A verdadeira comunicação é mais
do que apenas o envio de mensagens de seu celular.
FRANCESC MIRALLES
Para melhorar nossas relações com
os outros, compreendê-los e sermos compreendido, é essencial recuperar o bom
hábito de conversar com tempo e verdadeira atenção.
Parece demonstrado que um déficit
de conversação faz com que o sujeito fique mais propenso a sofrer de
transtornos psicológicos. A falta de comunicação, direta e interativa, com
outras pessoas que podem dar a sua opinião e relativizar os acontecimentos faz
com que estes fiquem presos na mente.
Quando uma experiência fica
estancada no circuito fechado de um único indivíduo, as emoções são
amplificadas e os próprios fatos acabam distorcidos, algo que poderia ter sido
evitado com uma conversa em boa companhia.
Deborah Tannen, professora de
linguística da Universidade de Georgetown, explica que “uma conversa bem
realizada é uma visão de sensatez, uma confirmação do nosso próprio modo de ser
humano e do nosso próprio lugar no mundo”. No entanto, essa atividade tão
humana pode se virar contra nós quando não é realizada de forma saudável ou com
as pessoas certas. “Não há nada mais profundamente inquietante que uma conversa
que não funciona (...) Se isso acontece
com frequência, também pode desequilibrar nossa sensação de bem-estar
psicológico”.
A autora diz em seu ensaio
“Hablando se entiende la gente” (Conversando entendemos as pessoas) que muitas
das disputas que ocorrem em casais heterossexuais têm sua origem em nossa
formação social, durante a infância e a adolescência, com amigos do mesmo sexo.
Isso faz com que, em muitos casos, sejam criados estilos de conversação
separados por falta de interação entre gêneros.
O maior obstáculo para uma boa conversa é a
incapacidade do ser humano de ouvir o outro com inteligência, habilidade e
compreensão.
Carl Rogers
A partir daqui são gerados mitos
como que “os homens não sabem ouvir” ou “as mulheres falam sobre os seus
problemas sem parar”, o que são claros preconceitos de gênero. Como acontece em
qualquer outra atividade humana, existem diferentes graus de implicação e
domínio na comunicação oral com os outros. No lado mais leve desta arte estaria
a conversa informal que, de acordo com Debra Fine, é injustamente pouca
valorizada:
“O bate-papo tem o estigma de ser
considerado o enteado pobre da verdadeira conversação, mesmo quando cumpre uma
função extremamente importante. Sem ela é muito difícil realizar um verdadeiro
debate. Quem domina a conversa informal é especialista em conseguir que os
outros se sintam envolvidos, valorizados e cômodos, e isso ajuda a reforçar uma
relação de trabalho, fechar um negócio, deixar a porta aberta para um novo
relacionamento amoroso ou começar uma amizade”.
De acordo com essa especialista
em oratória, a conversa informal é o primeiro passo para que possa surgir a
empatia entre duas pessoas. Embora a conversa seja sobre algum assunto pouco
importante, nesse primeiro contato na verdade estamos falando muito, porque
começamos a criar um vínculo que já transmite proximidade ou distância,
confiança ou reservas para o outro.
ANNA PARINI
Contra a crença popular de que as mulheres falam
mais do que os homens, em 2007 um estudo realizado pelas universidades do Texas
e de Monterrey mostrou que o número de palavras expressas diariamente por ambos
os sexos é praticamente igual. No curso das conversas cotidianas registradas
com um dispositivo, tanto homens quanto mulheres falaram uma média de cerca de
16.000 palavras por dia. Na pesquisa, publicada na revista Science,
curiosamente, foram dois homens que alcançaram o extremo da loquacidade. O que
mais falava empregou cerca de 47.000 palavras em um único dia, e o que menos
falou, cerca de 500.
Nas palavras de Debra Fine: “A conversa
intranscedente é o equivalente verbal à primeira peça do dominó: desencadeia
uma reação em cadeia, com todo tipo de consequência”. Contra o preconceito de
que um desconhecido não terá nada em comum conosco, ao nos arriscarmos podemos
terminar com uma surpresa agradável.
Quantos casais, bons negócios ou
amizades têm sua origem em uma conversa casual? Provavelmente, a maioria. Além
das habilidades de comunicação de cada um, a arte da conversação pode ser
aprendida e reforçada. Os antigos gregos davam grande importância ao exercício
da oratória e, nos tempos modernos, em 1875 Cecil B. Hartley mencionava em seu
“Guia de um Cavalheiro de Etiqueta”, um conjunto de códigos que ainda são
válidos, apesar de que, ainda hoje negligenciamos muitos deles.
Podemos resumir nestes 10 pontos:
1. Apesar de estar convencido de
que o outro está totalmente errado, em vez de argumentar é aconselhável mudar
habilmente de conversa. É absurdo pretender que os outros concordem com você.
2. Nunca interrompa ou antecipe a
história do interlocutor. Saber ouvir é a regra de ouro do bom conversador.
3. Evite fazer cara de cansaço
durante o discurso da outra pessoa, assim como se distrair com outra coisa
enquanto está falando. Hartley mencionava como entretenimento “olhar o relógio,
ler uma carta ou folhear um livro”. O equivalente atual seria o hábito
irritante de olhar o celular.
4. A modéstia vai evitar muitas
antipatias. Não se deve ficar exibindo conhecimentos, méritos ou posses para
fazer com que os outros se sintam em desvantagem.
Há poucas boas conversas: devido à escassez de
possibilidades de que dois transmissores inteligentes se encontrem
Truman Capote
5. Não é necessário falar de si
mesmo, a menos que seja perguntado. Os interlocutores vão ficar sabendo sobre
suas virtudes sem necessidade de ficar contando.
6. A brevidade criativa é sempre
mais eficaz que os discursos longos ou as histórias chatas.
7. Criticar ou comparar umas
pessoas com outras, além de atacar alguém ausente, pode parecer divertido, mas
vai acabar causando uma má impressão.
Um pequeno ensaio no qual o ex-reitor do St.
Anthony College de Oxford reflete sobre como mudou a conversa amorosa, na
família e no trabalho, além de analisar como a tecnologia pode estimular a conversa
ao invés de sufocá-la.
8. Nunca se deve apontar ou
corrigir os erros na linguagem dos outros, mesmo que sejam estrangeiros, já que
vão se sentir humilhados pela observação.
9. Não se deve oferecer
assistência ou aconselhamento a menos que o conselho seja pedido expressamente.
10. O elogio excessivo cria
desconfiança, porque o interlocutor pode pensar que você tem intenções ocultas.
No final, a essência do bom
diálogo é a nossa capacidade de nos entregarmos ao intercâmbio com o outro,
como se fosse uma coreografia. Os participantes fazem suas ideias dançarem
juntas, se encontrarem e se separarem – para expandir seu horizonte de
opiniões– e voltam a se unir para criar novos significados.
É por isso que depois de uma
conversa profunda nos sentimos transformados. Terminamos alimentados por novas
ideias e submetemos nossa visão a uma abordagem diferente que expande nossa
compreensão sobre o mundo e sobre nós mesmos.
Em seu livro “Conversação”, o
pensador Theodore Zeldin afirma que “dois indivíduos, conversando honestamente,
podem se sentir inspirados pelo sentimento de que estão unidos em um
empreendimento comum com o objetivo de inventar uma arte de viver juntos que
não foi tentada antes”.
Anne Morrow Lindbergh
Já que é um dos poucos prazeres
que não exige outro investimento além do tempo, vale a pena recuperar esta
velha arte para que possamos voltar a nos sentir humanos.
Se o tempo gasto em enviar ou responder centenas de
mensagens fosse dedicado a compartilhar nosso universo com pessoas que possam
enriquecê-lo, viveríamos com uma “largura de banda” maior e poderíamos
enfrentar os problemas que a vida trouxesse de forma mais inteligente e serena.
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