Política/economia
Especialistas defendem aumento
de imposto de renda para ricos e menos taxas indiretas
HELOÍSA MENDONÇA São Paulo
El País – O Jornal Global
Dilma Rousseff na última
terça-feira em Brasília
Imaginemos
que dois pais de família brasileiros com salários bem distintos resolvam
comprar hoje, um dia após o Governo anunciar um pacote de novos
impostos, uma bola
oficial da CBF para seus respectivos filhos. Ela custa 400 reais, sendo que
quase metade desse valor (185,96 reais) vem de impostos embutidos no produto.
Se o primeiro pai for da classe A, com um salário mensal de 30.000 mensais, o
peso do imposto seria de apenas 0,62% do salário mensal. Se o segundo pai for
da emergente classe C, com um salário de 1.200 reais, ele significa 15,5% do
seu ganho mensal. O caso hipotético, citado pelo presidente executivo do
Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), João Eloi Olenike, serve
para exemplificar o funcionamento do atual sistema tributário brasileiro: como
não se aplica de acordo com a faixa de renda de cada um, acaba penalizando mais
a classe com menor poder aquisitivo. Em outras palavras, ele tributa igual os
desiguais.
MARCOS
SANTOS/USP IMAGENS
O mesmo
princípio pode ser aplicado no resgate da CPMF proposta nesta segunda-feira pelos
ministros Joaquim Levy (Fazenda) e Nelson Barbosa
(Planejamento). Ela deve incidir diretamente sobre todas as movimentações
financeiras por via bancária, como em saques em dinheiro e pagamento de cartão,
por exemplo. Dessa forma, se os dois pais comprarem pela internet através do
cartão essa bola ou qualquer produto terão um desconto de 0,2%, se a proposta
for aprovada. Nesse caso, o peso para o pai da classe A será muito menor do que
para o pai da classe C. “Não há dúvidas de que a classe mais baixa sofre mais
com esses impostos indiretos e que são regressivos. No caso dos impostos da
bola, por exemplo, o pai mais pobre acabou pagando proporcionalmente 25 vezes
mais que o outro”, explica Olenike. O exemplo é hipotético, mas pode se fazer o
mesmo paralelo para outros bens que consumidores de faixas de renda diferente
forem comprar: um refrigerante, a carne, a roupa...
Embora os
especialistas admitam que a CPMF é “menos pior” que os demais impostos no país,
caso seja ressuscitada, com aval do Congresso, contribuirá para aumentar a carga tributária do país que hoje é a maior da
América Latina. Segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), o total de impostos pagos pelos brasileiros atinge 35,7% de toda a
riqueza produzida no país. A taxa está acima de países desenvolvidos como
Estados Unidos (25,4%), Suíça (27,1%), Canadá (30, 6%) e Reino Unido (32,9%).
Isso acontece em grande medida porque o Brasil possui um volume alto de
impostos indiretos, que estão embutidos nos produtos e serviços e são cobrados
de forma igual para todos. Por outro lado, os brasileiros pagam menos impostos
sobre a renda que a média dos países da OCDE. Esse argumento serviu de
justificativa para o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, sugerir na semana passada, o aumento na cobrança deste tributo
para contribuintes de faixas de renda mais altas, como uma saída para
equilibrar as contas públicas do Governo. Mas acabou não tocando no assunto no
anúncio de segunda-feira.
Para
Olenike, falar em um aumento de impostos sobre a renda é mais justo que cogitar
subir as taxas que incidem sobre a produção e comercialização de produtos —que
são repassados aos consumidores— ou em movimentações financeiras. “Como nos
impostos indiretos não há distinção entre classes e todos pagam o mesmo, a
parcela mais pobre da população acaba pagando, proporcionalmente, mais taxas
tributárias”, explica.
Caminhos da crise e serviços
Para o
especialista, apenas uma mudança tributária mais ampla pode funcionar de
verdade no país e reduzir a desigualdade. “O Imposto de Renda deveria subir
para os mais ricos, mas é fundamental que, ao mesmo tempo, sejam reduzidos os
impostos indiretos”, conclui. Há anos especialistas dizem que é preciso mudar a
maneira como se cobra impostos no Brasil. Além da penalização dos mais pobres, há
sobreposições de tributos e uma "guerra" entre Estados e entre os
Estados e Governo federal para decidir quem fica com a verba. No sufoco da crise e do aperto
fiscal, porém, o caminho trilhado pelo não tem sido um plano amplo, pelo menos
até agora. Uma das frentes para amenizar as perdas financeiras do caixa estatal
tem sido justamente o aumento de tributos indiretos, como a recente revisão da
desoneração do PIS/Cofins para computadores, tablets e smartphones, a mudança
no IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) sobre operações de créditos do
BNDES e mudança na tributação de bebidas como vinhos e destilados.
Para
Fernando Gaiger, especialista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA), temos um desenho tributário muito ruim no país. “Não há dúvidas que o
Imposto de Renda teria que ser mais progressivo e ter menos deduções para que
realmente ele alcançasse a magnitude desejada e permitisse a queda dos impostos
indiretos”, explica. Segundo o pesquisador, uma solução seria também acabar com
os descontos sobre a saúde pública. “Ao permitir esse desconto estamos deixando
de arrecadar 9 bilhões de reais das pessoas físicas”, explica. Na opinião de
Gaiger já passou da hora de pensar em mudanças mais equitativas. “A grande
questão do ajuste fiscal é saber quem vai pagar as consequências. Quem vai
arcar, como será distribuído? Ao que parece continuaremos com mais do mesmo,
sem nenhuma preocupação em dividir de forma justa os tributos”, explica.
O nó está em convencer ao mais
rico a pagar mais impostos quando eles resistem, entre outros motivos, por um
bastante forte: não usam parte dos serviços públicos que eles também financiam.
É por isso que, na opinião do economista e professor da FGV, Antônio Carlos
Porto Gonçalves, não é possível comparar somente o tamanho do peso dos impostos
dos países sem analisar também a qualidade dos serviços públicos oferecidos. “O
retorno do imposto em setores de educação e saúde é catastrófico”, afirma.
Segundo relatório do IBPT, dentre os 30 países que cobram mais tributos no
mundo, o Brasil segue na última colocação no ranking que mede o retorno
oferecido em termos de serviços públicos.
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