Política
Mariana SchreiberDa BBC Brasil em
Brasília
Boris
Fausto, um dos principais historiadores do Brasil, considera difícil relacionar
a crise política que enfrenta a presidente Dilma Rousseff com a que derrubou
João Goulart, em 1964, conforme fez neste domingo (5) o senador tucano José
Serra.
Ele não vê problemas, porém, em fazer comparações com a queda, em 1992,
do primeiro presidente eleito após a redemocratização do país, Fernando Collor.
Na avaliação do historiador, que declarou voto em Aécio Neves, há mais
razões técnicas hoje para o impeachment de Dilma do que havia no caso de
Collor, sobretudo por "problemas no Orçamento [as chamadas 'pedaladas
fiscais'] e no financiamento da sua campanha".
"A comparação com o Collor é interessante porque, por muito menos,
o Collor sofreu impeachment", afirmou, em entrevista à BBC Brasil.
Questionado sobre a ausência de acusações diretas de corrupção contra a
presidente, Fausto disse que Dilma "fez um esforço no sentido de controlar
os piores aspectos da corrupção e dar um rumo para a Petrobras". "Mas
o problema é que ela está metida em toda uma instituição política da qual faz
parte, não obstante suas supostas e prováveis intenções", completou.
O historiador disse considerar que as acusações de corrupção que
contribuíram para a queda de Getúlio Vargas, com seu suicídio em 1954, eram
"um laguinho" diante das denúncias envolvendo a Petrobras.
A menção é uma referência à expressão "mar de lama",
popularizada na época da crise de Getúlio. Confira abaixo os principais trechos
da entrevista:
BBC Brasil - Após indicações de uma possível
ruptura entre PT e PMDB e de declarações de líderes do PSDB de que estariam
prontos para assumir o país, Dilma partiu para o ataque e disse que não vai
cair. Esse tipo de afirmação tende a ter algum resultado político?
Boris Fausto - Algum
resultado certamente tem. Ela é presidente da República. Para usar uma
linguagem do boxe, ela tentou sair das cordas. Presumo que teria tido uma boa
acolhida no PT. Em outros círculos, não acredito.
BBC Brasil - Pareceu um bom passo dentro da disputa
política?
Fausto - Não acho que
seja um bom passo. Acho que ela teria que falar mais, porque a presença dela em
momentos de crise seria muito importante e ela aparece muito pouco. Não gosto
do conteúdo. Essa coisa de "eu não tenho medo, venham para a luta"
parece um desafio de ginasianos, e não a palavra de uma presidente.
E essa exploração de uma outra época histórica, do fato de que ela tenha
sido torturada, presa política, aliás, só a enaltece, mas essa exploração,
transportada para o dia de hoje, não faz sentido.
BBC Brasil - O senador José Serra disse que o
governo Dilma "é o mais fraco" que já presenciou. "O de Jango
(João Goulart, deposto em 1964) era de uma solidez granítica se comparado com o
de Dilma", afirmou na ocasião. O senhor concorda?
Fausto - Não concordo
em parte. É difícil medir solidez granítica de governo. Acho que o governo
Jango, sobretudo na última fase, teve um comportamento muito errático, se
enfraqueceu muito e foi derrubado por um golpe. As épocas são muito diferentes,
as razões (da fraqueza dos governos) são muito diferentes, as forças sociais em
jogo são outras. Não vejo paralelismo.
BBC Brasil - A imprensa teve um papel importante na
queda tanto de Jango como de Getúlio Vargas. O PT costuma acusar a imprensa de
perseguir o partido e seu governo. Como o senhor vê a atuação da mídia hoje?
Fausto - A imprensa
sempre teve um papel importante no Brasil. No passado tivemos algo que hoje não
temos: órgãos da imprensa com diferentes posições. Por exemplo, o caso do
(jornal) Globo em contraste com a Última Hora (jornal que apoiava Getúlio). Hoje não
temos isso.
Agora, estou seguro de que essa teoria conspiratória sobre a imprensa
manipulando a situação é falsa. A mídia em geral tem tido um papel muito
importante no esclarecimento de fatos. Em vez de censurar a mídia é melhor
censurar o comportamento das pessoas sobre quem a mídia fala.
BBC Brasil - No caso do Getúlio houve também
acusações de corrupção. Essa seria uma semelhança entre os dois casos?
Fausto - Semelhança
muito genérica existe porque o tema da corrupção apareceu nos dois casos, só
que o grau de corrupção nos dias de hoje é infinitamente maior do que na época
de Getúlio.
E, afinal de contas, aquilo que ele próprio chamou de "mar de
lama" era um laguinho comparado à situação de hoje. O que significa que a
corrupção é um elemento muito mais importante hoje do que no quadro da queda de
Getúlio, o que não quer dizer que o tema da corrupção não tenha sido usado para
derrubá-lo.
BBC Brasil - E hoje o senhor também vê alguma
"luta de classes" como havia antes? Isso porque o governo também
costuma classificar seus críticos como "elite que está contra as reformas
do país e preocupada com seus próprios interesses".
Fausto - Pergunta
difícil essa. Esse panorama no Brasil é muito complexo. Claro que há interesse
se manifestando interesses das elites. Mas há uma coisa complicada se pensarmos
o seguinte: o PT, que expressou a vontade de luta dos trabalhadores urbanos, se
transformou num partido cuja principal liderança se uniu às empreiteiras, a
ponto de a direção do partido fazer uma declaração em defesa das empreiteiras.
Então, tudo isso embrulha muito o cenário da luta política brasileira. É
difícil falar que o Partido dos Trabalhadores seja hoje o partido dos
trabalhadores.
BBC Brasil - Hoje Dilma tem menos apoio popular que
Jango e Getúlio tinham antes de suas quedas. Isso aumenta as chances de ela não
terminar o mandato?
Fausto - A comparação
histórica não aumenta. O fato de ter um prestígio tão baixo aumenta muito as
chances de chegarmos a uma situação de impeachment. A falta de apoio popular,
mais a queda enorme do prestígio da Dilma, que no começo do primeiro mandato
tinha em torno de 60%, 65% de aprovação, isso, sim, concorre muito para
desestabilizar seu governo.
BBC Brasil - José Sarney foi um presidente muito
impopular e Fernando Henrique Cardoso também viveu momentos de baixa aprovação,
mas ambos não caíram. Que semelhanças e diferenças há entre esses dois casos e
o atual?
Fausto - É uma
situação diferente. O Sarney tinha problema de legitimidade foi um nome que
esteve integrado na Arena (o partido de sustentação da ditadura militar) e
chegou ao poder por conta da morte de Tancredo (Neves, civil eleito presidente
indiretamente pelo Congresso). E o Brasil atravessou um período muito difícil
do ponto de vista econômico. As razões de queda da popularidade são
compreensíveis, mas o quadro político não foi instável como hoje.
BBC Brasil - E no caso de Fernando Henrique? Ele
também viveu momentos de baixa aprovação, houve o "Fora FHC".
Fausto - O FHC viveu
momentos de desaprovação, principalmente no segundo mandato, quando enfrentou
uma situação econômica também adversa, o desemprego subiu muito. Na verdade,
com ele acontece uma coisa curiosa, e eu vou repetir uma frase dele porque eu
acho boa. Ele, por muito tempo, perdeu a popularidade, mas não perdeu a
credibilidade.
BBC Brasil - A democracia brasileira, embora ainda
muito nova, superou bem o impeachment de Collor. A leitura predominante hoje é
de que a queda do presidente foi justa e correta. O governo Dilma acusa os que
propõem o impeachment de golpistas. Um impeachment hoje tem fundamento
constitucional ou seria um golpe?
Fausto - O impeachment
é uma coisa prevista na nossa legislação, não é um golpe de Estado. Mas é
preciso considerar que o impeachment é sobretudo um instrumento político. O que
significa que exista uma forte tendência a acreditar que o governo não tem
condições de continuar. E, mais do que isso, é preciso indicar as razões porque
isso acontece. Agora, a Dilma está cercada de razões dessa natureza – problemas
no Orçamento [do governo], no financiamento do partido, da campanha dela.
Então, é preciso não se antecipar porque estamos vivendo aí numa
tempestade, mas que existem razões para um impeachment, razões técnicas, eu
acho difícil contestar. A comparação com o Collor é interessante porque por
muito, muito menos, o Collor sofreu o impeachment.
BBC Brasil - É que no caso do Collor o acusam de
ter sido corrupto em causa própria. E a presidente sustenta que a biografia
dela é limpa, que ela é honesta. Não seriam então duas coisas diferentes?
Fausto - Eu já disse
que Dilma fez um esforço no sentido de controlar os piores aspectos da
corrupção, dar um rumo para a Petrobras. Mas o problema é que ela está metida
em toda uma instituição política da qual ela faz parte, não obstante as suas
supostas e prováveis intenções.
BBC Brasil - Volta a discussão hoje no país a
adoção do parlamentarismo, defendida principalmente pelo presidente da Câmara,
Eduardo Cunha, e também por José Serra. O sistema foi adotado no governo Jango,
como forma de retirar força do presidente. O que acha da discussão hoje?
Fausto - É preciso ver
em que condições se adotará. Tenho muito receio da adoção do parlamentarismo,
não do ponto de vista abstrato da qualidade de um sistema político dessa
natureza - o parlamentarismo tem muitas virtudes. Mas fico imaginando se, com
uma instituição como o Congresso Nacional, a presença no país de 32 partidos, a
gente tem um arcabouço constitucional que possa sustentar um verdadeiro
parlamentarismo.
BBC Brasil - E quando o senhor fala dos 32 partidos
se refere a possíveis dificuldades na construção de alianças?
Fausto - Você vê as
dificuldades que temos hoje num sistema presidencialista em que o Congresso
ganha muita relevância - toda a falta de coerência, a criação de partidos que
são simples balcões em busca de interesses. Tudo isso torna muito arriscada a
implantação do parlamentarismo.
BBC Brasil - Qual sua opinião sobre Eduardo Cunha,
uma figura polêmica, que despontou com muita força?
Fausto - Eu não o
conheço suficientemente, prefiro não opinar. Vou dizer só uma coisa: o Eduardo
Cunha conhece o regimento da Câmara muito bem. Ele sabe usar, e aí, veja você,
mais um dado para que a gente fique com uma pulga atrás da orelha sobre o
parlamentarismo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário