Memória histórica da
América Latina
Fotojornalista inaugura
exposição sobre ação das ditaduras latinas contra opositores.
ROCÍO MONTES Santiago do Chile
El País – O Jornal Global
O avião desde o que se
arrojava aos presos políticos na Argentina. / J. PINA
Justamente na semana do aniversário de 42 anos do golpe de Estado de
1973, o Museu da Memória e dos Direitos Humanos de Santiago do Chile inaugura
uma exposição de fotojornalismo que traz de volta ao presente uma das
iniciativas mais temerárias do regime de Augusto Pinochet: a Operação Condor, que consistia em atividades coordenadas das seis ditaduras
sul-americanas para perseguir e eliminar opositores nas décadas de setenta e de
oitenta. O fotojornalista português João Pina vem pesquisando as histórias de
horror desde 2005. Conversou com uma centena de vítimas, revisou processos,
testemunhou os poucos julgamentos e visitou centros de tortura, prisões e
paisagens, como o deserto de Atacama, no Chile, que sob sua beleza natural
esconde trágicas histórias. A síntese de seu trabalho são imagens poderosas,
todas em preto e branco, que poderão ser vistas até 27 de dezembro na capital
chilena.
"Poucas pessoas sabem da existência da Operação Condor. Se você
conversar com jovens e adultos, a maioria desconhece essa operação onde as
fronteiras do subcontinente foram derrubadas e opositores estavam inseguros
estivessem onde estivessem", disse Pina horas antes da exposição ser
aberta ao público na quarta-feira. O fotojornalista diz que seu olhar em
direção ao passado tem um forte componente de sua geração. Nascido em Lisboa em
1980, faz parte daquela primeira geração de portugueses que nasceram sob uma
democracia, depois de uma ditadura de 48 anos e após a Revolução dos Cravos (1974). Seu avô foi preso político e
Pina cresceu ouvindo histórias da repressão contadas por sua mãe. Essas marcas
biográficas o levaram a publicar, em 2007, seu primeiro livro de
fotografias: Por teu Livre Pensamento, no qual narra as histórias
de 25 presos políticos portugueses, em colaboração com Rui Daniel Galiza, autor
dos textos. "Minha geração tem a distância emocional dos fatos que nos
permite trabalhar com eles, mas, ao mesmo tempo, tem um envolvimento próximo
que explica a curiosidade e a urgência de querer abordar essas questões",
disse Pina.
A exposição, intitulada Sombra
do Condor, retrata as marcas fatais deixadas no sul do continente depois
daquela reunião de 25 de novembro de 1975, realizada em Santiago do Chile há
quase 40 anos, onde nasceu oficialmente a Operação Condor. Na reunião estiveram
presentes os serviços de inteligência da Argentina, Bolívia, Chile, Uruguai,
Paraguai e observadores do Brasil. Em 21 de setembro de 1976, na capital dos
EUA, em Washington, o ex-chanceler chileno Orlando Letelier foi assassinado em
um atentado a bomba.
O
fotógrafo, nascido em Lisboa em 1980, é parte daquela primeira geração de
portugueses que nasceram em democracia, após uma ditadura de 48 anos
As imagens de Pina foram expostas
anteriormente no Paço das Artes de São Paulo, no Museu de Arte Moderna do Rio
de Janeiro e no Centro de Fotografia de Montevidéu. Depois de Santiago,
começará uma rota pelas regiões do Chile. O fotojornalista percorreu os seis
países signatários da Operação Condor para buscar as histórias que as
sociedades democráticas parecem ter se esquecido ao longo do tempo. Nessa
jornada, Pina se encontrou com a uruguaia Anahit Aharonián, que passou 12 anos
na prisão por sua participação no movimento MLN-Tupamaros, e a retratou em sua
antiga cela na prisão de Punta de Rieles, em Montevidéu. Também foi ao Londres
38, um centro de prisão e tortura clandestino em Santiago do Chile usado pela
polícia secreta de Pinochet, a DINA. Os sobreviventes conseguiram localizar
posteriormente o lugar graças aos azulejos pretos e brancos que identificaram
sob as faixas. Na série batizada como Absurdos, uma imagem
arrepiante: um avião utilizado pelas forças armadas argentinas para jogar os
militantes de esquerda vivos no Rio da Prata e no Atlântico. "Atualmente
serve como um meio de publicidade para uma loja de materiais de construção nos arredores
de Buenos Aires", disse o fotojornalista português.
Paralelamente à exposição, também
será lançado em Santiago o livroCondor, textos que compilam a pesquisa
de Pina sobre a operação, com prefácio do jornalista norte-americano Jon Lee
Anderson e epílogo do jurista espanhol
Baltasar Garzón. "O Condor foi uma fraternidade de almas afins", escreve o
biógrafo de Ernesto Che Guevara.
ALEJANDRO
REBOSSIO
Em março de 2013, começou na Argentina o julgamento
oral e público dos crimes da Operação Condor, o programa de cooperação entre as
ditaduras da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai, Peru e Uruguai para
perseguir e eliminar opositores nas décadas de setenta e de oitenta. Nas
últimas semanas foram ouvidas as alegações finais das partes e uma decisão é
esperada ainda este ano sobre o desaparecimento de 106 pessoas, a maioria
uruguaios (cerca de 48), mas também um peruano, chilenos, paraguaios,
bolivianos e argentinos, entre os quais está a nora do poeta Juan Gelman, María
Claudia García Irureta. Entre os 18 acusados estão o ex-ditador Reynaldo
Bignone da Argentina (1982-1983) e apenas um estrangeiro, o ex-militar uruguaio
Manuel Cordero, acusado pelo caso de García Irureta. A Secretaria de Direitos
Humanos da Argentina pediu em sua petição penas que vão desde a prisão perpétua
até sentenças de 20 anos.
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