas os dias
eram assim, como cantava Elis: Na escola, nas passeatas, no Clube de Cinema de
Walter da Silveira, no Teatro Castro Alves, nos concertos musicais na Reitoria,
no campinho de baba ao lado da faculdade, nos bares da boemia baiana pensante e
atuante na época. O fato é que quando saí do quartel do Décimo Nono Batalhão de
Cavalaria, meus amigos haviam sumido. Igualzinho ao canto de Gil e Marley.
Desculpem
este remoer de memória. Mas, depois das palavras de Dilma nos Estados Unidos
(desastrosas e desabonadoras perante a sua própria história pessoal), isso se
tornou praticamente inevitável para o jornalista. Inevitável também a
recordação mais uma vez de Ingemar. Aquele incrível garoto sueco, personagem do
filme "Minha Vida de Cachorro”. Quando diante de suas atribulações de
vida, dúvidas e indignações, dizia sempre: "É preciso comparar”.
Inacreditável,
portanto, a infeliz comparação da presidente. Igualar no mesmo estágio ético e
moral, os que delatavam, ou simplesmente "confessavam” sob os ditames
ilegais e perversos do regime ditatorial - torturas atrozes do quase afogamento
em tonéis ou bacias, das unhas arrancadas a alicate, das sevícias mais torpes a
homens e mulheres (como a própria Dilma), com o legítimo e constitucional
instituto da delação premiada do regime de plena democracia em que vive o país
nestes dias de Mensalão, da Operação Lava Jato e do Petrolão, seu desdobramento
mais escandalosamente criminoso.
Se for
preciso comparar, prefiro ficar com as comparações críticas do ministro Joaquim
Barbosa, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal: "Há algo profundamente
errado na nossa vida pública. Primeiro: nunca vi um Chefe de Estado tão mal
assessorado como a nossa atual Presidente. Assessoria da Presidente deveria ter
lhe informado o significado da expressão 'law enforcement': cumprimento e
aplicação rigorosa das leis. Zelar pelo respeito e cumprimento das leis do
País: esta é uma das mais importantes missões constitucionais de um presidente
da República! (...) Nossa Constituição não autoriza o Presidente a
"investir politicamente" contra as leis vigentes, minando-lhes as
bases. Caberia à assessoria informar a
Presidente que: atentar contra o bom funcionamento do Poder Judiciário é crime
de responsabilidade!"
E uma
última lição do juiz Barbosa, antes do ponto final nestas linhas:
"Reflitamos coletivamente: vocês estão vendo o estrago que a promiscuidade
entre dinheiro de empresas e a política provoca nas instituições? Esqueci-me de
dizer: "colaboração" ou "delação" premiada é um instituto
penal-processual previsto em lei no Brasil! Lei!!!", disse o relator do
mensalão em reação justamente indignada na noite de segunda-feira (29), em
seguida à entrevista da atual mandatária, ex-presa política e torturada no tempo
da ditadura.
É preciso
dizer mais alguma coisa? Responda quem souber.
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