Por
Osvaldo Lyra
Em
entrevista à Tribuna da Bahia, o ex-presidente do Supremo Tribunal
Federal (STF), Carlos Ayres Britto, disse que um grande passo para se combater a
corrupção no País é acabar com o financiamento privado de campanha, o que não
vai ocorrer com a Reforma Política em tramitação no Congresso.
O ministro
acrescentou ainda que acredita na honestidade da presidente Dilma Rousseff e
que não vê elementos jurídicos no atual mandato dela que sustente um
impeachment. O poeta, professor, advogado e jurista brasileiro, com fala
de forma leve e pausada, afirmou que torce pela continuidade dela na
Presidência da República, mas que será necessário que a petista se reinvente.
Ou será devorada. “Acredito no espírito público da presidente. Agora, é ela
dizer de si para si, várias vezes por dia: Dilma, reinventa-te ou te devoro. O
dilema é esse. Ou a presidente se reinventa ou é devorada. Ou seja, os fatos
estão dizendo para ela reinventar-se, ou nós a devoramos. Então eu faço votos
para que ela se reinvente eficazmente”, destacou o ex-ministro.
Ayres Britto
considerou como importante as manifestações que têm sido vistas no Brasil, mas
destacou que o cidadão precisa vitalizar ainda mais sua cidadania e revelar seu
espírito público para colaborar com o fim da roubalheira e da impunidade.
Considerando o julgamento do mensalão um divisor de águas no Brasil, o ministro
acrescentou ainda que na Operação Lava Jato há propósitos parecidos com a
da ação penal 470. “Ao que parece há métodos parecidos. Quem sabe a mesma base
de projeto de poder. Há uma inspiração politica”. Para ele, será um grande erro
se estiver havendo decretação de prisão temporária ou de prisão preventiva para
forçar a colaboração premiada.
Confira
a entrevista completa:
Tribuna
- Não tínhamos visto na história recente do país políticos e empresários indo
para a prisão. O senhor acha que isso vai mudar a relação estabelecida entre
políticos e empresários?
Ayres
Britto – Acho,
acho que vai mudar para melhor. Olha, a corrupção como fenômeno individual,
tópico, fenômeno tópico, pontual, certamente nunca vai desaparecer por que tem
pessoas que delinquem. Ou por deformação de caráter permanente, ou por não
resistir a uma tentação ocasional de enriquecimento ilícito. Agora, esse tipo
de corrupção endêmica, sistêmica, capilarizada, está com os seus dias contados.
Tribuna
- A corrupção parece endêmica no país, principalmente quando envolve entes
públicos. O que fazer para atacar esse problema no nascedouro?
Carlos Ayres Britto – Pois é. Já é um entendimento técnico e uma
compreensão social genérica de que a corrupção assim, com essas características
da persistência, da capilaridade, que a imprensa costuma chamar de corrupção
endêmica, dá uma clara ideia de que ela é o principal ponto de fragilidade
estrutural do país. Hoje temos que combater a corrupção por todos os modos,
meios, todas as oportunidades têm que ser aproveitadas para isso.
Tribuna - O senhor era presidente do Supremo quando começou o julgamento do
mensalão. Esperava que, mesmo após a condenação de 24 pessoas, entre eles
políticos, atos de corrupção continuariam acontecendo, como estamos vendo agora
através da Lava Jato?
Ayres Britto – Olha, esperar assim com essa amplitude e
rapidez, e até concomitância, o que parece, não. Mas confio muito no bom
funcionamento das instituições. Tenho dito, olha, instituição pública se divide
em dois blocos, o bloco político, das instituições propriamente governativas, legislativas
e chefias do Poder Executivo, do outro lado o bloco das instituições
impeditivas do desgoverno, das disfunções. E esse segundo bloco está
funcionando bem, constituído pela Polícia Federal, pelos Ministérios Públicos,
pelos Tribunais de Conta que dão mostra de uma nova ocupação do espaço, e,
finalmente, pelo poder Judiciário.
Tribuna
- Quais as semelhanças entre a Lava Jato e o mensalão?
Ayres Britto – Bem, um já está julgado, que foi a ação penal 470,
chamada de mensalão. A outra está em vias de julgamento. Ao que parece há
métodos parecidos e a propósitos parecidos. Quem sabe a mesma base de projeto
de poder, com o tempo é que vamos saber isso com mais nitidez. Ao que parece
houve mesmo, na origem de tudo, na origem das malfeitorias penais, há uma
inspiração política.
Tribuna
- Está havendo excessos na condução da operação Lava Jato?
Ayres Britto – A comunidade jurídica tem se dividido quanto a essa
opinião. Advogados, membros e profissionais do direito, enfim, que entendem
haver excessos, quebrantamentos, precarização das garantias constitucionais do
contraditório e da ampla defesa. Outro polo acha que não. Que o juiz Moro vem
se conduzindo, ele se conduz com adequação. Ali sob a vigilância imediata, o
controle imediato do Tribunal da 4ª Região, Tribunal federal, e mais
alongadamente, e com imediatidade sobre o controle, seja do Superior Tribunal
de Justiça, seja do Supremo Tribunal federal. Há quem ache que as coisas estão
se passando no escaninho, no esquadro da legalidade.
Tribuna
- Como o senhor vê as críticas de que há uma pressão exagerada da cúpula da
operação para forçar os presos a falar?
Ayres Britto – Olha, a contribuição, a colaboração premiada,
vulgarmente chamada de delação premiada, é um elemento auxiliar na investigação
criminal. É um válido mecanismo de direito penal eficaz, mas tem suas
características, seu regime jurídico, que não pode ser violado. A colaboração é
espontânea, é unilateral, não pode ser forçada. Se na prática está havendo, se,
pois tô colocando no condicional, tô hipotetizando... se tem havido, por
exemplo, a decretação de prisão temporária ou de prisão preventiva para forçar
a colaboração premiada, evidente que é erro e é antijuridicidade. Mas eu não
tenho elementos para dizer se está ocorrendo ou não.
Tribuna
- A dosimetria das penas é uma decisão única do juiz Moro? Ela pode ser
revista?
Ayres Britto – Toda instância judicante, cada qual no seu
quadrado, depende da fase do julgamento, tem o poder de por conta própria
dosimetrar a pena observando apenas os parâmetros legais do direito processual
penal. De direito penal propriamente dito.
Tribuna – Qual a expectativa do senhor quando esse caso chegar para ser
julgado no Supremo?
Ayres Britto – O Supremo já deu mostras de como lidar com
macro processos penais. Lido com um deles, que foi a ação penal 470, com 40
réus no ponto de partida da instrução criminal. E se ouve bem o Tribunal porque
agiu com tecnicidade, isenção, eficiência na formatação do julgamento e pode
contar uma história processual com começo meio e fim. Então o Supremo já tem
know-how na matéria.
Tribuna - Muito se fala sobre pressões, seja de políticos, seja do mundo
empresarial, para tentar anular de alguma forma a Operação Lava Jato. O senhor
acredita em alguma ameaça à condução da operação, como já aconteceu com outras,
que foram anuladas?
Ayres Britto – Olha depende do que se entende por pressão.
Se chamar de pressão o livre agir, o livre atuar dos advogados de defesa, dos
investigados ou dos réus como foi o meu caso, o substantivo é inadequado. Isso
significa devido ao processo legal substantivo, os advogados têm o direito de
influenciar as decisões judiciais. Agora, influenciar pelos meios legais:
sustentação oral, apresentação de memoriais, despacha os pessoais com os
julgadores, nada disso é juridicamente considerado pressão, e sim exercício da
profissão.
Tribuna
- Não tínhamos visto na história recente do país políticos e empresários indo
para a prisão. O senhor acha que isso vai mudar a relação estabelecida entre
políticos e empresários?
Ayres Britto – Acho, acho que vai mudar para melhor. Olha, a
corrupção como fenômeno individual, tópico, fenômeno tópico, pontual,
certamente nunca vai desaparecer por que tem pessoas que delinquem. Ou por
deformação de caráter permanente, ou por não resistir a uma tentação ocasional
de enriquecimento ilícito. Agora, esse tipo de corrupção endêmica, sistêmica,
capilarizada, está com os seus dias contados.
Tribuna
– No Brasil, com a Operação Lava Jato, conseguimos perceber casos de corrupção
em várias esferas de poder. O que fazer par que essa prática tão danosa seja
revertida?
Ayres Britto – Para um combate eficaz em matéria penal, não
há necessidade sequer de novas leis, basta cumprir com as leis atuais a partir
da própria Constituição que no artigo 5 diz: todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza. Então vamos cumprir. Vamos sair da
normatividade para melhor experiência, vamos tornar o direito penal eficaz,
sem, todavia, praticar o direito penal do inimigo, que é o justicialismo, que
condena por antecipação. Quando eu digo tornar o direito penal eficaz, estou
dizendo que observado, no entanto, o devido processo legal e esse devido
processo legal incorpora, sobretudo, duas garantias constitucionais de caráter
fundamental: o contraditório e a ampla defesa.
Tribuna
– Como o senhor avalia as crises que a presidente Dilma está envolvida, a
econômica, política e social?
Ayres Britto – Eu torço para que ela se reinvente. Dê a volta por
cima, se revele à altura da chefia do Poder Executivo. Que incorpore uma
tríplice dimensão. Uma tríplice chefia. Chefia da administração, chefia do
governo e chefia de Estado. Porque quando um governante falha nas três, sua
situação fica extremamente precária. Faço votos para que ela encontre forças,
coragem e discernimento, patriotismo e lucidez para sair dessa crise.
Tribuna
- Existe cenário para o impeachment?
Ayres Britto – Olha, o cenário pro impeachment é sempre político,
é sempre factual porque o julgamento é político. Agora, juridicamente falando
eu entendo que só cabe impeachment pelo cometimento de crime de
responsabilidade no curso do atual mandato. E ao que parece, no curso do atual
mandato a presidente não cometeu nenhum crime que fala no artigo 85 da
Constituição. Eu entendo isso. E sem ato praticado e tipificável como crime de
responsabilidade no curso do atual mandato, está inviabilizado o impeachment.
Que não significa trancamento da instância penal, da instância eleitoral,
da instância de contas, por exemplo.
Tribuna
- Um pedido de impeachment avançando no momento como esse seria mais
prejudicial ou favorável para democracia?
Ayres Britto – Aí é uma avaliação de caráter político. Tenho
muito receio de avançar juízos que signifiquem prognósticos políticos. Eu gosto
de fazer análises a partir da Constituição rigorosamente.
Tribuna - O senhor acredita que os órgãos de controle conseguirão atuar de
forma mais firme para, de alguma forma, evitar que a corrupção continue sendo
tão prejudicial?
Ayres Britto – Sim, cada vez mais os órgãos de controle estão
proativos, o que não significa ativismo judicial. E eles, os órgãos concebidos
pela Constituição para evitar o desgoverno, os desvios e as disfunções, vem
funcionando bem. Notadamente a Polícia Federal, o Tribunal de Contas,
Ministério Público, Judiciário...
Tribuna - Como o senhor vê a onda de protestos pelo País? Primeiro e em maior
volume contra a presidente Dilma e o PT, e os protestos a favor do partido e da
permanência da presidente?
Ayres Britto – Em mais de uma passagem, a Constituição fala
de sociedade civil e da cidadania. A cidadania chega a ser o segundo fundamento
da República ali ao lado da soberania. Artigo primeiro da Constituição inciso I
e II. A cidadania ativada vitaliza a própria Constituição e exprime a ideia de
sociedade civil organizada. Se ombreando ao Estado, na análise das coisas, e no
enfrentamento da crise, e na propositura de uma agenda superadora de tais
dificuldades, tais embaraços. Vejo isso afirmativamente, com bons olhos. Agora,
quanto ao foco na Presidência da República, foco do protesto e até da
propositura de soluções também é compreensível, porque a vida institucional do
País, cotidianamente, gravita em torno do presidente da República que é chefe
de administração de governo e de Estado.
Tribuna - O que dizer para o cidadão que está cansado de tanta roubalheira e
ainda tem um sentimento forte de impunidade?
Ayres Britto – Para que ele colabore. Para que esse cidadão
vitalize sua cidadania, revele seu espírito público, sua identidade com o
coletivo e contribua no plano das sugestões, seja propositivo, seja vigilante e
atento. É assim que se qualifica uma sociedade e é assim que uma sociedade se
dá ao próprio respeito. Deixando de ser tão dependente e refém do Estado para
de alguma forma também traçar o seu próprio destino. Agora, não fora das
instituições. A cidadania vai às ruas, se manifesta, a sociedade civil vocaliza
seu ponto de vista sobre as coisas, sugere medidas, mas quando chega ao plano
da formulação de políticas públicas concretas, e de execução dessas políticas
públicas, as instituições sobem ao palco da execução.
Tribuna
- Está sendo costurada uma colcha de retalhos chamada de reforma política, no
Congresso. O senhor acredita que vai conseguir mudar o sistema que temos hoje?
Ayres Britto – As instâncias políticas estão finalmente
entendendo que não dá mais para representar a representação popular. Ou seja, o
político não pode mais representar que representa o povo. Ele não pode mais ser
um personagem, ou um ator. Ele tem que encarnar a representação popular. A
sociedade civil não tolera mais esse tipo de empulhação, de escamoteação, de
jogo de cena. A esfera política tende a se aperfeiçoar e a encarnar com
autenticidade a representação, portanto.
Tribuna
- Se o senhor pudesse dar um conselho à presidente Dilma e ela quisesse ouvir,
o que o senhor indicaria a ela para sair da enxurrada de crises que está
envolvida?
Ayres Britto – Olha, primeiro eu acredito na honestidade
dela. Já parte por aí. Segundo, eu acredito no espírito público da presidente.
Agora, ela precisa se reinventar, ela precisa dizer de si para si, várias vezes
por dia, Dilma reinventa-te ou te devoro. O dilema é esse. Ou seja, os fatos
estão dizendo para ela ‘reinventa-te, ou nós te devoramos’. Então eu faço votos
para que ela se reinvente eficazmente. Torço pela continuidade do governo dela,
porem rigorosamente assumindo responsabilidades, confessando culpas e
radicalizando no apego a constituição a partir do desaparelhamento do Estado,
substituindo o sistema de fisiologia pelo sistema do mérito intrínseco da
ocupação dos cargos.
Tribuna
- Ela vai ter condição e vontade política para reverter isso e cortar na
própria carne?
Ayres Britto – Não é fácil, mas é viável e possível.
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